É possível quebrar
o mecanismo dos hábitos?
PERGUNTA: Como
se pode pôr fim aos hábitos?
KRISHNAMURTI: Se pudermos compreender, na sua totalidade,
o mecanismo do hábito, talvez tenhamos a possibilidade de pôr fim à formação
dos hábitos. Pôr fim a um determinado hábito, apenas, é relativamente fácil,
mas o problema não fica resolvido. Todos temos vários hábitos, dos quais
estamos ou não estamos apercebidos; por consequência, devemos descobrir se
nossa mente se deixou apanhar na armadilha do hábito, e a razão por que cria hábitos.
O nosso pensar não é, pela maior parte, “habitual”?
Desde crianças, nos têm ensinado a pensar numa certa direção, como cristãos,
comunistas, hinduístas, etc., e não ousamos desviar-nos dessa direção, porque
qualquer desvio, em si, representa temor. Assim, o nosso pensar é basicamente
“habitual”, condicionado; nossa mente está funcionando dentro de rotinas fixas,
e naturalmente temos também hábitos superficiais, que procuramos reprimir.
Ora, se a mente cessar de todo de pensar pela rotina
dos hábitos, poder-se-á então considerar o problema relativo a um hábito
superficial, de maneira toda diferente. Compreendeis? Se estais agora
investigando, procurando descobrir se vossa mente pensa sob a influência dos hábitos,
se esse descobrimento vos interessa deveras, então qualquer hábito, como, por
exemplo, o de fumar, terá significação toda diferente. Isto é, se vos interessa
investigar o processo do hábito, que se acha num nível, mais profundo, sabereis
atender ao hábito de fumar de um modo completamente diferente. Estando bem
claro para vós, interiormente, que desejais pôr fim não só ao hábito de fumar,
mas ao inteiro mecanismo de pensar pela rotina dos hábitos, já não lutais
contra o movimento automático de apanhar um cigarro, etc., pois sabeis que
quanto mais combatemos um hábito, mais vitalidade lhe damos. Mas, se estais
atento e bem apercebidos desse hábito, sem
combatê-lo, vereis que ele desaparecerá por si, no tempo próprio; a mente
não está mais ocupada com ele. Estais prestando atenção?
Interiormente, percebo com toda a clareza que desejo
deixar de fumar, mas o hábito vem sendo nutrido há vários anos; devo lutar
contra ele? Ora, é bem certo que toda luta contra um hábito lhe dá mais vida.
Notai bem isto, por favor: Quando combato uma coisa, dou mais vitalidade a essa
coisa. Se combato uma ideia, dou mais vida a essa ideia; se luto contra vós,
dou-vos mais vitalidade para lutardes contra mim. Devo perceber com toda a
clareza esse fato, e só posso vê-lo com clareza se estou dando atenção ao
inteiro problema do hábito, e não apenas a um dado hábito. Estou então
considerando o problema do hábito num nível completamente diferente.
Assim, a questão agora é esta: Porque é que a mente
só pensa em termo de hábito — o hábito das relações, o hábito das ideias, o
hábito das crenças, etc.? Por quê? Porque, essencialmente, ela está buscando um
estado de certeza, segurança, permanência, não é verdade? A mente detesta a
incerteza e necessita, portanto, dos hábitos como meio de segurança. Mas nunca
está livre do hábito a mente que se sente segura e, sim, só aquela que se acha
em completa insegurança — o que não significa ir acabar num asilo ou manicômio.
A mente que se acha na mais completa insegurança, incerteza; que está sempre a
investigar e a descobrir algo; que morre para cada experiência, cada aquisição,
e por conseguinte se acha sempre num estado de “não saber” — só essa mente pode
ser livre do hábito.
Krishnamurti,
20 de agosto de 1955
Realização sem
esforço