O aprender não nos aproxima da Verdade
INTERPELANTE: Vim aqui, para aprender e ser instruído. Podeis instruir-me?
KRISHNAMURTI: Esta é uma questão verdadeiramente interessante e convém examiná-la profundamente. Que se entende por "aprender"? Aprendemos uma técnica, aprendemos a ser eficientes, no ganho de nosso sustento ou na execução de uma certa tarefa material ou mental. Aprendemos a calcular, a ler, a falar uma língua, construir uma ponte, etc. Aprender é descobrir como se fazem coisas, desenvolver a capacidade de fazê-las. Afora isso, existe outra espécie de "aprender"? Pensai bem nisso, junto comigo.
Quando falamos de "aprender", entendemos acumulação, não é exato? E quando há qualquer forma de acumulação, pode a mente aprender? Aprender só é uma necessidade no sentido de adquirir uma capacidade. Eu nada poderia comunicar-vos, se não falasse uma língua; e para falar uma língua, tenho de aprendê-la, armazenar em minha mente o vocabulário e a significação dos vocábulos — isso é cultivo da memória. De maneira semelhante aprendemos a construir uma estrada, a conduzir um automóvel, etc.
Mas não é isso que pretende o interrogante; ele não veio aqui para aprender a guiar um carro, ou coisa semelhante. O que quer é ser instruído, aprender a descobrir aquilo a que se pode chamar a Verdade, ou Deus, não é isso? Quando procurais um guru, um instrutor religioso, com o fim de aprender, que é que aprendeis? Ele só poderá ensinar-vos um sistema, um padrão de pensamento. E é isso o que desejais de mim. Desejais aprender um novo padrão de comportamento, de conduta, uma nova maneira de viver — e isso, mais uma vez, é cultivo da memória, sob outra forma; e se observardes esse processo com muita clareza, muito atentamente, vereis que ele, na realidade, vos impede de aprender. Isto é muito simples.
Todos sois hinduístas — ou o que quer que sejais — e quando se vos apresenta uma coisa nova, que acontece? Ou traduzis o novo nos termos do velho — e por conseguinte a coisa deixa de ser nova — ou o rejeitais, e é isso o que realmente acontece. Assim, pois, a mente que está acumulando, pensando em conformidade com padrões, a mente recheada de saber e interessada em aprender um novo modo de pensar ou de conduta, essa mente, por certo, nunca aprenderá nada.
E que há para aprender? Quereis aprender algo sobre a reencarnação, Deus, a Verdade? Ao dizerdes: "Instruí-me, ensinai-me, estou aqui para aprender" — que significa isso? É possível ensinar? Ensinar o que? Sabeis muito bem como estar vigilante. Quando há muito interesse, há vigilância completa. Se desejais ganhar dinheiro como advogado, ficais até muito atento, no momento preciso. Quando se deseja com interesse profundo, vital, executar uma coisa, a atenção é despertada plenamente.
A atenção não é uma coisa que se precisa ensinar. Pode-se-vos ensinar a concentrar-vos, mas atenção não é concentração. Como sabeis, a mente só pensa dentro de padrões: como meditar, como construir uma ponte, como jogar cartas, como ler mais rapidamente, como conduzir automóvel, como corrigir o andar, regular a alimentação. De maneira semelhante desejais aprender o caminho que leva a Deus, à Verdade, desejais que alguém vos mostre a via que conduz àquele estado extraordinário. É claro que não existe caminho algum para aquele estado, pois aquele estado não é estático, e se alguém vos diz que há um caminho para lá, vos está enganando. Só pode haver caminho para o que é estático, sem vida. Nem há muitos caminhos para a Verdade, nem há um só caminho; não há caminho nenhum, e aí é que está a beleza da coisa. Mas a mente repele esse fato, porque deseja sentir-se em segurança, e por isso só pensa na Verdade como a segurança definitiva, final; e, assim, busca um caminho por onde alcançar aquela segurança.
Ora, se percebeis esse mecanismo, em sua Inteireza, que há para aprender? E pode-se ser livre pelo aprender? Por favor, refleti junto comigo, sem aceitar e sem rejeitar. Este problema vos concerne. Pode a mente que está aprendendo, acumulando, armazenando, ser livre em algum tempo? E se nunca está livre, como poderá ela investigar, descobrir? E o descobrir, por certo, é essencial; porque descobrir, averiguar, representa o potencial criador do homem. Assim, a mente tem de estar livre de toda e qualquer autoridade — a embriagadora autoridade da chamada religião e dos guias religiosos — porque só então ela é capaz de descobrir o que é a Verdade, o que é Deus, o que é bem-aventurança.
Senhores, se estais realmente prestando atenção ao que se está dizendo, sem o comparardes com o que tendes aprendido, sem vos preocupardes sobre como isso afetará os vossos compromissos, os vossos interesses, vossa posição na sociedade e demais insignificâncias e absurdos — vereis então, imediatamente, que há liberdade e descobrimento.
O aprender não aproximará de vós a Verdade. É só a mente que se acha numa jornada de descobrimento constante, a mente que não está acumulando, que está morta para tudo o que ontem acumulou e está, portanto, nova, purificada, livre — só essa mente é capaz de descobrir o verdadeiro e promover uma revolução neste mundo. Só ela é capaz de amor e compaixão — e não a mente que está praticando o amor e a compaixão, cultivando a virtude por um certo padrão — pois aí só há interesse egoísta.
Sinto ser muito tarde para responder a mais uma pergunta.
Se compreendermos o que significa "prestar atenção", é bem possível que então se realize essa revolução fundamental. Se cada um de nós for capaz de manter-se puramente atento, sem o desejo de produzir algum resultado ou de transformar a si mesmo, ver-se-á então que a mente já não é uma coisa temporal. O tempo só se torna existente pela comparação; e a mente que está comparando não está atenta. Já notastes quanto é difícil observar uma coisa, observar puramente uma qualidade, uma pessoa, uma ideia, um sentimento, sem tendência para negar, condenar ou justificar a coisa? Quando a mente é capaz de observar por essa maneira, vê-se que a reação nada significa e que naquele estado de atenção completa todo o conteúdo da consciência pode ser apagado.
Afinal de contas, a totalidade de nossa consciência é o resultado de múltiplas influências: a influência do clima, do regime alimentar, da educação, da raça e religião, de nossas leituras, da sociedade, e a influência de nossas próprias intenções e desejos. Espero que estejais a escutar-me com atenção, e não unicamente com a memória, e experimentando, realmente, o fato de que vossa consciência é o resultado de muitas influências. Essas influências são produto humano, e pode a consciência por elas condicionada encontrar alguma coisa além de seus próprios limites, por mais que o tente? Não pode, evidentemente. Só pode "projetar" o seu próprio passado sob um aspecto diferente. A consciência, como vemos, é condicionada, e nada que dela emana pode ser livre; entretanto, só a mente livre pode descobrir.
Ora, quando percebeis que o mecanismo do pensar, em qualquer nível — profundo ou superficial — é condicionado, reconheceis que o pensamento não é o fator libertador. Mas é preciso pensar com muita clareza, para se perceber a limitação do pensar. Todo pensamento emanado da mente condicionada é também condicionado. Quando a mente condicionada pensa em Deus, seu Deus é ela própria. Se a mente está, de todo, apercebida disso e lhe dá muita atenção, vereis então que há liberdade. A mente já não é então um brinquedo da sociedade, não é mais construída peça por peça pelo homem, e só então é ela capaz de experimentar algo transcendente.
Krishnamurti, Primeira Conferência em Madrasta, 11 de janeiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana