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terça-feira, 3 de abril de 2018

O problema da transformação


O problema da transformação

Desejo, nesta manhã, se possível, discorrer sobre o problema da transformação. Considerando-se a situação mundial, as condições de penúria, as guerras, a competição, o incessante conflito entre os homens, a extraordinária prosperidade de algumas nações e a pobreza extrema reinante no Oriente, onde milhões de pessoas só tomam uma refeição por dia, ou nem isso — considerando-se tudo isso, torna-se bem clara a necessidade de uma radical transformação, de uma mudança revolucionária de alguma espécie. E, acredito, deve ser óbvio, a quem já pensou neste assunto, toda mudança operada por ajustamento, compulsão ou temor, não é transformação nenhuma. Simples mudança periférica, um mero ajustamento na circunferência, — ajustamento político, econômico, social ou, mesmo, religioso — não é revolução. A revolução, naturalmente, tem de operar-se no centro, e não na circunferência, no lado externo; e como pode realizar-se essa revolução no centro? Estou empregando a palavra “revolução” com conhecimento de causa, visto que, se houver uma mudança no centro, teremos uma verdadeira revolução, uma completa transformação do pensamento; e só ao verificar-se esta revolução no centro podem operar-se mudanças significativas no exterior, na periferia. Mas nós, geralmente falando, não queremos a revolução central e, sim, apenas, mudanças exteriores — queremos uma situação econômica melhor, mais riqueza, mais conforto, mais prosperidade, mais luxo, e uma maior variedade de entretenimentos e distrações. É isso o que interessa à maioria de nós. Ou, trocamos uma especialidade por outra, uma religião por outra, um dogma por outro; o que significa, simplesmente, passar de uma gaiola velha para uma gaiola nova. E se temos disposições sérias, falamos sobre a necessidade de abolir a guerra — o que, mais uma vez, significa cogitar sobre a maneira de produzir modificação no exterior. As pesquisas científicas, as reformas sociais, os ajustamentos políticos, tudo isso — assim como as várias religiões e sociedades sectárias — só diz respeito a modificações exteriores.

Ora, como produzir uma transformação no centro? Este é o problema da maioria de nós, não achais? Se estamos seriamente intencionados e reconhecermos quanto é superficial andarmos só em busca de um emprego melhor ou de uma solução imediata para os nossos problemas econômicos, políticos, ou religiosos, desejaremos naturalmente saber se é possível efetuar-se uma transformação no centro, a qual, por sua vez, produza uma transformação em nossas relações com a família, com os companheiros, enfim, com a sociedade.

Não sei se já refletistes sobre este assunto; considero-o, porém, uma questão fundamental, que se não pode facilmente desprezar. Temos tentado durante anos reformar-nos exteriormente, procuramos transformar as nossas maneiras, pensamentos, conduta, nossa sociedade, e daí não resultou nenhuma mudança radical, nenhuma libertação de forças criadoras; e a mim me parece que, sem essa profunda revolução interior, central, será vão todo esforço que empregarmos para modificar as coisas exteriores. Nossos esforços poderão produzir modificações momentaneamente satisfatórias; entretanto, se a revolução não for efetuada no centro, a mera alteração da circunferência, da parte externa, é mui pouco significativa e poderá, eventualmente, conduzir a malefícios maiores ainda. Compreendendo isso, averiguemos como se pode efetuar essa transformação, essa revolução no centro.

Que é esse centro? Ora, é a mente; e nós vamos averiguar se a mente pode modificar-se, se pode produzir em si mesma uma revolução interior. A mente, como é óbvio, é constituída de níveis conscientes e níveis inconscientes; e todo esforço da mente consciente para se modificar está sempre compreendido na esfera exterior. Vede bem a importância disso.

Como disse ontem — se posso repeti-lo, sem enfadar-vos — é muito importante saber escutar. Quando se faz um esforço consciente para escutar, para compreender, esse mesmo esforço dificulta a compreensão. Quando aplicais toda a vossa atenção à tentativa de descobrir algo, vossa mente fica num estado de tensão e, por isso, não há “escuta”, não há penetração, não há reação espontânea a algo que se não compreende perfeita e plenamente. Todavia, o “escutar” exige uma certa atenção, porquanto não significa que vos ponhais simplesmente a dormir. Mas “escutar” é coisa muito diferente de “ouvir”. Podeis ouvir o que estou dizendo e compreender a significação das palavras; porém, se a vossa mente não ultrapassar a mera comunicação verbal entre nós dois, não haverá compreensão real. O que estou tentando transmitir não é tanto a significação verbal, quanto, principalmente, as coisas existentes entre as palavras, no espaço, no intervalo entre os pensamentos. Se a mente puder estar quieta, atenta para o que se acha entre as palavras, se puder pôr-se em tal estado de “afinação”, será então capaz de “escutar” integralmente, na totalidade; e é esse escutar, possivelmente, que traz a revolução, e não o esforço consciente para compreender.

