Como quebrar o
mecanismo de dependência?
PERGUNTA:
Quando pela primeira vez vos ouvi falar e me entrevistei convosco, senti-me
profundamente perturbado. Comecei então a observar os meus pensamentos, sem
condenar ou comparar, etc., e, em certa medida, cheguei a apreender o sentido
do silêncio. Algumas semanas após, tive nova entrevista convosco e recebi novo
choque, pois me fizestes ver claramente que minha mente de modo nenhum estava
desperta, e perceber que eu me tornara um tanto vaidoso com os resultados
conseguidos. Porque é que a mente tende a estabilizar-se depois de cada choque,
e como quebrar esse mecanismo?
KRISHNAMURTI: Social, religiosa e pessoalmente,
nosso empenho constante é de evitar qualquer espécie de mudança, não é verdade?
Desejamos que as coisas continuem como estão, pois a mente não gosta de ser
perturbada. Logo que alcança uma coisa, aí se estabiliza. Mas a vida é um mecanismo
de “provocação” e reação, e se não soubermos responder à provocação de maneira
adequada, haverá conflito. Para evitarmos esse conflito, estabilizamo-nos em
confortáveis rotinas, onde nos deixamos deteriorar. Isto é um fato psicológico.
Isto é, a vida é “provocação”, desafio, tudo na vida
está a exigir reação, mas, porque tendes vossas limitações, vossas
preocupações, vosso condicionamento, vossas crenças, vossos ideais, que vos
ditam o que deveis e o que não deveis fazer, sois incapazes de responder
adequadamente ao desafio da vida; por esta razão, existe conflito. Para evitar ou
dominar este conflito, vos deixais estabilizar, fazendo algo que vos dá conforto.
A mente busca sem cessar um estado totalmente livre de perturbações, a que
chama Paz, Deus, ou outro nome qualquer; mas, em essência, o seu desejo é não
ser perturbada. O estado de não-perturbação, que chamamos Paz, é, realmente,
morte. Mas se, por outro lado, compreenderdes que a mente precisa achar-se, de
contínuo, num estado de reação e portanto sem desejo de conforto, de segurança,
de amarras, de ancoradouro, de refúgio na crença, nas ideias, nas posses etc.,
vereis então que não necessitais de choque algum. Não existe mais esse mecanismo
de sermos despertados por um choque, só para novamente nos deitarmos a dormir.
Vemos aqui surgir uma questão importantíssima.
Pensamos ter necessidade de instrutores, de gurus, de guias, para sermos
ajudados a conservar-nos despertos. E esta é provavelmente a razão da presença,
aqui, da maioria de vós: Desejais que um outro vos ajude a manter-vos
despertos. Se alguém pode ajudar-vos a ficar desperto, ficais na dependência
dessa pessoa, que se torna vosso instrutor, vosso guia, vosso líder. Ela poderá
estar desperta — não sei — mas se estais dependendo dela, estais dormindo. (Risos) Por favor, não riais, porque o
caso é sério; pois é isso mesmo o que todos nós fazemos na vida. Se não estamos
dependendo de um guia, dependemos de um grupo, dos nossos filhos, dum livro, ou
dum disco de gramofone.
Assim sendo, há possibilidade de nos mantermos
despertos, livres de toda dependência, — dependência de drogas, de gurus,
de disciplinas, de imagens, de qualquer coisa, enfim? Quando experimentais
isso, podeis cometer algum erro, mas dizeis “Não importa, quero continuar
desperto”. Entretanto, isso é dificílimo, já que dependemos tanto dos outros!
Precisamos de ser estimulados por um amigo, um livro, música, ritos, pelo
frequentar com regularidade certas reuniões; e tal estímulo poderá manter-vos
desperto, temporariamente. Mas, tanto vale tomar um copo de bebida. Quanto mais
uma pessoa depende de estímulos, tanto mais embotada se torna a sua mente, e a
mente que está embotada precisa de ser guiada, precisa seguir, precisa de uma
autoridade, porque do contrário ficará desorientada. Se percebemos esse
extraordinário fenômeno psicológico, não será possível ficarmos livres,
interiormente, de qualquer espécie de dependência, de qualquer estímulo a nos
mantermos despertos? Por outras palavras, a mente não será capaz de nunca se
escravizar a um hábito? Isso, com efeito, significa, abandonar tudo o que temos
compreendido, tudo o que temos aprendido, abandonar todas as coisas que acumulamos
de ontem para hoje, para que a mente possa, mais uma vez, ser fresca, nova. A
mente não é nova, se não morrer para todas as coisas de ontem, todas as
experiências, invejas, ressentimentos, amores, paixões, pois só assim ela
poderá de novo ser fresca, ardorosa, desperta e, portanto, capaz de atenção.
Não há dúvida de que, só quando está livre de todo sentimento de
dependência interior, a mente poderá encontrar-se com o Imensurável.
Krishnamurti,
20 de agosto de 1955
Realização sem
esforço
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