Como é esta a última palestra
neste Acampamento, quisera eu fazer um resumo do que tenho estado a dizer
durante toda a semana passada. Porém, primeiramente, quero declarar que não
haverá Acampamento em Ommen no próximo ano. Talvez haja em 1933, porém
ser-vos-á dada notícia a respeito no Boletim da Estrela.
Se haveis compreendido o que vos
tenho estado a dizer durante a semana passada, verificareis que o homem anda de
contínuo à busca dessa Vida que sempre está renovando a si própria, e que não
conhece morte. Essa completude acha-se em todas as coisas e esta vida, em toda a
sua potencialidade, em toda a sua eternidade mora no homem. É ela o começo e o
fim de toda a busca: Esta completude não está sujeita ao tempo — pois que o
tempo é simplesmente uma coisa diretiva, progressiva, relativa — e, portanto,
ela está sempre para além do passado, do presente e do futuro.
Somente nisto reside a
imortalidade. A personalidade pode fenecer e morrer, porém, para o homem que
realiza esta completude, esta tranquilidade da mente, para esse existe a
segurança da imortalidade — não como uma contínua progressividade, que admita
sujeito e objeto, e, portanto, a duração, porém sim essa Realidade, na qual a
eu-consciência que inclui o “Eu” e o pensador, o ator e a ação, está consumada.
Este estado da mente é semelhante a corda de um violino. Se quiserdes tocar
violino tendes que ter a corda adequadamente justa, afinada, nem demasiado, nem
pouco tensa. Esta tensão é harmonia. Quando a mente está liberta de toda a
eu-consciência, portanto, de toda a ação que brote do egoísmo, ela não mais
conhece sujeito nem objeto, pensador nem pensamento. Uma tal mente acha-se
revestida de amor do qual toda a particularidade de sentir e de objeto, se acha
inteiramente ausente sendo esse amor então, como o perfume e uma flor. Isto não
é teoria intelectual e sim o viver em constante ajuste, em constante
vigilância, acautelamento, de modo a que de um tal apercebimento, que é
resultante da busca, provenha a harmonia — a mente contendo o coração.
A completude, essa Realidade
última está em todo o ser humano, e somente na realização dela reside a Verdade.
O homem gasta muitos anos a adquirir, a conservar, a possuir, a alcançar, sejam
posses, sejam ideias, pois ele pensa que a Realidade última, que é felicidade,
somente pode ser realizada por intermédio da aquisição de virtudes, de
qualidades, afim de prolongar sua entidade pessoal.
Ora, eu digo que o ego, a
personalidade, não tem futuro, e isto não significa nem aniquilamento nem
continuidade. Somente a realização da Verdade é que é eterna. Nada a não ser a
Verdade pode ser permanente, perdurável. Eu sustento que aquele que quiser
realizar esta completude, o êxtase dessa Realidade eterna, deve volver os
esforços que usou em adquirir, em alcançar, no sentido de libertar-se de todas
essas qualidades e virtudes, as quais são os opostos, pois o que ele houver
cuidadosamente recebido nada mais é que dar acentuação ao ego, coisa que não
passa de ilusão. Posto que seja um fato, o ego é apenas uma ilusão, o homem,
porém, age como se se tratasse de uma Realidade. E unicamente pelo libertar-se
a si próprio dessa ilusão que ele encontrará a consumação da completude.
Por muitos anos haveis gasto
vossas energias no adquirir bens de fortuna, de ideias, de pessoas, no entanto
eu agora vos digo que a felicidade não pode ser realizada senão por meio da
libertação da eu-consciência. Tendes que atravessar essa chama da eu-consciência
para chegardes a ser, para que a mente fique tranquila.
A Verdade está oculta sob toda
essa cobertura de opostos criados pelo ego. O esforço, pois, deve ser voltado
no sentido inverso se quiserdes vos libertar dos opostos. Com o desejo, com o
amor por essa Realidade última, que é a própria Vida, o esforço não mais se
tornará luta entre opostos, porém, sim, tornar-se o processo liberador da ideia
do “teu” e do “meu”, de “tua verdade” e “minha verdade”. O esforço, então, nada
mais será que discernimento. Enquanto não possuirdes julgamento verídico, o
qual é o verdadeiro discernimento, a mente será apanhada pela luta e perde-se
entre os opostos. Com o desejo da busca pela Verdade, com o amor pela Realidade,
com o amor pela Vida, surge a autodisciplina. Verdadeira disciplina é
discernimento, não imposição, compulsão ou repressão. O discernimento conduz à
Verdade e é nesse discernimento que a autodisciplina deve basear-se. A
capacidade de discernir começa com as pequenas coisas e por meio da escolha
contínua desperta-se a inteligência e esta inteligência proporciona-vos a
capacidade de distinguir o que é essencial em todas as coisas.
Na busca dessa completude sobrevém,
naturalmente, o discernimento, o qual é verdadeira disciplina de si próprio e
dessa autodisciplina provém a ausência do temor. O lutar contra o medo jamais
vos tornará destemidos se, porém, buscardes a completude, o temor desaparecerá
por si mesmo. Da ausência de temor provém o desprendimento. O desprendimento
não é esforço tenso, porém sim o inevitável resultado da pesquisa. Deveis
discernir entre vossos gostos e desgostos, para de ambos vos libertardes, isto
é, tanto dos gostos como dos desgostos. Se amardes a busca da Verdade, a ação
provirá do desprendimento, a qual é conduta — conduta, não baseada no gosto e
no desgosto, nas amizades, nas nacionalidades, em mesquinharias, em
preferências, porém sim na conduta baseada na busca dessa Realidade última, a
qual é absolutamente
impessoal.
Na busca dessa Realidade última,
por meio da reta ação que é comportamento, vem a completa solidão. Esta solidão
não é afastamento, não é fuga ao conflito. Nesta solidão, a qual, ao começo, é
cheia de reflexão, de exame, vem o estado da mente que não mais se preocupa com a imaginação, com
a vontade, as opiniões, as ideias, coisas que tem suas raízes na eu-consciência.
Para, porém, chegar a essa solidão, que é um êxtase, que é uma riqueza, tendes
que haver passado pelas ideias, as opiniões, grande determinação e grandes
percepções. De outro modo, esta solidão nada mais será que vacuidade, evasão, fuga,
pobreza, ocasionada pelo temor de fazer o esforço.
Chegais, assim, a esse estado da mente e do coração em que eles estarão completos por si
mesmos e, portanto, plenamente harmonizados. Dessa harmonia provém a
liberdade da eu-consciência, a qual é responsabilidade plena, e a realização
dessa completude que é imensurável. No homem que quiser buscar a Verdade, que
reside nele próprio, tem que nascer esse intenso desejo, o amor pela Verdade, o
amor pela completude que é Vida.
Como disse anteriormente, isto
não é uma teoria intelectual, não são deduções extraídas de livros. Se, porém,
puserdes isto em prática na vida diária, haveis de verificar, pelo fato de
buscardes a Verdade que advém esta sequência: reto comportamento, verdadeira
conduta, solidão, — primeiro a solidão que é cheia de reflexão e depois a
solidão que é isenta de qualquer reflexo, de qualquer pensamento. Então, mente
e coração ficam, por assim dizer, em estado tenso, como cordas, de modo que o
tom pleno da vida possa ressoar. Quando andardes à busca desta completude, a
qual não está nem no futuro nem no passado, porém sim no presente sempre vivo,
o qual não conhece nascimento, porém sim apenas o eterno renovar de si próprio,
tendes que começar pelo primeiro passo, isto é, tendes que vos
tornar plenamente eu-conscientes; e no próprio coração desta eu-consciência,
encontrareis o êxtase desse perfume de entendimento, dessa completude de que
falo.
Não nos encontraremos mais,
talvez, por estes dois anos mais próximos. As ocasiões em que possais estar
absolutamente tranquilos será muito raras, poucas oportunidades tendes para
estar inteiramente pacificados, com todas as vossas coisas, convosco próprios.
A civilização não vos dá essa oportunidade; tendes que lutar para obtê-la;
tendes que vos sobrepor ao conflito, para arrancar-lhe o momento tranquilo, o
qual não deve ser de afastamento, porém sim, de consumação da reflexão, da
altitude do pensamento. Então, jamais evitareis a Vida, com suas mutações, seus
conflitos, suas tristezas, suas alegrias, sua corrupção, sua inveja. Viverei
com grande intensidade, pois que é por meio da mais alta intensidade que nasce o
verdadeiro desprendimento. É somente então que podeis realizar a completude.
Por meio da libertação da “eu-dade” plena para convosco próprios, é como
encontrareis essa Realidade última que está para além de toda a lei, a qual é a
verdadeira liberdade.
Krishnamurti no “Campfire”, em 5 de agosto de 1931