A maioria de nós conhece o esforço consciente de modificar, de disciplinar a mente, e, por esse motivo, o que chamamos modificação representa uma operação parcial, e não uma revolução total. E eu estou-me referindo à revolução total, integral, e não à ação parcial, de superfície; e essa revolução total não pode verificar-se por meio de nenhum esforço consciente de nossa parte. Sabemos o que é a consciência, estamos bem familiarizados com a mente consciente que pensa e deseja, movida pelo impulso, pela intenção, e determina o ajustamento. A mente consciente está sempre forcejando em determinado sentido, ou para ajustar-se pelo temor, ou, ainda pelo temor, transformar-se, a fim de adaptar-se a outro padrão de ação. Por conseguinte, todo esforço visando a uma modificação é um ajustamento sob a influência do temor, do desejo de termos bom êxito ou do desejo de nos tornarmos melhores, para alcançarmos um certo resultado, seja neste mundo, seja no mundo da santidade. É urgentemente necessária uma revolução profunda, mas, é óbvio, essa revolução deve ser inconsciente; pois, se produzo deliberadamente uma revolução em mim mesmo, essa revolução será resultado de desejo, da memória, do tempo. Desejo tornar-me melhor, conseguir um resultado, descobrir o que é Deus, o que é a Verdade, ser mais feliz; por isso digo que há necessidade de transformação. O esforço positivo ou negativo, o esforço para ser ou não ser, se baseia no temor, na ânsia de ganho, de conforto, paz, segurança; assim, pois, toda modificação operada por um esforço consciente não é verdadeira transformação e, sim, puro ajustamento a um padrão diferente. A esse respeito, temos de perceber a verdade completamente. Como todas as revoluções econômicas, quer da direita, quer da esquerda, o esforço consciente não produz nenhuma transformação no centro. Ambas as coisas só produzem tiranias. O sábio, portanto, não se preocupa essencialmente com modificações periféricas: interessa-lhe só a revolução interior, a revolução que se opera no centro. E como iremos, vós e eu, produzir essa transformação?

Não sei se percebeis a importância desta questão. Todas as escolas de religião, todas as sociedades religiosas, procuram produzir modificação por meio de esforço consciente, por meio de disciplina, ajustamento, temor, por meio do desejo de alcançar uma situação melhor, quer socialmente, quer religiosa ou psicologicamente; e tudo isso está compreendido na esfera exterior. Sem dúvida, porém, o homem que, conscientemente, se está tornando virtuoso, é imoral, uma vez que é virtuoso no interesse da própria segurança, do próprio conforto e felicidade. Não estamos falando dessa espécie de mudança ou transformação.

Como então efetuar essa revolução no centro? Vemos que o esforço deliberado e consciente do nosso pensamento ordinário não pode realizá-la. E pode o inconsciente fazê-la? Compreendeis o que queremos dizer quando nos referimos ao “inconsciente”? O inconsciente é o resíduo do passado, não é exato? É o resultado dos instintos raciais, das impressões culturais, de tudo o que fomos no passado, de toda a luta do homem contra seus ocultos intentos, compulsões, ímpetos. Pode esse inconsciente ajudar-nos a operar uma modificação, uma revolução no centro? E existe alguma diferença, algum intervalo ou hiato entre o inconsciente e o consciente? Sem dúvida, a mente consciente, a mente que está desperta durante o dia, funcionando em nossas atividades diárias, é apenas a orla do inconsciente, não é verdade? Não há diferença fundamental entre os dois (o consciente e o inconsciente). Assim como a folha de uma árvore é o produto das suas raízes, aprofundadas no seio da terra, assim também a mente consciente é o produto do inconsciente profundo. Não há distinção entre eles; não são duas coisas diversas; nós é que não estamos familiarizados com o inconsciente. É-nos familiar a mente consciente, a atividade diária de ganância, competição, ciúme, inveja, o desejar uma coisa e não desejar outra, a nossa luta incessante; mas os mesmos impulsos encontram-se também nos níveis mais profundos, não é verdade? Pode-se, pois, contar com o inconsciente para se realizar uma transformação radical?

