Pergunta: Dizeis em vosso livro, O Canto da Vida: “Tornei a criar a mim
mesmo segundo a Verdade”. Isto é, seguramente, a proclamação de um deus, não a
de um ser humano. Para mim, vós sois ainda humano, não um deus. Não podeis nem
manter nem mantendes a perfeição durante as vinte e quatro horas do dia, na
ação que externa pela conduta. Por favor, não me digais: “Como o podeis saber
se não conviveis comigo as vinte e quatro horas do dia?” De que servem aos
pesquisadores vossas afirmações e proclamações? Não serão elas meras ondas que
se quebram contra a rocha da vida manifestada? Porque faze-los?
Krishnamurti: Quando me
servi das palavras “voltei a criar a mim mesmo”, por esses termos entendi dizer
que percebi o que era a Realidade última, e então toda a minha atitude em face
da vida mudou. Eu recriei, reorientei minha vida ao libertar-me da
autoconsciência. Não pretendo ser um deus. Para mim, a meta da vida, é ser completo, portanto, supremamente humano. Existe essa coisa
a que se chama Realidade última e que o homem pode realizar; e eu, homem, ser
humano, a realizei. Sustento que
todos os homens podem atingi-la, todos os que realmente estejam procurando, podem realiza-la.
Temos uma concepção errônea da
ação e da conduta. Para mim, a ação não deve brotar do egoísmo. É a isso que eu
denomino ação pura. Minha ação, minha conduta, não se encontram baseadas na eu-consciência,
isto é, na exploração, na cobiça, na inveja, nos bens, na vaidade, na pompa e
em tudo mais á persistir. É esta a verdadeira e única ação. Eu não posso manter
a mesma energia física durante as vinte e quatro horas do dia e vós imaginais
que a conduta deve ser baseada na energia. Quando nos sentimos repousados e
refrescados pela energia, somos de humor agradável. Quando, porém, a ação se
baseia na eu-consciência, é ela portando de fruto do egoísmo; e quando tal não
acontecer, a ação não mais ligará. Sei que a minha conduta não se baseia na
eu-consciência, isto é, nada peço a ninguém, a salvadores, a ideais, a amigos
ou a bens. Minha conduta, isto é, minha mente, não evolui, não cresce, nem tira
sua manutenção da eu-consciência. Quando a mente e o coração estão puros, límpidos, incorruptíveis,
a ação é isenta de egoísmo. Eu vos peço banir de vossas mentes, todo o
sentimento de autoridade no que a mim concerne, todo o sentido de atingimento
ou da qualidade e um deus. Para mim, a completude existe no homem e quando a
realizardes sereis o ser humano supremo e não qualquer deus místico,
extraordinário, misterioso.
Krishnamurti, 3 de agosto de 1931