A maioria das pessoas tem ideias
tão estranhas acerca da Verdade e da vida espiritual, que é dificílimo explicar-lhes
o que entendo por Verdade. Acreditam que, pelo acumulo de experiências, que
implica tempo, compreenderão gradualmente o “Ultérrimo”, o Eterno.
Quanto a mim, é precisamente o
contrário. O presente encerra todo o tempo, e a compreensão de uma simples experiência
recente, em sua plenitude, dar-vos-á a compreensão da Verdade. A ideia de
progresso implica acumulo, expansão, um movimento sempre em direção a um
intento ou meta. Mas a importância de uma experiência não pode ser avaliada por
tal ideia de progresso ou tempo. Só pode ser compreendida no presente, que é
sempre eterno. O sentido pleno de uma experiência, no momento, proporciona-vos
a imensidade do entendimento.
O tempo só existe enquanto não
compreendeis uma experiência; e o entendimento anula o tempo. A compreensão só
existe no presente, não no futuro. Quem deseja compreender, não considera o
tempo. Parecer-vos-á talvez um novo modo de julgar, mas nada de novo existe sob
o céu. Assim, não rejeiteis ou aceiteis, mas considerai o que digo. Nem mesmo
um milênio, se não compreenderdes agora,
vos proporcionará a compreensão. O que sois, isto é, a vossa ignorância, se
a não dissipardes no presente, será ainda ignorância daqui a mil anos. Não é o
tempo que vos traz a compreensão, mas a vigilância da mente para compreender,
no presente. É impossível estar alerta, enquanto a mente estiver sobrecarregada
pela ideia do tempo, de crenças e ideais.
Buscarei explicar o que quero
dizer por vigilância da mente. A experiência é, afinal de contas, o modo pelo
qual respondeis aos incidentes da vida. Estar alerta é ser capaz de distinguir
entre a pura ação e as reações, quer sejam positivas, quer negativas. A reação
positiva brota de vossa própria individualidade intrínseca ou egoísmo e a
reação negativa parte do exterior. Toda ação que não é pura, é reação, pois que
é oriunda da sensação, tanto a positiva como a negativa. A ação pura, livre de
toda reação, é isenta de intuito ou incentivo e desprendida do centro de
egoísmo.
Para compreender uma experiência
no presente, para colher a sua frescura, deveis ter a mente limpa de crenças,
limpa de ilusões. A plena compreensão de uma experiência vos libertará de toda
experiência, que é o tempo. Quando a mente estiver liberta de crenças e
esperanças, é quando pode estar alerta; tal mente não se coaduna, porque não
tem personalidade, que é limitação. A menos que a mente esteja livre, terá uma
ideia preconcebida do que seja a Verdade, deformando a Vida segundo esse ideal,
tornando-se deste modo, incapaz de compreender o presente. Pois que o Ultérrimo
não pertence a ideia, crença ou conceito algum, todas essas coisas são
simplesmente a resistência criada pela eu-consciência. Se, pois, vos amoldardes
no presente com a concepção do Ultérrimo, do futuro, estareis apenas
pervertendo a vida.
Podereis dizer ainda: “Não devo
ter ideal, inspiração ou incentivo algum?” Direi: não. Não, porque, se o tiverdes, estareis apenas vos conformando e
em tal não há entendimento. Enquanto que, se a vossa mente se achar isenta
dessas coisas, então compreendereis o presente, o seu pleno significado. Vereis
então que a vossa mente desperta para essa inteligência, que é a verdadeira
libertação de todas as ilusões da individualidade. A crença, mesmo quando vos
faculte temporário consolo e conforto, é apenas um sinal de decadência. A
mente, quando carregada de crenças, torna-se negligente e imitadora; não é
rápida em sua adaptabilidade. Ao passo que a mente sempre alerta, essa
renova-se. Não carece de estimulo do interior nem do exterior, pois que todo
estimulo é somente reação. Tal mente, assim livre, pode compreender a
felicidade, a Verdade.
Muita gente tem uma dada espécie
de crença ou ideal. Pode ela ser a crença nas posses, a de que as posses trazem
a felicidade; ou a de que o amar com posse é o único meio de amar. Pode ser a
crença de que a imortalidade só é compreendida pela experiência de um deus pessoal.
Pode ser a crença no poder, na harmonia, na unidade; pode ser a crença no
porvir, que é a glorificação própria. Tudo isto, do meu ponto de vista, são meras
ilusões. A mente que se projeta para o futuro e busca compreende-lo, corrompe o
presente, perverte o claro julgamento. Assim, conhecer o Ultérrimo, é ficar sem
saber. Não pesquiseis o futuro, não pergunteis o que é o Ultérrimo, não vos
assegureis da permanência do desejo, mas procurai o que não desejais, pela
experiência do entendimento. Não é este um modo negativo de encara a vida.
