Pergunta: De tudo que haveis dito, vejo que nada tendes de oferecer a
um faminto que busca alimento; quero dizer alimento, não espiritual; vós
tendes, talvez pelo hábito da compaixão, a simpatia para com os pobres, porém
não haveis modificado o coração do homem que se acha imerso nas riquezas. Há
algumas pessoas ricas ao redor de vós, seguramente, obrigados pelos sistemas,
elas reduzem milhares de outras pessoas à pobreza e a ruína da saúde, e bem
assim a degradação do coração e da mente, para por esse modo acumularem essas
riquezas. Pessoas como estas podem sentir “simpatia pelos pobres”, e dar suas
migalhas aos famintos, porém por esse processo somente aumentam sua vaidade e
fazem exibição de sua importância pessoal a custa do respeito por si mesmos
inerente ao homem.
Falais de exploração com aborrecimento e, no entanto, tolerais a
exploração. Como podeis falar de uma Realidade última pela qual, dizeis,
pautais vossa conduta e, apesar disso, sorris aos que esmagam e aos que são
esmagados, com igual compostura, e viveis em Paz?
Krishnamurti: Um sistema foi
estabelecido durante muitos séculos, em virtude do qual o indivíduo tem
descambado, em que o seu egoísmo tem sido o senhor único, acobertado por uma
grande quantidade de ideais, tais como o desejo de auxiliar, o de servir; de
fato, porém, ele só tem expressado o
interesse que nutre por si mesmo. Muitos anos serão necessários para
modificar este sistema; se, porém, as pessoas não tiverem limpado os seus
próprios corações do egoísmo, criarão outro sistema, o qual será, ainda baseado
no egoísmo. Pela ideia de que não deve haver egoísmo no trabalho cooperativo, é
com este desejo que devemos alterar as condições sociais. Sei que isto levará
tempo, não podemos alterar num único dia, seja o que for que tenha levado
séculos a firmar-se. Em vossa busca pela Verdade, sede um perigo para tudo
quanto esteja baseado no egoísmo, na exploração, quer seja ela espiritual ou econômica.
Não posso alimentar a todas as
pessoas famintas do mundo; posso, porém, mostrar-vos a maneira pela qual podeis
compreender este problema, de modo a, como indivíduo, poderdes sair a trabalhar
coletivamente para destruir esse sistema baseado no egoísmo, e não mais serdes
indivíduos que desejam expressar seu egoísmo pelo trabalho coletivo. Por favor,
compreendei esta distinção. No trabalho coletivo, como é natural, tem que haver
autoridade; não pode havê-la entretanto, na realização da Verdade.
Para isto fazerdes, tendes que
possuir mente clara e não estar sobrecarregados por ideais baseados num egoísmo
sutil. Já expliquei cuidadosamente como encaro tais ideais. Os ideais, desde
que se constituam em motivos para vos conduzir a uma vida perfeita, são
baseados sobre o egoísmo, sobre a presunção de vossa própria importância.
Para mim, o que é de importância
é a busca pela Verdade e a concentração dessa energia que produz a paz, que não
se altera, que não se corrompe, que não está ao mando, seja do rico, seja do
pobre. Se me disserdes que alguns de vossos amigos ricos não compreendem isto
de que vos falo, deve ser porque tal não se preocupam. Vós, porém, desejais que
eu julgue, que eu indague quem busca e quem não busca a Verdade. Falo contra o
egoísmo, seja ele do rico, seja do pobre. Não tomeis em consideração a riqueza
ou a pobreza; tomai em consideração a vós mesmos, que sois ricos e pobres e que
pelo fato de desejardes qualquer coisa que não tendes, vos apegais a algo que
possuis e tendes medo de perder. Por favor, tomais em conta a vós próprios e
não ao vosso próximo: isto é, averiguai se sois egoístas, se estais explorando
os outros, se ansiais por títulos, por distinções, pelos graus, pelas vaidades
e pelos bens. Libertai a vós mesmos de todas essas coisas; não tenteis
enganar-vos dizendo: “Estou executando o trabalho do mundo, estou trabalhando
para ter mais dinheiro afim de o dar aos outros. Olhai para vós mesmos e, no
processo de destruir o vosso próprio egoísmo, vosso próprio apego, vossa
própria importância pessoal, vossas vaidades, chegareis a banir as coisas que
acrescentam e ampliam a vaidade dos homens.
Sei ser isto um grande problema,
porém somente o podereis resolver de maneira muito simples. Essa maneira
simples está em vós mesmos. Podeis a vós próprios modificar, agora, e assim
ajudareis a derrubar esta civilização baseada na exploração. Não se trata de
simpatia, de compaixão ou de sentimentalidade, é uma questão de senso comum
vulgar. Pelo fato de pensardes que os bens, as vaidades, os títulos, os
uniformes, o mando, a pompa, o poder, são as maiores conquistas do mundo, é que
criais estes males ao redor de vós. Ainda que a vós próprios tenhais por
filantropos e façais a tentativa de organizar o bem estar do mundo, vossas boas
obras estarão rodeadas pelo ego e seus interesses. Eu pretendo mostrar-vos que,
no trabalho que é coletivo, o egoísmo do indivíduo somente pode produzir o
caos, a confusão e o interesse entorpecente. Se não compreenderdes, haveis de
produzir a destruição no trabalho coletivo, pela importância pessoal e o
interesse centralizado em vós mesmos.
Tende, portanto, em vista, a vós
próprios, limpai vossas mentes e vossos corações deste desejo corrupto de
posses, de poder e bem assim de todos os temores. Por favor, compreendei isto,
que pela mudança de sistema não vos é dado esperar alimentar o mundo inteiro, a
não ser que o egoísmo seja em absoluto desarraigado do trabalho coletivo para o
todo. Para este não podereis trazer vossas estranhas ideias de egoísmo, todas
belamente cobertas de filantropia, retidão e serviço aos homens. Na busca da
Verdade, que constitui o verdadeiro serviço do homem, não pode haver auto-decepções
e hipocrisias. Na busca da Verdade, a preocupação imediata do homem, não é a do
egoísmo do seu vizinho, porém, a de como se libertar de sua própria autoconsciência,
de seu próprio egoísmo.
Krishnamurti, 3 de agosto de 1931