Compreendendo as tendências mentais
PERGUNTA: Vós nos estais ajudando a compreender o funcionamento de nossa mente e a perceber como estamos vivendo ininteligentemente; mas numa sociedade industrializada, é possível pôr em prática o que pregais?
KRISHNAMURTI: Senhor, o que eu digo não pode ser praticado, porque nada há que praticar. Assim que uma pessoa começa a praticar uma coisa, sua mente se prende a essa prática, tornando-se assim embotada, estúpida. A prática gera o hábito, e o hábito, quer seja bom, quer seja mau, é sempre hábito. E a mente que é apenas o instrumento de um hábito, não é uma mente sensível; é uma mente incapaz de penetração, investigação, busca profunda. No entanto, vossa tradição e vossa educação consistem em praticar, praticar, praticar, e isso significa que o que vos interessa não é ajudar a mente a ser sensível, profunda, flexível, mas só fazê-la aprender alguns artifícios, para viverdes sem ser perturbados. Se alguém vos oferece um método que vos tornará capaz de viver livre de perturbações, começais a praticar esse método e, praticando-o, estais pondo vossa mente a dormir. Mas, de certo, a mente que está sempre vigilante, sempre desperta e investigando, não necessita de prática alguma.
E, que dizemos nós? Dizemos que, a menos que compreendais a vós mesmo, qualquer sociedade, industrializada ou não, destruir-vos-á — e de fato estais sendo destruído, esmagado, convertido num ente sem capacidade criadora. A menos que compreendais todo o conteúdo de vosso ser — os "motivos", os impulsos, as tendências de vossos pensamentos; a menos que conheçais toda a substância e toda a profundeza de vossa mente, vos tornareis a pouco e pouco uma máquina como as outras — e isso, de fato, é o que está acontecendo. Lenta e irremissivelmente, estais sendo convertidos em máquinas — máquinas de fabricar problemas.
Assim, pois, o que importa é que compreendais a vós mesmo, as tendências da vossa mente — mas não pela introspecção ou pela análise, praticada por um analista ou por vós mesmo, nem pela leitura de livros que tratam da mente. As tendências da mente devem ser compreendidas nas nossas relações do dia a dia, e isso significa percebermos sem desfigurações o que realmente estamos fazendo, assim como vemos o nosso rosto num espelho. Mas destruímos a compreensão do que somos, no mesmo instante em que comparamos ou condenamos, rejeitamos ou aceitamos. É só pelo simples percebimento de o que é que a mente pode libertar-se; e é só quando existe liberdade que é possível manifestar-se o que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes.
Senhores, quando um indivíduo começa a compreender a si mesmo, esse mesmo começo e o momento da libertação; e é por isso que tanto importa não ter guru nenhum, e não atribuir autoridade a livro algum — porque vós mesmo é que criais a autoridade, o poder, a posição. O mais importante é que compreendais a vós mesmo. Podeis dizer: "Ora, isso já foi dito antes; muitos instrutores já o disseram"; mas o fato é que não conhecemos a nós mesmos. Ao começardes a descobrir a verdade a respeito de vós mesmo, apresenta-se algo que é totalmente novo, e esta qualidade de novo só pode tornar-se existente pelo autodescobrimento, momento por momento. No descobrir não há continuidade; tudo o que já se descobriu tem de ser abandonado, para se tornar a encontrar de novo. Se a mente fizer isso, deveras, vereis surgir uma qualidade extraordinária — a qualidade própria da mente que está completamente só, livre de influências, da mente que não tem "motivos"; e só essa mente pode receber algo nunca dantes conhecido. É preciso estar-se libertado do conhecido, para que possa existir o desconhecido; e esse processo, no seu todo, é meditação. Só a mente que medita, pode descobrir o que existe além de seus próprios limites.
Krishnamurti, Sexta Conferência em Bombaim
21 de março de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana