Um ato verdadeiro, na vida, nasce
do pensamento refletido e equilibrado e da completa simplicidade da mente e do
coração isentos de egoísmo. Se meramente tentardes obter o entendimento pelo
repetir minhas frases, somente criareis em vós próprios a confusão. Minhas
palavras se tornarão em pó se não compreenderdes o verdadeiro significado que
elas tentam transmitir. Isto não pode ser aprendido em livros, nem tampouco a
compreensão vos advirá da muita erudição. Não vos é possível compreender a vida
por meio de um livro nem por meio de teorias, frases e crenças. Peço-vos que
não interpreteis isto como significando que eu seja contra o estudo e a
colheita de conhecimento. O verdadeiro entendimento da vida pode somente provir
da ação, pois que a ação é conduta e é trabalho. O homem só pode realizar a
Verdade, a imortalidade por meio de seu contínuo esforço e seleção e não pelas
suas fantasias e peculiaridades.
Sustento eu que no próprio homem
é que está a Realidade última e pelo seu próprio esforço, conduta e trabalho é
que a Realidade última, a própria Vida, é realizada. Esta completude não existe
fora dele e sim nele; e no buscar esta completude, eis como ele resolverá os
inúmeros problemas sociais que o defrontam. Ele só compreenderá o significado
do conflito e da tristeza, da dor e do prazer, por meio de seu próprio
trabalho, de sua luta e de sua ilusão.
A Verdade, em si mesma, é
completa em todos os instantes e, portanto, acha-se para além das divisões do
tempo. Não pode ser realizada pela renúncia ou sacrifícios, pelo evitar os
conflitos ou ainda, pelo postergar dos esforços no que diz respeito ao
presente. O homem pode chegar a esta realização pela compreensão da luta e da
tristeza, da alegria e da dor, sejam quais forem as circunstâncias que o
rodeiam, o seu ambiente; pois através destas coisas, que representam o
transitório, encontra-se o eterno, o último. Pelo fato de dentro
dele próprio estar a completude, a Verdade, não pode o homem realiza-la por
intermédio de outrem, por grande, por magnífico, por glorioso que seja esse
outrem. Enquanto ele próprio se conservar na esperança de compreender
por intermédio de outrem, esse outrem lhe constituirá uma pedra de tropeço. Enquanto tiver
a outrem como autoridade ou as palavras de outrem como uma crença, nem sequer
para ele existirá a possibilidade de perceber a Verdade ou a Felicidade.
Por esse modo, apenas estará se emaranhando a si mesmo na teia da confusão. A
Verdade está livre de toda a particularidade, de toda a individualidade e,
portanto, somente pode ser realizada em sua completude, pela liberdade da
eu-consciência.
Não podeis chegar ao entendimento
da Verdade por intermédio de nenhum sistema instituído pelo pensar nem por meio
de nenhuma autoridade. A harmonia do pensamento e da ação exige um constante
ajuste em direção à liberdade da inconsciência. Se buscardes vos ajustar a uma
autoridade qualquer, a pensamentos sistematizados, somente estareis imitando a outrem
e, por meio da
imitação não vos é possível realizar a Verdade. O entendimento vem pelo esforço, no alcançar o pleno significado
de uma experiência, a qual pertence sempre ao presente. As ideias
sistematizadas de religião e as instituições espirituais retém o homem em suas
estreitas gaiolas. O que é essencial para a realização é o vosso próprio
esforço no sentido de ficardes livre de todas as gaiolas, gaiolas que exigem de
vós imitação de um padrão antes do que a busca do entendimento por meio da experiência
na tristeza, no prazer, na luta. Somente esse esforço pode criar em vós essa
inteligência que é a capacidade de ajustar vossas ações à liberdade da
eu-consciência. Só por meio da inteligência pode a mente ser tornada perfeita,
isto é, liberta de toda a ilusão de individualidade, a qual é ignorância.
A realização da completude, que
vem a ser a coroa da imortalidade, não está no futuro. O tempo é duração para o
progresso. Vós desejais ver continuada a vossa existência particular e apegai-vos
a essa ideia da individualidade; portanto, criais o tempo para o progresso,
para a auto-expansão gloriosa. Para a mente liberta da individualidade, o tempo
é uma ilusão. Por meio da ação, que é conduta e trabalho no presente, sem
motivos criados pela eu-consciência, podeis dissipar a ilusão de tempo. Deveis
libertar vossa inteligência de todo o sentimento de individualidade por meio da
ação meramente, não pela meditação. A meditação nada mais é que a concentração
da ação no pensamento, porém tem que dar-se a expressão desse pensamento em
nossa vida.
Repito que a Realidade última
está isenta de qualquer qualidades, as qualidades pertencem somente à
individualidade, à eu-consciência. Enquanto andardes à cata da virtude, jamais
entendereis aquilo que é infinito, pois que a virtude pertence ao infinito.