Buscai por vós mesmo averiguar quais as coisas e ideias que não desejais. Sabendo
o que não quereis, por eliminação, descarregareis a mente e só então ela
compreenderá o essencial que sempre está presente. Não tenhais ideia
preconcebida do Ultérrimo, não apliqueis essa ideia do transitório, mas antes
procurai compreender o que é transitório. O eterno é transitório; não está
distanciado dele. O infinito é o finito. Isto é, o pleno significado de uma
experiência está na experiência passageira. O que vos dá entendimento é saber,
não o que quereis, mas aquilo que não desejais, de que estais livres.
A inteligência, liberta da eu-consciência,
torna a mente perfeita. O que eu chamo de inteligência é o estado de plena consciência
da fonte de vossa ação e para descobrir essa fonte, não deveis ter crença
alguma. Buscai a fonte de vossa ação pela constante vigilância da mente, pela
compreensão do transitório, pelo significado pleno de uma experiência que
encerra o eterno. Pela inteligência — por favor lembrai-vos de que falo da verdadeira
inteligência — desvencilhai vossas ações da ideia do ego. Desvencilhados, sem
crença ou incentivo imediatos, sem a ideia do castigo ou da recompensa, a vossa
mente se purifica e destrói todas as ilusões; bastar-se-á, então, a si própria,
será serenamente entusiasta.
O que cria as ilusões, o que gera
as crenças? A ideia do “Eu”, o ego, uniquidade da separação. Enquanto não vos
apercebeis de vós mesmos, criais ignorância. Tornando-vos mais e mais cônscios de
vós próprios, passando através da chama da eu-consciência, compreendereis o
Ultérrimo, que é a libertação da eu-consciência, a criadora da ignorância. Por
outras palavras, há ilusão enquanto existe eu-consciência, porém a isenção
desta destrói toda a ilusão. Não podeis libertar essa eu-consciência, essa
limitação, entregando-vos a trabalhos, a serviços, a uma causa, ou mediante a
crença em redentores, em mestres, etc. Só podeis libertá-la procurando
averiguar se as vossas ações repousam na crença, em um incentivo, no egoísmo.
Não percorrais toda a gama de crenças, mas tornai-vos cônscios na ação no
presente. Libertai a mente de todo o ideal, porque eles não dissolvem a
eu-consciência. Tornando-vos plenamente autoconscientes no presente, em
pensamento, emoção e, por conseguinte, em ação, estais libertando a
eu-consciência, que é limitação, que é uma qualidade.
A ação da maioria baseia-se no
desejo de obter algo, pelo medo ou pela ideia de recompensa no presente ou no
futuro. Enquanto a ação repousar numa causa ou incentivo, tal ação criará um
futuro e por conseguinte não haverá a compreensão do presente, que é, para mim,
o Ultérrimo. Se a vossa ação tem por base a crença, vaidade ou posse, e disso
não tiverdes consciência, dela não vos libertareis, não havendo compreensão. Em
tal caso há perversão do pensamento, conduzindo á estagnação, à infelicidade.
Mas se, pela inteligência, procurais libertar a vossa ação de todo o intuito, a
vossa mente se tornará desperta e só então podereis compreender o pleno
significado de uma experiência. Deste modo, a reta ação sobrevém doce e
naturalmente se procurardes libertar a vossa mente do ego, pois que a reta ação
é o pensamento e a conduta. Não busqueis reta conduta que se torne um modo de
proceder estereotipado e portanto sem vida. Buscai antes libertar a vossa mente
de toda limitação ou individualidade; tornai-vos desprendidos — o que não
implica indiferença — e então podereis, não auxiliar, mas agir verdadeiramente.
Daí emana a verdadeira atitude, o verdadeiro trabalho e a ordem social. A
verdadeira ação por si mesma, ainda que governada pelo mais alto ideal de
conduta, não dá compreensão. A compreensão só vem ao dissolver-se o centro da
eu-consciência.
A mente que busca a Verdade, que confirma a imortalidade, na qual não existe princípio nem fim, deve ser liberta da ideia de tempo e atingimento; pois que o transitório é o eterno e no presente está a plenitude da vida.
A mente que busca a Verdade, que confirma a imortalidade, na qual não existe princípio nem fim, deve ser liberta da ideia de tempo e atingimento; pois que o transitório é o eterno e no presente está a plenitude da vida.
Krishnamurti, 1931