O mecanismo de segurança na autoridade
PERGUNTA: Na Índia é-nos ensinado, há séculos, a sermos espirituais, e nossa vida diária é uma rotina interminável de rituais e cerimônias. Isto é espiritualidade? Se não, que significa, então, "ser espiritual"?
KRISHNAMURTI: Vejamos, senhor, o que significa "ser espiritual". Não queremos a definição da palavra, que se pode achar num dicionário, mas procuremos, aqui sentados, como estamos, experimentar realmente esse estado, se ele existe.
A mente, mutilada pela autoridade — de um livro, um guru, uma crença ou uma experiência — é incapaz, evidentemente, de descobrir o verdadeiro. E pode a mente ficar livre de toda e qualquer autoridade? Isto é, pode a mente deixar de procurar a segurança, na autoridade? Por certo, só a mente que não teme a insegurança, a incerteza, é capaz de descobrir o que significa ser espiritual. O homem que se limita a aceitar uma crença, um dogma, que observa ritos e cerimônias, não é capaz de descobrir o que é verdadeiro ou o que é "ser espiritual", porque sua mente está presa no padrão da tradição, do medo, da avidez.
Ora, pode a mente que se tornou escrava das cerimônias abandoná-las imediatamente? Por certo, este é o único critério adotável, já que, abandonando-se as cerimônias, será possível descobrir quanto elas implicam: temores, antagonismos, disputas. Deste modo, tudo o que a mente se exime de enfrentar sairá à luz. Mas tal coisa não queremos fazer. Só sabemos falar em "ser espiritual". Lemos o Upanishads, o Gita, recitamos mantras, entretemo-nos com cerimônias — e a isso chamamos religião.
Por certo, o que é espiritual tem de ser atemporal. Mas a mente é resultado do tempo, de incontáveis influências, ideias, imposições; ela é produto do passado, que é tempo. E pode alguma vez essa mente perceber o que é atemporal? Nunca, naturalmente. Poderá especular; poderá — inutilmente — buscar ou repetir certas experiências que outros porventura tiveram; mas, sendo resultado do passado, a mente nunca achará o que existe além do tempo. Portanto, o que ela pode fazer é, apenas, ficar quieta, completamente, sem nenhum movimento de pensamento, porque só assim há possibilidade de se revelar aquele estado que é atemporal. A própria mente é, então, atemporal, eterna.
As cerimônias, pois não são espirituais, tampouco o são os dogmas, as crenças, a prática de determinado sistema de meditação. Porque todas essas coisas são produto de uma mente em busca de segurança. O estado de espiritualidade só se pode experimentar pela mente que nenhum "motivo" tem, pela mente que já não está a buscar, pois toda busca se baseia em algum "motivo". A mente capaz de nada perguntar, nada procurar, de ser completamente nada, só essa mente pode compreender o atemporal.
Krishnamurti, Quinta Conferência em Madrasta, 01 de fevereiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana