Podemos viver sem o
desejo de competir?
PERGUNTA: Eu
desejaria ser isento do espírito de competição; mas, como se pode viver sem
competir, numa sociedade altamente competidora?
KRISHNAMURTI: Vede, admitimos como coisa inevitável
que teremos de viver nesta sociedade de competição; estabelecemos, pois, uma
premissa para ponto de partida. Enquanto disserdes: “Tenho de viver nesta
sociedade competidora” — sereis competidor. A sociedade é ávida, cultua o bom
êxito, e se também desejais ser bem-sucedido, sois obrigado, naturalmente, a
competir.
Mas o problema é muito mais profundo e momentoso do
que a mera competição. Que está na base do desejo de competir? Em todas as
escolas ensinam-nos a competir, não é verdade? A competição se exemplifica no
dar notas, no comparar o menino pouco inteligente com o menino muito
inteligente, no salientar que o menino pobre pode chegar a presidente da nação
ou da General Motors... Conheceis bem essas coisas. Porque atribuímos tanta importância
à competição? Que há de significativo nisso? Uma das coisas que a competição
implica é a disciplina, não é exato? Tendes de controlar, ajustar, marcar um
limite, ser como os demais, porém melhor. E, assim, vos disciplinais para
lograr o desejado êxito. Prestai atenção a isto: onde existe o estímulo à
competição, tem de haver também o processo de disciplinar a mente, segundo um
certo padrão de ação; e não é esta uma das maneiras de controlar uma criança?
Se desejais tornar-vos algum a coisa, tendes de controlar, de disciplinar,
de competir. Fomos criados segundo esse princípio, e o transmitimos aos nossos
filhos. E, entretanto, falamos de dar à criança liberdade para descobrir!
A competição oculta o estado do nosso próprio ser.
Se desejais compreender a vós mesmo, ireis competir com outro, ireis
comparar-vos com alguém? Podeis compreender-vos por meio de comparação? Podeis
compreender algum a coisa por comparação, julgamento? Compreendeis um quadro
comparando-o com outro quadro, ou só o compreendeis quando a vossa mente está toda
absorta no quadro, sem fazer comparações?
Estimulais o espírito de competição em vosso filho,
por desejardes tenha ele bom êxito naquilo em que o não tivestes; desejais
preencher-vos por meio de vosso filho ou de vossa pátria. Pensais que o
progresso, a evolução, consistem em julgamento, comparação; mas, quando é que
comparais, quando competis? Só o fazeis quando estais inseguro a vosso próprio
respeito, quando não compreendeis a vós mesmos, quando existe temor no vosso
coração. Compreender a si mesmo é compreender todo o processo da vida, e o
autoconhecimento é o começo da sabedoria. Sem autoconhecimento, porém, não há compreensão:
apenas ignorância; e a perpetuação da ignorância não é progresso.
É então necessária a competição para compreendermos
a nós mesmos? Preciso competir convosco para compreender a mim mesmo? E porque
rendemos culto ao sucesso? O homem incapaz de criar, que nada encerra em si
mesmo, esse homem é que está sempre a esforçar-se, na esperança de um ganho, na
esperança de tornar-se algo; e como quase todos nós somos interiormente pobres,
interiormente indigentes, competimos, a fim de nos tornarmos exteriormente
ricos. A ostentação exterior de conforto, de posição, de autoridade, de poder,
deslumbra-nos, porque é essa coisa que desejamos.
Tudo isso é obviamente verdadeiro; entretanto, se o
ouvis com o pensamento de que tendes de viver neste mundo de competição, não
estais escutando realmente — estais somente comparando. Se não competirdes,
podereis perder o emprego; se isso acontecer, que será das vossas
responsabilidades, quem irá sustentar os vossos filhos? E, nessas condições,
continuais numa roda-viva de competição. O homem que está todo interessado em
descobrir o que é verdadeiro, que se acha num estado de revolta, tem necessariamente
de sujeitar-se a muitos desconfortos físicos, não é verdade? Pode perder o seu
emprego. Porque não? A mente sempre agarrada à segurança nunca encontrará a
realidade. Só quando a mente compreender o real, serão resolvidos os nossos
problemas, e não antes disso. O que quer que façamos, por mais sagazes que
sejam as nossas mentes, por mais conhecimentos que adquiramos, qualquer que
seja o processo de análise que adotarmos, — enquanto não encontrarmos o Real,
que tem de ser descoberto a cada minuto, não haverá solução definitiva para os
problemas humanos.
Surge a competição quando existe o desejo de sermos
bem-sucedidos, de nos tornarmos algo no mundo material ou no mundo do saber, da
intenção psicológica; e, enquanto a mente estiver competindo, comparando, julgando,
jamais conhecerá o Real. Só quando a mente deixou completamente de escolher, de
comparar, de julgar, de condenar, só então existe a possibilidade de se ver o
que é verdadeiro, momento por momento; e aí se encontra a solução de todos os
nossos problemas.
Krishnamurti em, Percepção Criadora,
27
de junho de 1953