No coração de cada um de vós
existe o desejo de reformar a outrem. No entanto cada qual só deveria se
preocupar com sua própria reforma e, quando digo para deixar em paz a reforma
dos outros, não o digo no sentido de criar indiferença ou egoísmo ou para
acentuar a importância de vós mesmos. Ninguém vos pode forçar a mudar senão vós
próprios. Aquilo que fazeis tem uma importância infinita, isto é, o fato de
estardes ou não apercebidos da responsabilidade de vossas ações, se estais
conscientes ou inconscientes. Por ações inconscientes entendo eu aquelas que
não tiverdes ainda elaborado mentalmente, que são automáticas e resultantes de
hábito. Quando examinais vossas ações, vossos pensamentos e emoções, estais
começando a vos tornar cada vez mais eu-conscientes, e, portanto, cada vez mais
responsáveis. É por ai que a reforma deve começar, e não por tentar modificar a
outrem. Se vós, que aqui estais, vos modificais a vós próprios como indivíduos
que sois, inevitavelmente haveis de trazer à evidência o verdadeiro
entendimento no mundo. Quereis compreender a Verdade e vos atendes ao vosso
circulo de eu-consciência. É a partir deste circulo que pretendeis reformar os
outros, enquanto que esta reforma só pode partir do centro de cada um e tudo
quanto não for feito a partir deste centro, será fútil. Quero dizer que, se o
ponto de vista integral da vida for baseado sobre o egocentrismo ou o egoísmo,
sobre a “eu-dade”, será coisa apenas transitória e inútil. Nets circulo de
eu-consciência, aquilo que dominais ideais, mais não é do que falsas criações
do egoísmo, tendo a vós próprios como centro. Dentro deste circulo, por muitas
alterações que opereis, haverá sempre distinções de classe, alto e baixo, rico
e pobre, e do mal decorrente dessas distinções surge a exploração que mais não
é que interesse em si mesmo. Toda a exploração de qualquer espécie que seja,
provém da separatividade, em virtude da ênfase dada ao “vosso” e ao “meu”. A
exploração espiritual existe por haverdes tornado a Verdade numa coisa externa.
Por esse motivo, necessitais de intermediários para vos explicar essa Verdade,
e tais intermediários, por vós mesmos criados, são exploradores que se servem
de sua autoridade para perpetuar esse circulo de eu-consciência.
Repito, esse círculo de “eu-dade”,
de egoísmo, aquilo que denominais moral nada mais é do que ajustes entre
indivíduos, classes, estados e nações; e esta moral tem sua base em
autoridades, e estas autoridades nada mais fazem que acrescentar a eu-consciência
que vos mantêm prisioneiros. Neste círculo, a partir do qual todos os
pensamentos surgem, vosso incentivo para a ação é o da glória, o do conforto,
do prazer, da vaidade, da pompa, do entusiasmo, do dinheiro. Enquanto baseardes
vosso pensamento, vossas emoções, vossa civilização e o planejar de vossa
existência diária no egoísmo, nessa “eu-dade”, tendereis a ser escravos de
todas essas coisas, em certa medida, por sutil que seja. Sejam as vossas
distinções, espirituais ou de classe, de títulos, ou de bens, nada mais sendo
que sutis estímulos ao egoísmo. Toda a forma de incentivo para a reta ação nada
mais é que exploração, tenha esse incentivo, denominado ideal, o reconhecimento
por parte do estado, de um indivíduo ou de um amigo; quer ele seja a promessa
do céu ou a ameaça da danação. Portanto, enquanto tiverdes os vossos alicerces
firmados em estímulos, não realizareis a
Verdade, esta completude que está para além do tempo, para além do
nascimento e da morte , que sempre está se renovando a si mesma e que é
felicidade. A
Verdade somente pode ser realizada por meio da absoluta cessação da
eu-consciência.
O “Eu”, o ego, é impermanente, é
uma ilusão, é um punhado de qualidades, um centro de virtudes, de pecados, de
ideais, uma circunferência na qual existe começo e fim. Oram este “eu” forma-se
por meio dos sentidos, por meio das emoções, por meio da percepção, e dessa
percepção surge o pensamento, que cria consciência e desta nasce a “Eu-dade”,
separada. O “eu” não existe por si mesmo, o “eu” não é algo que sinta por si
próprio: vós sentis e cria-se o “eu”; pensais e o “eu” é criado; tendes emoções
fortes e cria-se o “eu”. Não é o “eu” que pensa e sente; o “eu” nada mais é do
que a coordenação, a reunião em conjunto da existência corpórea, determina o
corpo da sensação, da percepção, do pensamento, que se torna a consciência.
Esta consciência da mente cria o “eu”. Por isso dizeis: “eu quero existir, eu
tenho uma existência separada”. Por isso dizeis mais ainda: “Eu sinto, eu
penso, eu percebo, eu sou consciente”. Se buscardes a Verdade, tereis os
sentidos e, apesar disso, a mente não criará o “eu” por meio dos sentidos;
tereis sentimentos, porém a mente não estará criando o “eu”; tendes que possuir
a percepção, a qual é a capacidade para distinguir, para discernir, e apesar
disso, esse discernimento, o “eu” não será produzido. Tereis que pensar e,
apesar disso, por meio do pensamento, não haverá esta ilusão do “eu”.
Assim, pois, consciência nada
mais é do que eu-consciência. Nada mais é que um punhado, a coordenação de
todas essas coisas que criam o “eu”; para, porém, ser consciente dessa “eu-dade”,
pois que disso precisais, tendes que começar por serdes responsáveis, tendes
que começar por pensar por vós mesmos, e por vós mesmos sentir. O “eu” é uma
ilusão e se baseardes toda a vossa civilização, todo o vosso pensamento, toda a
vossa cultura, o vosso intercâmbio, a vossa conduta sobre essa ilusão, não
chegareis a compreender a Verdade, não vivereis na completude. Apenas sereis
colhidos pela ilusão de separatividade a qual é a causa da tristeza, porém, tão
logo como verificais a causa, começais a alterar vosso ponto de vista e,
portanto, a vossa conduta e a vossa civilização.
Krishnamurti, 30 de julho de 1931