Se prestais atenção ao que estou dizendo e o seguis sem esforço, encontrareis a solução correta; e o descobrimento da solução correta é a revolução no centro. Qual é o estado da mente quando não há esforço algum, nem por parte do consciente nem do inconsciente? Existe, então, um centro? Para a maioria de nós existe um centro, que é o “eu”, o “ego”; e se esse centro se acha num nível superior ou inferior, isso não tem grande importância. O centro é o “eu”, o instinto de aquisição, que se expressa no possuir propriedades, no desejo de nos tornarmos melhores, de adquirir virtudes, pelo controle, pela disciplina e tudo o mais. Temores, ansiedades, disposições de ânimo, anseios, esperanças, fracassos, frustrações — tal é o centro que conhecemos, não é verdade? E o fazer cessar completamente esse centro, é a única revolução verdadeira; essa revolução, porém, não é possível por meio de esforço por parte do consciente ou do inconsciente.

Pois bem. Quando percebemos tudo isso, qual é o estado da nossa mente? Evidentemente, a primeira reação é um sentimento de ansiedade, de temor, de desconhecimento do que vai acontecer. O “eu”, o centro, que é uma acumulação de inúmeras reações, inúmeras influências culturais, políticas e religiosas — esse centro é que tem funcionado até agora; e se queremos que esse centro desapareça de todo, para que a mente seja pura, incorruptível, única, singular, a primeira reação, por certo, é um tremendo sentimento de negação, de não-ser; e mui poucos de nós somos capazes de suportar tal coisa, que significa olhar de frente o que na realidade somos. Por conseguinte, no centro existe temor, e, refugiados nesse centro, começamos a levantar defesas, a apegar-nos aos nossos dons, capacidade, talentos, produzindo desse modo o conflito constante entre o que somos realmente e o que gostaríamos de ser. E, entretanto, em momentos lúcidos, percebemos que esse mero lidar com coisas exteriores nunca produzirá uma revolução profunda, duradoura, fundamental. Nessas condições, aqueles dentre nós que tiverem intenções sérias e inclinações religiosas, hão de interessar-se necessariamente por esta questão da revolução no centro.

Uma vez que nem a mente consciente nem a inconsciente pode produzir uma transformação fundamental no centro, que deve a mente fazer? Pode ela fazer alguma coisa? Como vimos, a mente tanto é atividade consciente como atividade inconsciente de pensamento, de reação, de memória. A mente é resultado do tempo, e o tempo não pode produzir revolução. Ao contrário, só o cessar do tempo produz a revolução fundamental no centro. O centro está afeito ao tempo, o centro é tempo, é todo o “processo” psicológico de ontem, hoje, amanhã — eu fui, eu sou, eu serei — frustração, temor, esperança. Como vemos, a mente não pode produzir revolução; quando o faz, cria mais brutalidade, mais tiranias, mais horrores, e a compulsão totalitária. E se a mente é incapaz de efetuar uma transformação radical, qual é então a sua função?

Espero me estejais seguindo, porquanto não falo para mim mesmo, mas também para vós. Acredito, se essa revolução extraordinária pudesse realizar-se em cada um de nós, criaríamos um mundo diferente, seríamos missionários de uma nova espécie, de uma espécie inteiramente diversa, — não daqueles que convertem, mas dos que libertam. Qual é, pois, a função da mente, ao reconhecer que nenhum esforço, consciente ou inconsciente, da sua parte, pode produzir uma transformação completa? Que deve ela fazer? Apenas, ficar tranquila, não é verdade? Todo esforço de sua parte para modificar-se é produto dc seu condicionamento, de seu temor, do desejo de bom êxito, da esperança de melhorar as coisas; e tal esforço só pode dificultar o descobrimento da solução correta. Vede bem a importância disso. Se reconheço que a revolução fundamental não pode ser produzida por nenhuma reação da mente consciente ou inconsciente; que todas essas reações estão baseadas no temor, que impele à aquisição, na memória, no tempo, e se encontram, portanto, na parte externa, na periferia — se reconheço tudo isso, então o que a mente deve fazer é ficar completamente tranquila, não achais? A função da mente, por conseguinte, consiste apenas em perceber como surgem essas reações, e em não procurar conquistar um determinado estado ou produzir uma modificação no centro, pela ação da vontade. O que pode fazer é apenas observar as próprias reações. O observar, porém, exige paciência infinita; e se sois impaciente, a observação transforma-se num trabalho exaustivo, pois desejais progredir, desejais um resultado. Só quando a mente está sempre apercebida de suas próprias reações de temor, de ganância, de inveja, de esperança, essas reações podem desaparecer; não desaparecem, porém, quando há condenação, comparação, julgamento. Só desaparecem pela observação simples, inteiramente isenta de escolha. A mente se torna então extraordinariamente tranquila, de todo serena, e uma vez existente essa serenidade, opera-se uma revolução no centro. Aí, somente, há a possibilidade de se ser individual, porque então a mente está só, livre de toda influência. Esse estado é criação. Nele, não existe um ‘‘experimentador” que experimenta. Enquanto há “experimentador”, há processo de tempo.

Assim, essa revolução no centro, tão obviamente necessária, não é possível por meio de nenhuma espécie de compulsão ou disciplina, que são coisas muito infantis; realizar-se-á apenas quando a mente estiver de todo tranquila, percebendo, sem escolha, todas as suas reações externas e internas, como um processo total. Vereis, então, surgir um sentimento extraordinário de bem-aventurança interior, o que não constitui uma promessa, nem uma recompensa de vossos valorosos esforços de muitos dias, ou muitos anos, para alcançá-la. Essa felicidade, essa bem-aventurança não é o oposto do sofrimento; nada tem em comum com o sofrimento. Esse estado nasce da compreensão do sofrimento, a qual nos torna livres do sofrimento.

Ao apreciarmos estas questões, espero que vós e eu estejamos realmente refletindo juntos sobre o problema respectivo. Não estais à espera de minha solução, pois eu não dou soluções. É muito simples dar respostas, dizer “sim” ou “não”, como qualquer mestre-escola. O importante é que vós e eu descubramos a solução no próprio problema, porquanto esta é a única solução correta; e para o fazermos, deveis estar vigilantes, e eu devo estar vigilante. A solução correta não se encontra facilmente. Temos, quase todos nós, tanta ânsia de achar a solução e passar ao problema seguinte, que nunca examinamos o próprio problema. Só há um problema, embora possa ter enunciados diferentes; e para que ele seja compreendido através dos seus diversos enunciados, requer-se muita sabedoria, penetração, discernimento, e uma paciência que não é indolência. Para penetrar, compreender, deve a mente estar livre de toda autoridade, de todo o saber dos livros, de tudo o que outra pessoa tenha dito anteriormente. Infelizmente, temos lido tanto, sabemos tão bem o que disse o Buda, o que disse o Cristo ou outro qualquer, que somos incapazes de refletir sobre o problema de princípio a fim. Mas, para que possamos achar juntos a solução correta, tendes de pensar, investigar, penetrar a questão.

PERGUNTA : Dizeis que o libertar-nos do “eu” é uma árdua empresa, e, ao mesmo tempo, declarais que todo esforço de libertação constitui um empecilho a essa própria libertação. Como executar essa “árdua tarefa” sem esforço?

KRISHNAMURTI: Que entendeis por esforço? Quando é que fazeis esforço? E se não há esforço algum, implica isso indolência, estagnação? Comecemos, pois, por averiguar o que se entende por esforço, em que sentido estamos fazendo esforço, e porque fazemos esforço.

Quando dizemos “fazer esforço", entendemos sempre um dispêndio de energias com o fim de alcançarmos um resultado, não é isso ? Desejamos mais saúde, mais compreensão, uma melhor situação econô­mica, social ou política, etc., o que significa que estamos sempre a fazer esforço para chegarmos a alguma parte. Ou, também, fazemos esforço para afastar certos obstáculos psicológicos. Se somos invejosos, dizemos que não devemos sê-lo, criando, assim, uma resistência contra a inveja. Ou, ainda, queremos ser muito eruditos, queremos saber mais, para causar impressão nos outros ou para obtermos um emprego melhor; por conseguinte, lemos, estudamos. Eis tudo o que sabemos a respeito do esforço, não é verdade ? Para a maioria de nós, o esforço ou é positivo ou negativo, um processo de vir a ser ou não vir a ser; e esse mesmo processo provém do centro do ‘'eu”, não é exato? Se sou invejoso e faço esforço para não sê-lo, não há dúvida de que a entidade que faz tal esforço é ainda o “ego”, o “eu”. Todo esforço para dominar o “eu”, positiva ou negativamente, é ainda parte do “eu”, e, por conseguinte, só pode dar-lhe mais força; e ficamos presos nesse círculo vicioso. O problema, pois, é de como quebrar o círculo vicioso, essa cadeia contínua de esforços que só servem para fortalecer o “eu”.

