Pergunta: Vós me pareceis tão perfeito e alguns de vossos amigos tão
odiosos! Parece que quando venho para ter contato convosco e viver em vossa
luz, tenho que suportá-los. Sua presença me é um mal para o coração e para a
alma. Dizeis que não tendes intermediários. Porque, então, não afastais os
vossos amigos que me afastam de vós?
Krishnamurti: Para mim,
vossa ideia de amizade, é errônea. Um homem cuja mente e coração estejam
fechados, somente pode tê-los abertos pelo amor dedicado a poucos; tal homem
necessita de amigos, pois que neles repousa para seu conforto, consolo e satisfação.
Eu não anseio pela posse de amigos, pois que em mim nada guardo de especial
para alguns poucos, contrapondo-me aos restantes.
Vós não vindes aqui, se me é
permitido dize-lo, para vos ocupardes da opinião, da conduta e da compreensão
daqueles que julgais meus amigos. Porque vos preocupais com os outros, mesmo
pensando que eles são meus amigos? Exigis que aqueles que me rodeiam se
conformem aos vossos desejos e se o não fizerem sentir-vos-eis feridos. Quando
pedirdes admiração, privilégios, bondade, nada mais fareis que fortificar vossa
incompletude. Sede completos em vós mesmos e não mais pedireis gentileza, ou
rudeza por parte dos outros no que diz respeito a vós. Se realmente buscardes a
completude, não mais repousareis em outrem; se, porém, o fizerdes,
sentir-vos-eis feridos por amigos. “Porque não afastais vossos amigos que me
mantêm afastado de vós?” Temo que para isso tivesse necessidade de ir com quem
fez a pergunta para uma ilha secreta.
Esta pergunta traz à tona
inúmeros pontos. Serei perfeitamente franco, se isto não vos desagrada.
Supondes estar aqui em busca da Verdade; esta é, na realidade, vossa intenção
ao virdes aqui gastando vossa energia, vosso dinheiro e sacrificando vossas conveniências.
Se, realmente, estais à busca da verdade, não devereis importar com estes
pequenos detalhes, amigos, inconveniências. Se, porém, vos sentirdes
perturbados por estas coisas ou vencidos por elas, isto prova que estais ainda
à mercê de outrem. Quando estiverdes apenas buscando o essencial, para o qual
aqui viestes, então o ambiente, ainda que vos possa servir de auxílio, os
amigos, posto que eles vos ajudem ou embaracem segundo os casos, não terão importância
alguma. Não se trata de amigos meus ou de vossos. Não vos incomodeis por causa
dos amigos; porém, antes, considerai se realmente estais a buscar aquilo que
perante vós exponho. Se assim não for, então todas essas coisas vos perturbarão
e haveis de dizer: “Não posso procurar a Verdade no Acampamento; as pessoas não
me ajudam”. Estais aqui para buscardes compreensão e esta não vos pode ser dada
por mim ou pelos amigos. Sois vós próprios que tem de realiza-la e, para isto
conseguirdes, não vos deixeis embaraçar pelas coisas superficiais. A todo o
instante estais procurando alguma coisa: melhor alimento, melhores tendas, mas
água quente, mas água fria. E se estas coisas não vos forem dadas, ficais
aborrecidos, fazeis inúmeras queixas e vossa vida comum tomará tal vulto,
ficará tão fora das justas proporções, que vos esqueceis de porque estais aqui.
Se aqui estais primordialmente para buscar a Verdade, não vos podeis sentir
feridos pelas pessoas que vos rodeiam, ou por certas regras ou regulamentos.
Conservai vossa integral energia, ao menos por dez dias, para aplica-a a
compreender, para atingir, para lutar convosco próprios. Não são os meus amigos
que mantêm o inquiridor afastado de mim, e sim ele próprio.
Krishnamurti, 3 de agosto de 1931