Pode cessar o mecanismo do pensamento?
PERGUNTA: Que dizeis a respeito de Tapas e de Sandhana, mencionados nos livros hinduístas, como necessários para se obter a cessação do pensamento?
KRISHNAMURTI: Considero um grande erro interpretar o que os livros dizem. Prestai atenção a isso, pois não estou dizendo nada de irrazoável. Os livros nos mandam fazer isto ou aquilo, e os livros podem estar errados; e, também, é possível que o pensamento não possa cessar jamais. Mas o que podeis fazer é descobrir diretamente, por vós mesmo, sem dependerdes de pessoa nenhuma nem de livro nenhum, se o pensamento pode ou não cessar. Isso é muito mais importante, mais significativo do que praticar qualquer método que prometa a cessação do pensamento. Ora, porque desejais que o pensamento cesse? É por ser ele muito perturbador, contraditório, transitório? E como sabeis que o pensamento pode cessar? É porque os livros o disseram? Ou vossa mente está investigando o mecanismo do pensar? Compreendeis, senhores? Nosso problema é compreender o mecanismo do pensar, e não procurar saber como pôr fim ao pensamento. Pode-se pôr fim ao pensamento tomando uma droga ou aprendendo uns poucos artifícios, na chamada meditação; mas a mente continuará embotada, superficial. Mas se começardes a investigar o que é pensar, então descobrireis se o pensamento pode ou não cessar. Sejamos bem claros a esse respeito. Um método, por mais nobre, por mais promissor que seja, só pode sufocar o pensar, ou mantê-lo num estado estático; mas isso não é cessação do pensamento. O que fizestes foi só sufocar o pensamento, arrolhá-lo. Mas, investigando o mecanismo do pensar, descobrireis o que é esse "mecanismo".
O pensar, sem dúvida, é reação da memória a algum desafio — sendo a memória continuidade do passado. Atrás do pensar há certas pressões, compulsões, que tornam o pensar tortuoso. Quando há qualquer espécie de pressão atrás do pensar — sendo pressão: "motivo", compulsão, impulso — o pensamento, invariavelmente, há de ser tortuoso. Mas se a mente puder libertar-se de todas as pressões, de todos os "motivos", vereis então que ela se tornará sobremodo tranquila e que, nessa tranquilidade, deixou de existir o que chamais pensar. Se apenas desejais a cessação do pensar, por esperardes que ela resolverá os vossos problemas, ou porque os livros prometem uma recompensa, podeis ter êxito no tornardes a vossa mente muito tranquila; porém ela continua a ser uma mente inferior. O que nos importa, pois, não é pôr fim ao pensamento, mas, sim, pôr fim à inferioridade, a superficialidade; e para que a mente deixe de ser inferior, será necessário que se liberte de toda e qualquer autoridade ou guia, tornando-se capaz de pensar de maneira nova.
Senhores, para enunciar o problema de maneira diferente, toda crença coletiva é muito destrutiva. Muitos de vós vos denominais hinduístas, o que significa que ainda estais agrilhoados pelos dogmas, tradições e influências coletivas, que vos tornaram o que sois. Onde há crença coletiva, há deterioração, está em movimento um "mecanismo” destrutivo, e isso é exatamente o que está acontecendo pelo mundo, na hora atual. Todos somos comunistas ou socialistas, hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, e sendo isso uma manifestação coletiva de crença, não há individualidade; e é por isso que muito importa perceber o mal da crença coletiva. Pelo próprio percebimento desse mal, surge o indivíduo. Só a mente que não é nem comunista, nem capitalista nem cristã, nem hinduísta, a mente que não sofre coação, pressão ou que tem um motivo oculto, só essa mente pode existir sem pensamento. Com o cessar do pensamento apresenta-se uma tranquilidade como a das águas vivas, e há nessa tranquilidade um vasto movimento que não pode ser apreendido pela mente que é tangida pela pressão, pelo "motivo". Qualquer prática a que se entregar a mente inferior, só poderá torná-la mais inferior, porque ela não compreende a si mesma, não está apercebida de sua inferioridade; poderá aprender novos artifícios, novos métodos, mas continuará inferior. A única coisa que uma mente inferior pode fazer, é perceber sua inferioridade, e nada fazer para remediá-la. Quando a mente percebe que é inferior, fez tudo o que lhe era possível fazer.
Krishnamurti, Quinta Conferência em Bombaim
18 de março de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana