Tenho vindo a falar durante estes
últimos anos e, dado o fato de haver muitos desapontamentos, tanto em resultado
do que tenho dito como relativamente à minha pessoa, pretendo, durante estes
poucos dias, que se vão seguir, tornar perfeitamente claro o que tenho em mente
vos transmitir.
A realização da Verdade, da Vida, somente pode
ser atingida pela vossa própria força, isto é, pelo vosso constante
apercebimento no remover as muitas ilusões, as muitas distorções que circundam
a Realidade. Assim, a primeira coisa a ser compreendida é que esta
Vida pode ser realizada por meio da vossa força, da vossa compreensão, de vossa
própria capacidade reflexiva; que em vós mesmo reside a inteira eternidade da
Vida. No ponto central de Vida que existe em cada um de nós, está contido todo
o Universo. A sustentação dessa realização em sua plenitude, a todos os
instantes, representa a compreensão da Verdade, da Vida. Esta realização pode
ser experimentada nesta mesma vida e nesta realização se encontra o todo do
tempo.
O tempo, como estendendo-se para
o futuro, é uma ilusão; a Realidade está no presente, nesta mesma vida. O
experimentar isto e vive-lo continuamente, é que é a imortalidade a ser
alcançada, não de futuro, mas no presente. Este ponto central que o todo da
Vida, o todo da manifestação, o todo, tanto do espírito como da matéria, sem
divisão, este ponto central que é o universo inteiro, que está para além do
tempo, existe em toda a coisa. Para isto perceberdes, tendes que vos firmar em
vossa própria força, tendes que vos tornar conscientes de vosso próprio
sofrimento, saber que isto só pode ser verificado por meio de vosso esforço individual.
Esta experiência não é nem mística, nem sentimental, nem emocional, nem oculta.
Realiza-se por meio da razão, que gradualmente se vai despojando de toda a
personalidade, de todas as inclinações pessoais. Uma tal razão é que conduz a
essa percepção interior de que falo.
Esta Verdade, pois, somente pode
ser realizada por meio de vossa inteligência e não pela transigência entre
aquilo que eu digo e aquilo em que acreditais. A maioria de vós que aqui vos
achais, pertence a várias sociedades, a várias instituições. Para mim, a Vida
não é realizável por intermédio de instituição alguma. Desejo tornar isto
absolutamente claro, de modo a não haver transigências acerca de tal. De nada
serve o desperdiçarmos o nosso tempo a discutir coisas que não têm valor. E no
entanto, é isto o que temos feito todos estes anos. Portanto, quero tornar o
que tenho em vista exprimir, mais uma vez o digo, perfeitamente claro. Não
podeis formar transigência no dizer que eu apenas apresento um lado da Verdade.
A Verdade, para mim, somente é realizável por meio de vosso auto-recolhimento,
por vossa força, pela vossa capacidade de contínuo apercebimento-próprio; em
virtude deste fato, não podeis encontra-la mediante qualquer religião
instituída, por intermédio de sacerdotes, de cerimoniais, ou por meio de deuses
pessoais, de cultos, de instituições, de sociedades. Nem tão pouco vos é dado encontra-la
pelas sensações, ou pelo emocionalismo, nem tão pouco, com o concurso de
outrem, nem mesmo por meu intermédio. Dado o fato de a Verdade estar dentro de
vós próprios em toda a sua plenitude, em sua totalidade, não a podeis realizar
por meio de salvações externas.
Ora, os indivíduos vêm aqui por
muitas razões. Certos entendem que é um lugar muito bom para umas férias;
outros por causa da amizade que me votam, e alguns outros por indagar a maneira
pela qual há de estabelecer transigência entre aquilo que eu digo e aquilo em
que acreditam. Talvez uns poucos aqui estejam com o intento de compreender
aquilo que digo. A maioria, porém, ainda mantém seu velho fundo de ideias,
portanto desejam transigir entre o que acreditam e o que eu digo. Querem correr
em ambas as direções ao mesmo tempo. Porém essas direções são diametralmente
opostas. Por favor, compreendei isto. Desta transigência resulta desperdício de
energia, luta que não conduz à finalidade alguma, angústia e ansiedade; busca
de coração sem purifica-lo e vigilância mental sem a placidez da sabedoria. Se
realmente desejais aquilo que vos exponho, se realmente quereis compreender o
que digo, deveis vir com absoluto desapego, vossa mente deve estar plácida,
porém não débil, e não ter desejo algum de transigir, seja por que forma for.
Sei que tenho estado a repetir
isto por estes últimos três ou quatro largos anos, e pouquíssima gente há que
tenha reconhecido quão oposto é o que eu digo, às suas crenças, àquilo que lhes
foi ensinado em relação à vida em geral e em relação à minha pessoa em
particular. Por favor, atentai nisto. Não podeis reunir num conjunto duas
coisas diametralmente opostas. Podeis transigir com coisas da mesma espécie,
porém não com aquelas que nada têm em comum entre si. Deixai que tome um
exemplo, e compreendereis. É um exemplo antigo, porém não vos importeis com
isso, pois que ele se encontra no coração e na mente de todos e por todo o
mundo, em graus diferentes. Têm-me sido frequentemente perguntado se acredito
em um Mestre, em um Deus pessoal. Por detrás desta pergunta está o desejo de
buscar a salvação de outrem, de em outrem conseguir força, conforto,
entusiasmo, ver o alvo. Adaptais vossas ideias de culto a diferentes objetos de
adoração. Alguns dentre nós adoram o Cristo; outros a um Mestre; alguns seguem ao
Buda, outros a profetas e sacerdotes. Outros substituem um objeto de culto por
um outro diverso e imaginam estar crescendo na direção da felicidade. Porém
isso sempre fica sendo um culto, o ter em vista a outrem, isto é, uma
cerimonia, seja ela em um templo, seja às margens de um rio.
O que digo é inteiramente oposto
a tudo isso. Deixai que tome um outro exemplo. Sustentam muitas pessoas que
pelo ampliar sua autoconsciência, como indivíduos chegarão a realizar, por fim,
a Verdade. Eu digo mais uma vez que isto é diametralmente oposto ao que
sustento. Não pretendo que acrediteis no que digo, porém, por favor, examinai o
que ponho diante de vós sem desejos de transigir. Tendes o desejo de ampliar a
vossa eu-consciência para alcançar maior poder, mais autoridade, mais
qualidades. A Verdade não pode ser realizada por meio de cultos, por apegar-se
à eu-consciência. Não podeis honestamente sustentar que vossos cultos, vossas
cerimônias; vossas ideias sobre caminhos e aspectos de Verdade; vosso anseio
pela continuidade de vossa eu-consciência através do tempo, vossas ideias sobre
a salvação e a renúncia de orientadores, de discipulado e de autoridades, de
realização por intermédio de uma instituição, igreja ou sociedade, sejam na
essência ou em parte o mesmo que eu asseguro ser a Verdade. Se compreenderdes
isto, então não pode haver desilusão relativamente ao que digo e ao que sou.
Se, porém, conservardes todas essas coisas, que para mim são ilusões, como o
fundo para as vossas ideias, se mantiverdes vossa antiga atitude mental, não
podeis esperar que eu condescenda com os vossos sistemas, com a vossa
padronização, com as vossas imagens.
Assim, pois, mais uma vez quero
tornar absolutamente claro que o que eu digo é diametralmente oposto a essas
crenças que estimulam, seja por que forma for, o culto a outrem, a ampliação da
nossa consciência através do tempo, a identificação de nossa personalidade após
a morte. Todas essas crenças são integralmente opostas àquilo que para mim é a
Verdade, a qual existe, em sua integralidade, em todo o ser humano e há todos
os instantes. Esforçar-se por transigir, nada mais é do que desperdício de
tempo, de energia e cria inquietações e ansiedades sem propósito algum. Sei que
é muito difícil o vos dissociardes do passado; leva tempo, necessitais de ter
paciência. Porém, por muita paciência que tenhais, se houver o desejo de
transigir, ela não vos conduzirá à realização da Verdade. Tendes que ter
paciência, não para transigir, mas para eliminar, para vos tornar livres,
desapegados de todas as coisas. Para isto deveis ter paciência, porém, não para
transigir. Portanto, o que tendes que ter em vista é o vosso desejo. Isto não
significa que devais aceitar o que digo. Pois que então mais não será que uma
nova autoridade. O que pretendo é tornar essa visão, a visão transitória da
Vida eterna que advém em momentos, vaga e distante, — permanente; para,
contudo, torna-la permanente, tendes de possuir uma base reta. É meu propósito durante estas palestras,
auxiliar-vos a lançar essa base, por
vós mesmos, tornar essa visão permanente, e não uma coisa aleatória. Nos
vislumbres transitórios dessa eternidade, não há felicidade, não existe paz.
Porém existe constância, existe imortalidade na vida, se lançardes os alicerces com pureza extrema, quanto ao modo de viver
diariamente.
Eu só me preocupo com esta base. Para isto,
tendes que possuir honestidade e essa retidão da mente que conduz à
simplicidade de pensamento. Vindes aqui somente para isto. Mais não
é que desperdício de tempo para todos nós o aqui virdes com qualquer outro objetivo.
O homem que deseja conforto, mental, emocional ou físico, não pode busca a
Verdade, não pode encontra-la. O culto, a continuidade da identificação de
nosso ego através do tempo tudo
isso, para mim, é ilusão. Eu vou vos mostrar, se é que tal pode ser mostrado,
que por outra maneira, por libertar-se de toda a ilusão, e não por adorarem a
outrem, e não pelo prolongamento de nossa individualidade através do tempo, é
que a Verdade se realiza. Se por isto vos interessardes, então poderemos
palestrar juntos. Eu darei todo o meu tempo, toda a minha vida a isto: pois que
somente isto é que me interessa e não qualquer outra coisa. Se, porém,
julgardes que só estou apresentando um aspecto da Verdade, permiti que eu vos
replique que a Verdade não pode ser realizada com o dividi-la em dois aspectos
e apresenta-la de acordo com as necessidades do momento; ela é completa em si
mesma e não pode admitir divisão. Portanto, como disse, deve haver a
determinação, filha do entendimento claro e o entusiasmo da honestidade para
buscar a Realidade.
Assim, portanto, tornei
perfeitamente claro que o que geralmente o cristão, o teosofista, o hindu e o
budista acreditam ser a Verdade nada tem em comum com aquilo que eu digo. Portanto,
se quiserdes compreender o meu ponto de vista tendes de arrazoar, examinar,
refletir, porém, não desperdiceis tempo e energia em transigir. Não podeis
reunir o lenho morto e a árvore viva em uma só coisa. O que é necessário,
portanto, é estar interessado. O interesse não pertence a idade alguma, não
pertence ao jovem ou ao velho, nem pertence somente a uns poucos. A partir do
momento que sintais interesse, desejo, entusiasmo para buscar, então ficareis a
todo instante vigilantes, a todo o momento estareis inspecionando, examinando,
e por essa forma vos tornareis cada vez mais conscientes de vossos atos
diários. Relativamente a esta Vida eterna, sabendo o que ela é, tornar-vos-eis
conscientes dela em vossas ações, esforçando-vos por harmonizar vossas ações
com ela e não olhando para o passado, isto é, para a vossa subconsciência.
Krishnamurti, Reunião de Verão, julho de 1931