Tende a bondade de seguir o que vou dizer. Só podereis quebrar o círculo vicioso, se ficardes apercebido dele como um processo total. Ao perceber que é invejosa, a mente deseja ser não-invejosa, pensando que o não ser invejoso traz certa compensação; aufere ela certa satisfação do esforço que faz para não ser invejosa, registra uma vitória espiritual. Assim, em não ser invejosa a mente encontra segurança, proteção, e o produtor do esforço é ainda o “ego”, o “eu”. Tende a bondade de perceber bem isso, só isso. Surge, assim, o problema: que devo fazer, quando sou invejoso? Estou acostumado a rejeitar a inveja, a levantar resistência contra ela; vejo agora quanto isso é fútil, quanto é absurdo que uma parte de mim mesmo esteja a negar a outra parte, quando eu sou o todo. Que devo então fazer? Entretanto, jamais chegamos a esse ponto, não reconhecemos nunca o fato de sermos, ao mesmo tempo, a inveja e o desejo de não ser invejoso. Quando somos invejosos, fazemos vigorosos esforços para dominar a inveja, e pensamos que esse esforçar-se é benéfico, e nos libertará do “eu”. Não o fará. Mas quando compreendo, quando estou perfeitamente apercebido de que a inveja e o desejo de não ser invejoso constituem um processo total, há então esforço? Ocorre então algo inteiramente diferente, não é verdade?

Já falei demais nesta manhã?

AUDITÓRIO: Não, não.

KRISHNAMURTI: Muito bem. No momento em que estamos apercebidos de ser invejosos, coléricos ou ciumentos, põe-se em funcionamento um processo de condenação; e enquanto estamos condenando, não há compreensão. As próprias palavras “inveja”, cólera”, “ciúme”, subentendem julgamento, comparação, condenação, não é exato? Através de séculos de educação, de civilização, de ensino religioso, estas palavras adquiriram um sentido de censura, representam algo que cumpre afastar, algo a que devemos resistir, combater, e nossa reação é toda nesse sentido. Assim, ao dar nome a certos sentimentos, já estou em atitude condenatória; e o próprio ato de condenar, de resistir a um sentimento, dá-lhe mais força. Se não condeno a inveja, isso significa render-me a ela? Tornar-me-ei mais invejoso? Ora, inveja é sempre inveja, nem mais nem menos. O desejo, a direção pode variar, mas a inveja é sempre a mesma coisa, quer tenha por objeto um “Ford” ou um “Cadillac”, quer objetive uma casa grande ou uma casa pequena. Assim, pois, o não dar nome à inveja, e portanto o não condená-la, não significa ceder a ela. Quando compreendemos que a pró­pria palavra “inveja” denota condenação, que o sentimento de antagonismo à inveja é inerente à própria palavra, manifesta-se logo um estado de liberdade. Essa liberdade não se opõe à inveja, não é liberdade da inveja. Liberdade de uma determinada qualidade não é liberdade nenhuma, e o homem livre de algo assemelha-se ao homem que está contra o governo: enquanto está contra alguma coisa não é um homem livre. A liberdade é completa em si; não resulta de alguma atitude, não é contra algum estado ou qualidade.

Vemos, pois, que todo esforço para vencermos alguma coisa, para libertar-nos de alguma coisa, só dá mais força ao “eu”, ao “ego”; e quando compreendemos isso realmente, quando estamos apercebidos da qualidade e do seu oposto, como um processo total, e percebemos como a própria palavra encerra condenação ou estímulo, então já não estamos na sujeição das palavras e, portanto, nosso espírito está livre para considerar, observar o que é. A compreensão do que é, e a liberdade que traz, não resulta de exercício persistente, de esforço penoso, a que dedicamos vários minutos todas as manhãs; apenas surge essa compreensão quando estamos apercebidos, em todo o correr do dia, das árvores, dos pássaros, das nossas próprias reações, das coisas que sucedem interior e exteriormente, como um processo total. Quando há condenação ou justificação, comparação ou identificação, não há compreensão do que é; por isso, torna-se dificílimo o estar apercebido. O que é só pode ser compreendido momento por momento, e isso significa devermos estar perfeitamente apercebidos de que estamos julgando, de que cada palavra implica rejeição ou aceitação. Enquanto a mente for a expressão verbal do seu próprio condicionamento, nunca será livre. Só há liberdade quando a mente está aliviada de todo pensamento.

Krishnamurti em, Percepção Criadora, 21 de junho de 1953
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill