Pergunta: Eu não vos compreendo. Vossas palavras não criam em mim o entendimento.
Acho-me confuso pelas vossas contradições, pelas vossas negativas e afirmações.
Porém, encantais-me por meio de um sentimento da Realidade. Estarei eu
simplesmente enamorado de vós ou haveis despertado em mim o entendimento?
Krishnamurti: As palavras
podem tornar-se nada mais que uma gaiola e, se pretenderdes obter o significado
daquilo que digo, necessitais olhar através da ilusão das palavras. É muito
difícil, para mim, o transmitir por meio de palavras aquilo que tenho em vista
descrever-vos, por isso uso diferentes agrupamentos de palavras, agregados de
frases diferentes, que podem vos parecer contraditórias; se, porém, as
examinardes atentamente, haveis de verificar que todas elas têm relação com a
Realidade fundamental. Minha dificuldade está em apresentar essa fundamental
Realidade, conservá-la nítida, não cobri-la de palavras. As palavras, é que
criam desentendimentos e, eis porque, eu pareço contradizer-me a mim mesmo,
negar e afirmar.
O descontentamento é essencial,
porém mais importante é a inteligência. Se possuirdes inteligência, estareis
descontentes, porém o simples descontentamento não vos conduzirá à Verdade, nem
vos proporcionará inteligência. Muita gente no mundo se acha descontente só
pelo fato de seus vizinhos possuírem melhores automóveis, melhores roupas, mais
terras, mais títulos, maiores bens. Esta espécie de descontentamento, não vos
conduzirá à inteligência. O que vos proporciona a inteligência é analisar,
observar, compreender e colocar esse entendimento em prática na vida. O
verdadeiro descontentamento vem da inteligência e inteligência é seleção. O
contínuo apercebimento é inteligência e o apercebimento proporciona a
capacidade de escolher o que é e o que não é essencial, pois esta luta
representa esforço. Se vos mantiverdes apercebidos, vigilantes, diligentes,
então compreendereis sem esforço algum, sem conflito, e por meio desse
entendimento libertareis aquilo que é fundamental, essencial. O descontentamento
é necessário, porém a inteligência é essencial: e não podeis ser inteligentes
se a vossa mente estiver sobrecarregada de dogmas, de teorias, de crenças, de
tradições e do que os outros dizem, com o que os outros pensam. Portanto,
libertai-vos a vós próprios de todas essas coisas.
O estardes enamorado de mim, não
é coisa que vos proporcione o entendimento da Realidade. Isto não vos libertará
de vosso cativeiro. O que vos há de libertar do cativeiro é a vossa própria
escolha, o vosso discernimento sobre as vossas mesquinhas vaidades, as vossas
futilidades, as vossas opiniões e ideias.
O desejo de obter, de adquirir
coisas, é fatal para a realização. Quando a mente estiver liberta de todo o
sentimento de atingir sem motivo algum, límpida, então estareis começando a
realizar; porém, para isto fazerdes, tendes que começar a escolher, a
discernir.
Krishnamurti, 3 de agosto de 1931