Pergunta: Dizeis que o “eu” é ilusão. Precisamos pensar, portanto, sem
a ilusão do “eu”, isto é, impessoalmente. Por outro lado ensinai-nos um
formidável individualismo; falais frequentemente de responsabilidade e sobre
ela insistis. Dizeis que precisamos nos tornar lei para nós próprios, isto é, a
nossa própria lei. Concordo plenamente com isso. Como, porém conciliar esse
individualismo com a ausência de preocupação do “eu”? Todas as verdades são
paradoxais, porém é importantíssimo averiguar que atitude pode resultar dessa
perfeita ausência de egoísmo aliada ao individualismo integral. Como posso eu
ser lei para mim mesmo se meu eu é uma ilusão?
Krishnamurti: Tendes
seguido ideais irresponsavelmente, inconscientemente, tendes acompanhado a
instrutores, salvadores, ao vosso próximo, à sociedade. Haveis feito isto
inconscientemente por ser mais fácil acompanhar os outros do que pensar por si
mesmo. Agora, vos digo eu, não sigais, tornai-vos plenamente conscientes; isto
é, tornai-vos responsáveis pelas vossas ações, tornai-vos lei para vós próprios
e chegareis, finalmente, a essa realização que é a harmonia de tudo. Nesta não
existe lei, pois que a completude não conhece lei, pois que a lei é
irresponsabilidade e responsabilidade, inconsciência e consciência. Tendes
inconscientemente acompanhado os outros, porém, para serdes completos tendes
que ser plenamente responsáveis, isto é, plenamente individualistas no sentido
de ser responsáveis pelas vossas ações. Não dependeis de ninguém e, portanto,
chegais a essa realização onde o eu não mais existe, e que é liberdade de toda
a consciência e de toda a responsabilidade.
Exporei isto por outro modo. Há o
observador e a coisa observada, o ator e a ação. Ora, o ator, o observador, é
inconsciente de sua separação; ele sabe que é ator, o pensador, o sujeito que
cria o objeto, o atuante que atua, praticando a ação. Se fordes colhidos pelo
fato, isto é, pelo fruto da ação, sereis inconscientes, sereis irresponsáveis,
posto que ainda continue a existir o observador e o observado, o ato e o ator. Levai
isto mais adiante e não haverá nem ator e nem ação. Na verdade, não existe ator
nem ação, existe somente completude.
Experimentais expor isto ainda de
maneira diversa. Deveis saber a maneira pela qual sois egoístas. Isto é, tendes
que vos tornar plenamente apercebidos de vós mesmos; deveis conhecer por vós
próprios a maneira pela qual vossas ações são egoístas, se vossos ideais tem
raiz no egoísmo, se vossa vontade é egoísta, se vossa imaginação tem raiz no
egoísmo. Deveis vos dissociar de todas as ideias de sociedade, de nações, de
povos, e do próprio homem e de todas as civilizações e complicações. Por meio
desta dissociação tornar-vos-eis completamente
o que sois, completamente individualistas, não egoisticamente
individualistas; isto é, ficareis psicologicamente
sós. Eu vos darei um exemplo: pensais que estais enamorados. Para
verificardes se na verdade é de amor real que se trata, se é do amor em si
mesmo, o qual é a sua própria eternidade, deveis vos dissociar do objeto de
vosso amor, e verificar se vosso amor pode manter-se por si mesmo sem perder
sua amabilidade. Deveis ficar intrinsecamente sozinhos. Esta solicitude é
verdadeira individualidade. A partir desta plena consciência da
individualidade, deveis vos tornar lei para vós próprios afim de vos poderdes libertar
de toda a lei. A descoberta da uniquidade é solidão; não é a uniquidade de
expressão, porém a uniquidade da unidade. Disto provém a plena consciência e
por meio da consciência a realização da completude.
Somente nesta solidão pode a
Verdade ser realizada; é o resultado inevitável da pesquisa. Dá-se então o
deleite, o êxtase da pesquisa. Concentrai vossa energia, não em lutar contra
opostos, porém em buscar, em procurar, em compreender. Assim, libertar-vos-eis
dos opostos.
Krishnamurti, 4 de agosto de 1931