Tenho dado acentuação ao ego o
qual é um fato, porém uma ilusão. Na mente da maioria das pessoas há a ideia da
salvação pessoal, por disfarçada que esta seja. Ora, a Verdade não se realiza
por meio de anseios da personalidade, por maravilhosa, por gloriosa, por
expandida que esta esteja. Para mim não existe tal salvação pessoal. A realização
da Verdade não pode ser confundida com a personalidade. As duas coisas são antagônicas,
uma apaga a outra. Porém, toda a vossa atitude perante a vida se baseia sobre a
ideia da personalidade. As perguntas que me fazeis — “encontrarei meu irmão
quando morrer?”, “Existirá um plano superior?”, “Minha alma viverá para sempre?”
— estas perguntas surgem de um pensamento único: “Que é que fica consciente quando
o “eu” é removido?” A consciência pertence ao ego e, quando vos libertardes dessa
consciência, existirá uma Realidade liberta da eu-consciência. Pelas perguntas
que me haveis feito, sei que não compreendeis isto; estais fazendo disto uma
coisa sentimental, emocional, irracional.
A autoconsciência pertence sempre
ao ego, à personalidade, à individualidade. Precisais vos conhecer a vós
próprios integral, plena, conscientemente; não por examinar o passado, porém por serdes
plenamente conscientes no presente. Pela vossa concentração no presente, estareis dissipando essa
autoconsciência. Portanto, enquanto existir desejo de continuação
pessoal ou de salvação, não pode haver plena realização da Verdade. Podeis dela
ter um vislumbre; eu, porém, não falo de passageiros lampejos, e sim da
permanência, a única na qual pode existir felicidade. A realização última
encontra-se por meio da expansão plena da chama da autoconsciência, e não por evitá-la.
Portanto, deve a mente tornar-se plenamente consciente de si própria. Precisais
saber no que estais pensando e porque pensais. Para possuir clareza de
entendimento, necessita a mente de estar liberta, não aprisionada pela ação e
ontem; portanto, tem que dar-se um continuo desapego no que se refere ao
passado. Isto significa uma escolha continua. A escolha, então, torna-se ação e
a ação é conduta. Esta conduta, esta ação, baseia-se, por sua vez, na
autoconsciência. Não podeis ter verdadeira conduta baseada sobre a
individualidade; pois que, para mim, a individualidade, posto que seja um fato,
é uma ilusão e não vos é possível basear vossas ações sobre uma ilusão. Para
mim, a ação, a conduta, deve ser baseada, não na reação entre indivíduos, porém
na relação existente entre a realidade última e o indivíduo; pois que a
Realidade única, só ela é de valor
permanente, o único padrão verdadeiro. A individualidade implica sua
própria continuidade e se baseardes sobre estas as vossas ações, haverá
conflito e caos no mundo. Se, porém, o indivíduo pautar seu pensamento, sua
emoção, suas ações por esta Realidade última, que tão somente existe nele
próprio, então sua conduta trará harmonia ao mundo, e não caos. Portanto, sua
conduta deve estar isenta por completo de todos os anseios pessoais, seus
desejos e esperanças. A ação baseada na continuação da individualidade, liga
sempre. É isto que eu denomino Karma — deixai o passado em paz. Se eu basear
minha ação na continuidade da individualidade, isto é, no egoísmo, no interesse
pelo presente, a ação por mais apurada que seja, por sutil que se apresente,
liga sempre. Esta ação, inevitavelmente, vos trará infelicidade. No meu modo de
ver, não há futuro para o ego. O que o homem tem como futuro para o ego, nada
mais é que o reflexo do passado. O futuro, como eternidade, não pode existir
para o ego. Portanto, se baseardes vossa conduta, vossa ação, toda a vossa
estrutura mental, vossa civilização, sobre esse ego, sereis colhidos por esse
reflexo vindo do passado e pensareis estar progredindo, ao passo que somente
estareis movendo-vos dentro de um mesmo circulo, o circulo da autoconsciência,
da ilusão que amarra. Se, porém, vossa conduta for baseada na Realidade última,
nessa conduta haverá o elemento eterno, esse que não varia para acomodar-se a
gostos e desgostos.
Em virtude de leis externamente
consideradas, a ideia de progresso controla e exagera o ser, o ego. Como,
porém, já expliquei, o ego não tem futuro; portanto, não pode progredir. Se
pensais que a realização pode vir a ter lugar por meio do progresso, apenas
estareis exagerando uma ilusão.
O termo último, portanto, é essa
completude na qual não existe separação nem unidade. Esta completude não está
sujeita ao tempo; não é, portanto, uma duração, e sim um vir a ser isento de
tempo. Isto é imortalidade, não de indivíduos, porém da própria Verdade. Está
para além de toda a orientação. Não existe ação que a ela conduza; pois que, se
encarardes a vida sob o ponto de vista da ação conducente à Verdade, sereis
colhidos pela ação. Se disserdes: “Comportar-me-ei com retidão, depois que
realizar a Verdade”, criareis um motivo e este motivo vos aprisionará; criareis
assim um ideal que vos amarrará. Portanto, a ideia de ação como motivo conducente
à Verdade última, é falsa. Se buscardes a Verdade, a ação reta seguir-se-á. O
movimentar-me na direção da completude
é coisa já ultrapassada e existe a tranquilidade da busca.
Quando tiverdes uma orientação,
um ideal, um motivo, haverá conflito, portanto, fadiga, esforço. Assim, o
motivo tem que desaparecer por completo, pois a Verdade não pode ser realizada
por meio de incentivos os quais apenas exageram vossa eu-consciência, vosso
ego.
Essa Realidade última que é
felicidade, não obedece à orientação, nem ao tempo, nem ao nascimento ou à
morte, porém sim a um renascer sem morte. Esta completude não conhece divisão,
nem unidade, nela todas as coisas existem, ela é tranquilidade, é vida, é
intuição elevada ao seu mais alto grau. Essa Realidade última existe em todos,
posto que seja apenas como a ponta de um alfinete, que é o universo.
É por meio da chama da
autoconsciência, que nos chega este perfume que é eterno; e quando trazeis isto
para a vossa conduta, vossos apegos, vossos desapegos, tudo desaparece. Tornai-vos, portanto, conscientes, vivei constantemente
no presente, continuamente ajustando vossas ações no presente a essa Realidade
ultima.
Por meio desta chama de
autoconsciência realiza-se a tranquilidade da mente, através da qual somente podereis
realizar a felicidade que provém da harmonia.
Krishnamurti, 3 de agosto de 1931