O mecanismo da necessidade de estímulo
PERGUNTA: Quando vos ouço falar, o que dizeis parece, produzir-me perplexidade e intensificar esse estado de perplexidade. Há oito dias eu não tinha problema algum, e agora me vejo atolado na confusão. Por que razão acontece isto?
KRISHNAMURTI: Pode ser por uma razão muito simples. Talvez, porque estivestes dormindo e agora estais começando a pensar. Entrando e assentando-vos aqui, acidentalmente, vos vistes, porventura, sacudido, impelido, estimulado. Entretanto, se estais sendo apenas estimulado, quando sairdes daqui, recaireis na mesma condição de antes. O estimulo embota a mente: não a desperta. O estímulo torna a mente embotada, e não desperta; poderá despertá-la por instantes, mas a mente logo recai no seu habitual estado de embotamento. Depender destas nossas reuniões como meio de estímulo, é o mesmo que beber: no fim a mente se tornará embotada. Se dependeis de uma pessoa, para estimular-vos a pensar, vós vos tornais seu discípulo, seu seguidor, seu escravo, com todas as frivolidades inerentes a essa condição; e desse modo, fatalmente, acabareis embotado. Mas se, por outro lado, reconhecerdes que tendes problemas (eles poderão estar adormecidos, no momento, mas existem) e começardes imediatamente a enfrentá-los, já não necessitareis de ser estimulado por mim nem por ninguém mais. Não necessitareis de sair em busca dos problemas, porque os enxergareis em vós mesmo e em todas as coisas que vos cercam, em vosso caminho pela vida — lágrimas, doenças, pobreza, morte.
A questão, por conseguinte, é de como devemos aplicar-nos ao problema, abeirar-nos dele. Se nos abeiramos de qualquer problema com a intenção de achar-lhe a solução, esta solução irá criar mais problemas; isso é bem óbvio. O importante é penetrar o problema, para começar a compreendê-lo, e tal só é possível quando não o condenamos, nem lhe resistimos, nem o afastamos de nós. A mente não pode resolver problema algum, enquanto condena, justifica ou compara. A dificuldade não está no problema, mas na mente que dele se abeira com uma atitude de condenação, justificação ou comparação. Assim sendo, primeiramente deveis compreender como a vossa mente está condicionada pela sociedade, pelas inumeráveis influências existentes ao redor de vós. Vós vos denominais hinduísta, cristão; muçulmano, ou o que quer que seja, e isso significa que vossa mente está condicionada; e é a mente condicionada que cria o problema. Quando uma mente condicionada busca solução para um problema, está a mover-se em círculos, e sua busca nada significa; e vossa mente está condicionada, porque sois invejoso, porque comparais, julgais, avaliais, porque estais acorrentado por crenças e dogmas. É esse condicionamento que cria o problema.[...]
PERGUNTA: Ouvimos
o que dizeis, até à saciedade. Pode dar-se o caso de vos ouvirmos em excesso?
Não nos arriscamos a embotar-nos, por excesso de estímulo?
KRISHNAMURTI: Pode acontecer uma coisa dessas —
ouvir em excesso? Que entendemos por ouvir, escutar? Se ouvimos com o fim de
armazenar e de agir de acordo com o que armazenamos, nesse caso o escutar pode
tornar-se excessivo, já que é um mero estímulo a mais ação. É isso o que
fazemos, em geral. Escutamos com o fim de aprender, adquirir; retemos na mente
o que aprendemos e, daí, passamos à ação. Enquanto o escutar for um processo de
acumulação, naturalmente ele poderá tornar-se excessivo, enfartante; mas se
escuto sem nenhum propósito de aquisição, de acumulação, nesse caso o meu
escutar tem significado completamente diverso. Escutar é aprender; mas se estou
armazenando o que aprendo, o aprender se torna impossível. O que aprendo é
então contaminado pelo que já armazenei e, portanto, isso já não é aprender. É
no "mecanismo" da acumulação que o escutar se torna cansativo,
excessivo e, por conseguinte, como qualquer outro estimulante, muito depressa
faz a mente embotar-se. Sabeis que o que vou dizer, já foi dito noutra ocasião
e sabeis o fim da sentença antes de eu a terminar. Isso não é escutar. Escutar
é uma parte; é prestar ouvidos à totalidade de uma coisa, e não apenas a
palavras; e esse escutar nunca pode tornar-se excessivo.
Krishnamurti, Segunda Conferência em Bombaim
11 de março de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana