A MENTE É O "EU"
PERGUNTA: Qual a relação entre mim e a minha mente?
KRISHNAMURTI: Ora, senhores, examinemos esta questão de modo que vós e eu experimentemos diretamente o que se está dizendo. Isto é um processo de meditação, e sem meditação não há sabedoria. A sabedoria nasce com o autoconhecimento. Quando conheço a mim mesmo tal como sou — e não de acordo com o que outros instrutores disseram, ou outra pessoa qualquer disse — quando sei o que sou, momento por momento, isto é autoconhecimento; e esse autoconhecimento só pode nascer pela meditação. Meditação é estar apercebido de todos os conflitos, no espelho das minhas atividades, das minhas relações, dos meus estados. Investiguemos, pois, esta questão: a relação que há entre mim e a minha mente.
A mente difere de mim? Eu sou diferente, o observador, o pensador, é diferente do pensamento? Compreendeis, senhores?
Digo “Eu penso”. O pensamento é diverso da entidade que diz “estou pensando”? Dizemos que as duas coisas são separadas, que o “eu” pensa ser diferente do pensamento. Presumimos que o “eu” vem em primeiro lugar; o “eu”, o “ego” é o pensador; primeiro este, depois o pensamento, a mente. Separamos, pois, o “eu” e a mente. Mas, isto é um fato? Podeis dividi-lo, mas, na realidade, o “eu”, o pensador, difere da consciência que diz que pensa, que existe? Pode-se retirar as qualidades do diamante e dizer que o restante é diamante? O “eu” tem muitas qualidades, muitas memórias, muitas atividades, experiências, temores, frustrações, que são, todas elas, produto da mente, não é verdade? Retirem-se todas as vossas qualidades — existe então “vós”? A mente é o “eu”. Pensa a mente que há o “eu superior” o Atman, Paramatman — cada vez mais alto — mas isso, não obstante, é coisa que a mente “projeta”; a mente se dividiu em “eu” e “pensamento”.
Afinal, que é a mente? A mente, por certo, é tanto o consciente como o inconsciente. O mar não é só a superfície das águas, que se vê brilhar ao sol, cheio de vida; é toda a profundidade das águas que faz o mar. Identicamente, a nossa mente é todo o conteúdo, quer estejamos apercebidos dele, quer não. Está a mente tão ocupada, tão cheia de atividades e problemas, que nunca tem tempo para indagar, investigar, descobrir, “pescar” no inconsciente. Sabemos o que é o inconsciente; ele é muito simples. Nossos “motivos”, nosso saber acumulado, nossa coleção de experiências e temores, esperanças, ânsias, frustrações — tudo isso é a nossa consciência; o desejo de Deus e a criação de Deus — tudo isso é a consciência. Assim, pois, a separação do “eu” e da mente não corresponde a nenhuma realidade.
Por favor, vede bem isso, compreendei-o. A totalidade da consciência é o “eu” — o “eu” que tem um emprego; o “eu” que tem mulher, que tem marido; o “eu” que é invejoso, ambicioso, ávido; o “eu” que avalia; o “eu” que tem uma tradição; o “eu” que quer achar a Realidade, Deus; o “eu” que é trivial, ambicioso — tudo isso é a mente, tudo isso é a consciência. Essa consciência — podeis guindá-la às maiores alturas, chamá-la atman, paramatman, ou seja o que for — essa consciência é sempre produto do tempo, é sempre a consciência. Ora, com essa consciência, desejais encontrar algo situado além dos limites da mente; mas nunca encontrareis esse algo.
Podeis ter tranquilidade, ocasionalmente, quando a consciência total está tranquila, de alto a baixo; e podeis sonhar com algo inimaginável, imensurável, porque no sonho a vossa mente, a vossa consciência, pode por acaso estar quieta. Mas, quando se está cônscio de todo esse mecanismo, sem se fazer escolha, quebra-se esse padrão de consciência e pode-se então perceber uma placidez real na totalidade da consciência. Isso é algo que está muito além dos limites da mente. Mas o querer-se alcançar o que está além dos limites da mente, nenhuma significação tem. O que eu digo ou o que outro diz nada significa. Significativo é que se tenha o percebimento completo dessa consciência e de todas as suas numerosas camadas. Esse percebimento não pode ser aprendido pela análise; a coisa pode ser conhecida, totalmente, pela observação. Conhecer o mecanismo integral da mente — todas as suas inclinações, “motivos”, propósitos, seus talentos, suas exigências, seus temores, frustrações e êxitos felizes — conhecer todas essas coisas significa estar tranquilo e não permitir que elas atuem. Só então pode manifestar-se o que se acha além da mente. E essa coisa só pode manifestar-se quando não é chamada; só pode manifestar-se quando não é procurada. Como a nossa busca se origina da frustração, a mente que busca, nunca achará. Só a mente que compreende o mecanismo total, pode receber as bênçãos do Real.
Krishnamurti, Oitava Conferência em Bombaim
03 de março de 1954, As ilusões da Mente