É possível quebrar
a mediocridade da mente?
Um dos problemas graves, sobre que quase todos já
devemos ter refletido, é o referente ao controle da mente; porque, pode-se ver
que, sem um profundo, racional e equilibrado controle da mente, não pode haver
a conservação da energia, essencial para se fazer qualquer coisa e,
principalmente, quando se trata da chamada busca — busca da Verdade, da
Realidade, de Deus, etc. É sabido, penso eu, que esta estabilidade da mente é
necessária para se poder penetrar os problemas fundamentais que uma mente
superficial é incapaz de atender. E, no entanto, a dificuldade está em como
controlar a mente, não achais? Muitos sistemas de disciplina, várias seitas,
religiosas e comunidades monásticas sempre têm preconizado o controle absoluto
da mente; e nesta tarde pretendo investigar se é possível tal coisa e como pode
ser criada essa absoluta estabilidade mental. Estou empregando a palavra
“absoluto” no sentido correto, no significado de controle completo, total, da
mente. Como disse, é muito importante haver essa estabilidade, porque nesse
estado não há conflito, não há dissipação nem distração de espécie alguma; por
conseguinte, ela gera uma energia extraordinária, e essa mente, achando-se
perfeitamente equilibrada, é capaz de profunda e radical penetração.
Ora, pode uma mente medíocre, por mais que controle,
que domine e discipline a si mesma, tornar-se estável? Em geral, a nossa mente
é estreita, limitada, cheia de preconceitos, vulgar, e uma mente vulgar está sempre
ocupada com coisas muito superficiais, com um serviço, com disputas,
ressentimentos, cultivo de virtudes, tagarelices, sua própria evolução e seus
próprios problemas. E pode essa mente, por mais que controle e discipline a si
mesma, tornar-se livre para poder ser estável? Porque, sem liberdade, é bem de
ver que a mente não pode ser estável.
Isto é, a mente que está a lutar pelo sucesso, por
um resultado, a procurar no escuro uma coisa que não pode possuir, é
essencialmente estreita, condicionada, limitada e, por causa desse próprio esforço,
inferior; e, por mais que ela tente torna-se estável pelo controle de si mesma,
pode essa mente gerar aquela energia essencial oriunda de uma estabilidade
profunda, fundamental, ou só criará mais uma série de limitações, mais
mediocridade? Espero vos esteja mostrando com clareza o problema.
Se minha mente é nacionalista, se está acorrentada
por inumeráveis crenças, superstições, temores, presa nas redes da inveja, de
ressentimentos, da crueldade por palavras, por gestos ou pensamentos — essa
mente, por mais que se esforce para pensar em algo além de si própria,
permanecerá limitada. O problema, pois, é de como quebrar esse estado de
mediocridade da mente, não achais? Esta é uma das questões fundamentais, e se
ela está clara, agora, podemos então continuar, para descobrir o que significa
ter um controle completo da mente.
Para se descobrir o que é a Verdade, o que é Deus —
ou o nome que quiserdes dar — necessita-se evidentemente de enorme energia, e,
na busca dessa energia, praticamos toda a sorte de absurdos. Ou nos recolhemos
aos mosteiros, ou nos tornamos maníacos de regimes alimentares, ou procuramos
controlar nossas paixões e apetites, esperando, desse modo, canalizar a energia
e achar algo além da mente. Afinal, é isto o que a maioria de nós está tentando
fazer, de diferentes maneiras. Estamos procurando controlar nossos:
pensamentos, nossos desejos, cultivar virtudes, prestar atenção às nossas
palavras, nossos atos, etc., com a intenção de nos tornarmos cidadãos bons,
respeitáveis, ou com a esperança de canalizar toda essa extraordinária
vitalidade do desejo, a fim de descobrirmos o que existe além. Mas, por mais
que lutemos, não poderemos descobrir tal coisa, enquanto não compreendermos a
mediocridade da nossa mente. Quando a mente medíocre busca a Deus, o seu Deus
será também medíocre, é claro; sua virtude será mera respeitabilidade. Assim, é
possível quebrar essa mediocridade? Está clara a questão? Bem, então
continuemos.
Nossa mente é medíocre, invejosa, gananciosa,
medrosa, quer o admitamos, quer não. Ora, que é que faz a mente ser medíocre?
Sem dúvida, a mente é estreita, limitada, superficial, medíocre, enquanto é
gananciosa. Poderá renunciar às coisas mundanas e se tornar gananciosa de
sapiência, de sabedoria — mas continuará medíocre, porque no seu esforço
aquisitivo ela desenvolve a vontade de conseguir, de ganhar, e essa própria
vontade de conseguir constitui a sua mediocridade.
Posso dizer agora alguma coisa a respeito da
atenção? A atenção é muito importante, mas a atenção é de todo diferente da
concentração ou absorção numa coisa. Uma criança se absorve num pião; o
brinquedo a atrai, e ela lhe dá a sua mente. Isto é o que acontece, não é
verdade? O objeto atrai a mente, absorve a mente, ou, então, a mente absorve o
objeto. Se estais interessados numa certa coisa, o objeto de vosso interesse é
tão atraente, que vos absorve; ao passo que, se deliberadamente vos concentrais
numa coisa, o que é outra forma de absorção, então sois vós que absorveis o
objeto, não é exato?
Ora, eu estou falando de coisa completamente
diferente. Refiro-me a uma atenção em que não há objeto de espécie alguma, em
que não há luta, nem conflito, uma atenção em que nem vos deixais absorver, nem
procurais concentrar-vos em coisa alguma. Quando escutais o que se está falando
aqui, estais procurando compreender e vosso escutar tem um objeto; por isso há
esforço, tensão, e não uma atenção livre de toda tensão. Isto é um fato, não é?
Se desejais escutar uma coisa, não deve haver tensão nenhuma, nenhum, esforço,
nenhum objeto que atraia a vossa atenção e vos absorva, porque, de outro modo,
estais apenas sendo hipnotizados pelas palavras que estais ouvindo, por uma
personalidade, uma estultícia qualquer. Se observardes atentamente esse
processo de absorção, vereis que nele há sempre conflito, tensão, esforço para
se alcançar alguma coisa; ao passo que, na atenção, não há nenhum objeto
especial, estais apenas ouvindo, assim como se ouve uma música distante ou as
notas de uma canção. Nesse estado estais completamente sem tensão, atento, não
há esforço algum.
Assim, pois, se posso sugeri-lo, procurai estar
atentos, enquanto aqui estais a escutar o que se está dizendo. O que estou
dizendo poderá ser difícil e talvez novo, e portanto causar certa perturbação;
mas se fordes capazes de escutar com aquela atenção livre de tensão, não
ficareis mentalmente agitados, embora possais sentir-vos perturbados num
sentido diferente, o que talvez seja bom. O que estou dizendo é uma coisa que
muito importa compreender: Estou dizendo que a mente deve ser completamente
estável. Mas, essa estabilidade não pode efetivar-se quando a mente se esforça
para se tornar estável, porque a mente, a promotora do esforço, é, por
natureza, limitada, insignificante. Pode a mente possuir conhecimentos
enciclopédicos, ser capaz de discussões, sutis e possuir vasta acumulação de
técnica, mas permanecerá essencialmente limitada enquanto tiver suas bases no
senso de aquisição e, por conseguinte, no cultivo da vontade, isto é, enquanto
existir nela o “eu”, a entidade que adquire, que faz esforço, que guarda e
acumula. A mente poderá pensar em Deus, disciplinar a si mesma, tentar
controlar os seus vários desejos, a fim de se tornar virtuosa, a fim de possuir
mais energia para a busca da Verdade, etc.; mas, essa mente estreita, limitada,
nunca poderá ser livre e, portanto, estável.
Nosso problema, por conseguinte, é de como quebrar
essa limitação mental. Está clara a questão? Se está clara, que vos cabe então
fazer? Vê-se a necessidade de uma mente muito estável, profunda, tranquila, uma
mente perfeitamente controlada — mas não controlada por uma entidade que diz
“Preciso controlá-la”. Compreendeis? Isto é, percebo a importância de se ter
uma mente está vel. Pois bem. Como criar essa estabilidade? Se outra parte da
mente disser: “Preciso ter uma mente estável”, criará conflitos, lutas para
controlar e subjugar, não é verdade? Uma parte da mente dita à outra parte,
tentando impedi-la de divagar, controlando-a, moldando-a, disciplinando-a,
reprimindo várias formas de desejo; e temos, assim, um conflito incessante, não
é exato?
Ora, a mente que se acha em conflito, é, na sua própria
essência, limitada, porque o seu desejo é adquirir alguma coisa. Desejando
adquirir uma mente estável, dizeis: “Tenho de controlar a minha mente,
moldá-la, repelir todos os desejos em conflito”; mas, enquanto existir em nosso
pensar esse processo dual, tem de haver conflito, e esse próprio conflito
denota limitação, porque produto do desejo de ganhar alguma coisa. Assim, pode
a mente obliterar, esquecer de todo o processo de aquisição, de adquirir uma
mente estável, a fim de achar Deus ou o que quer que seja? Isto é, podeis,
enquanto estais ouvindo, perceber, imediatamente, a verdade do que se está
dizendo? Estou dizendo que é necessária completa e absoluta estabilidade da
mente, e que qualquer tentativa para se conquistar tal estado indica que a
mente está dividida e está a dizer: “ótimo! preciso de estabilidade, deve ser
uma coisa maravilhosa”; em vista disso, começa a esforçar-se para alcançar esse
estado, recorrendo a disciplinas, controles, várias formas de sanção, etc. Mas,
se a mente for capaz de escutar a verdade daquela asserção, perceber a verdade
daquela asserção, perceber a absoluta necessidade de controle completo, vereis
então que não há mais esforço algum para se alcançar um estado.
Isto é difícil demais? Receio que o seja, porque, em
geral, nós pensamos em termos, de esforço, havendo sempre uma entidade que faz
esforço, visando a um resultado, e por esta razão há conflito. Ouvis a asserção
de que a mente deve ser absolutamente estável, controlada, ou lestes e
refletistes sobre isto, e dizeis “Preciso alcançar esse estado”, e procurais
então alcançá-lo por meio de controle, de disciplina, meditação, etc. Nesse
processo há esforço, ajustamento, observância de padrão, criação da autoridade,
e as muitas complicações daí resultantes. Ora, todo esforço para se alcançar um
resultado, todo- desejo de adquirir um estado, torna a mente limitada, e essa
mente nunca poderá ser livre, para ser estável. Se se perceber bem claramente a
verdade a esse respeito, não existe então uma estabilidade absoluta da mente?
Compreendeis?
Por outras palavras: Vê-se bem claro ser necessário
energia para qualquer espécie de ação. Mesmo se desejais ser um homem rico,
tendes de devotar a vossa vida a esse fim, nele concentrar toda a vossa
energia. E para se achar aquilo que está além das atividades, dos movimentos da
mente — o que implica extraordinária profundeza de autoconhecimento — a energia
concentrada é uma necessidade essencial. Ora, como se pode gerar essa energia
concentrada?
Reconhecendo que temos necessidade dela, dizemos:
“Tenho de controlar meu temperamento, tomar alimentos adequados, evitar os
excessos sexuais, refrear minhas paixões, apetites, desejos” — isto é, estamos
sempre a escapar por tangentes. Tudo isso são tangentes, porque, no centro,
somos muito pobres. Enquanto a mente está a pensar em termos de adquirir alguma
coisa, alcançar resultados, é ambiciosa, e a mente ambiciosa tem de ser, por natureza,
limitada, superficial. Essa mente, tal como a do homem mundano ambicioso, tem,
sem dúvida nenhuma, uma certa carga de energia; mas nós estamos interessados
numa coisa que exige energia muito mais profunda, mais ilimitada, e uma total
ausência do “ego”.
Temos sido condicionados, através de séculos —
religiosa, social e moralmente — para controlar, moldar a nossa mente de acordo
com um certo padrão, ou seguirmos certos ideais, a fim de conservarmos a nossa
energia; e pode a mente libertar-se dessas coisas, sem esforço algum, e entrar
no mesmo instante num estado de tranquilidade total, completa estabilidade? Tal
estado não está sujeito a distração de espécie alguma. Só há distrações, quando
queremos seguir numa certa direção. Quando uma pessoa diz: “Tenho de pensar
nisto, e em nada mais” — então, tudo o mais constitui distração. Mas se estamos
atentos, completamente, com aquela atenção que se não fixa em objeto algum — já
que não existe mais processo de aquisição, exercício da vontade, visando a um
resultado — então a mente se verá num estado de extraordinária estabilidade,
tranquilidade interior; e só a mente tranquila é livre, para descobrir ou
deixar manifestar-se a Realidade.
Krishnamurti,
20 de agosto de 1955
Realização sem
esforço
________________________________