Enquanto estiverdes colhidos na diferenciação e nas distinções dos opostos,
continuareis no finito, na limitação da eu-consciência, da individualidade, de Maya. Se desejardes compreender essa
Realidade última que é infinita, que pode ser realizada pelo homem, tendes que
vos libertar até mesmo da ideia do atingimento, do crescimento em direção a
qualquer coisa, de vos tornardes gloriosos, de vos tornardes perfeitos por meio
do acúmulo de virtude. Na tentativa para compreender a Vida, não mais e pode estar
escravizado pelos opostos. Por favor, compreendei — isto não quer dizer que vos
deveis tornar licenciosos ou irresponsáveis; significa que no constante esforço
para vos libertardes dos opostos, ireis libertando a vossa mente de toda a
individualidade. Daí, vossa mente tornar-se-á esquisitamente plástica e só uma
mente assim pode compreender a Verdade.
A maioria das pessoas aceitaram
um padrão em face do qual pautam a sua conduta. Como disse, não podereis
compreender a vida se estiverdes limitados por um padrão. Meu ponto de vista é o de que a Verdade pode
ser realizada pelo homem seja qual for a situação na vida, desde que aplique
seu pensamento e desejo a libertar-se de toda a particularidade do eu.
Esta realização não constitui um privilégio especial daqueles que a si próprios
tem como eleitos galardoados com oportunidades especiais.
Vós sois crentes ou descrente:
crentes, pela imitação, pelo culto, pela autoridade de vós próprios através do
tempo; ou então sois descrentes, baseando vossa conduta na descrença cientifica
do aniquilamento após a morte, naquilo que se denomina materialismo. Neste
caso, tanto o crente como o descrente, tanto o homem do espírito como o homem
da matéria, estão ambos, sob meu ponto de vista, empolgados pelas suas próprias
ilusões.
Podeis dizer que necessitais de
uma vida reta, ou então que não necessitais de crença alguma. Porém, em
qualquer dos casos, apegai-vos a vossa individualidade, a qual não vos pode
proporcionar a compreensão de experiência alguma, nem o verdadeiro entendimento
da vida. Tendes que vos libertar de todos os intuitos ou incentivos antes que a
compreensão possa ser obtida, pois que eles criam e são criados pelo medo, pelo
eu.
Repito, os homens criam divisões
entre matéria e espírito; uns, buscam o espírito longe da matéria, outros dizem
que somente a matéria existe. Há, desta maneira, o mundo do além e este mundo.
Para mim, tal divisão é criação da eu-consciência, a qual deve a sua existência
aos opostos. Matéria é espírito e espírito é matéria. Para a mente perfeita,
isto é, liberta da eu-consciência, todas as coisas são reais; não existe maya, ilusão. O que cria ilusão, o que
cria maya, é a limitação da mente na
eu-consciência, a qual impede o pleno entendimento de toda a experiência. Portanto,
para perceber esta Realidade última, não podeis ignorar a este mundo e busca-la
num outro, ou ignorar o outro e busca-la neste, tendes que possuir um delicado equilíbrio
na ação, o único que vos pode proporcionar a medida dos valores essenciais na
vida, seja do homem, seja das coisas. Quando compreenderdes o valor essencial,
não mais haverá renuncia nem sacrifício.
A busca de múltiplas experiências
não proporciona, necessariamente, a justa compreensão dada por uma experiência
única. Não vos é possível por meio do mero acumulo de incidentes e
experiências, chegar à realização da Verdade. Este acumulo somente cria o
hábito de pensar ou da conduta; porém, uma experiência única, proporcionar-vos-á
a riqueza da compreensão, se vossa mente estiver desperta e livre de
particularidades, de dogmas, de credos e de opostos, e se estiverdes buscando
ardentemente libertar a vossa eu-consciência
O homem busca a felicidade por
meio da posse de muitos bens. A felicidade não pode ser encontrada por meio do
apego aos bens, ainda que o homem a si próprio tente iludir pelo transitório prazer
oriundo do poder e do conforto que essas coisas trazem. Na busca da verdade,
que é a felicidade que todos procuram, não podeis andar sobrecarregados pelo
desejo dos bens sem ser joguete da sensação. O homem que busca o entendimento,
poucas necessidades terá e a estas, mesmo, não ficará apegado. O minimum que exige, representa a
solicitação do desejo, é a resultante do completo desprendimento. Para tal
homem, esse minimum de necessidades
nada mais é que um incidente natural da vida.
Alguns de vós hão de dizer que o
que estou afirmando, não é mais que aniquilamento, nadidade. Quando a mente se torna perfeita pele inteligência,
liberta da individualidade, uma mente tal não pode ser nadidade. Em mente assim
não mais existe o perceptor e o percebido, o cativeiro dos opostos.
Portanto, senhores, com uma tal
concepção da vida podereis verificar se é possível compreender todos os
problemas da vida e se essa compreensão será a Realidade sem caminhos.
Krishnamurti em Oak Grove, Ojai,
17 de janeiro de 1932