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sexta-feira, 6 de abril de 2018

Compreendendo o mecanismo do buscar


Compreendendo o mecanismo do buscar

DESEJARIA, se me é permitido, discutir convosco o problema da busca e o que significa ser "sério". Que queremos significar, quando dizemos que estamos buscando? As pessoas ditas religiosas estão supostamente em busca da verdade, de Deus. Que significa esta palavra? Não queremos a definição do dicionário, mas qual a natureza interior do buscar, o mecanismo psicológico respectivo? Acho que seria importante aprofundarmos bem esta questão; e deixai-me, mais uma vez, lembrar a todos os presentes que devem, através da descrição ou explicação verbal, "experimentar" realmente o que se está discutindo, porque do contrário a discussão muito pouco significará. Se apenas considerais estas palestras como uma coisa para ser registrada, como uma nova série de ideias, para ser acrescentada à vossa antiga série de ideias, elas nenhum valor terão.

Vejamos, pois, se nos é possível examinar juntos este problema real da busca, o que significa buscar. Pela busca, é possível achar algo novo? Porque buscamos, e que é que buscamos? Qual o motivo, o mecanismo psicológico que nos impele a buscar? Desse mecanismo ou motivo depende o que achamos. Porque procuramos a verdade, a felicidade, a paz, ou algo existente além de todas as criações mentais? Qual o impulso, o estímulo que nos impele a buscar? Sem a compreensão desse estímulo, a mera busca será muito pouco significativa, porque a coisa que estamos realmente buscando pode ser alguma espécie de satisfação sem nenhuma relação com a realidade. Mas, se pudermos descobrir todo o mecanismo desse mecanismo de busca, então é bem possível cheguemos a um ponto onde não há mais busca — e talvez seja esse o estado necessário para o aparecimento de algo novo.

Enquanto a mente está a buscar, é inevitável a luta, o esforço, baseados invariavelmente na ação da vontade; e a vontade, por mais requintada, é produto do desejo. A vontade pode ser o produto de muitos desejos integrados, ou de um único desejo, e essa vontade se expressa por meio da ação, não é certo? Quando dizeis que estais em busca da Verdade, atrás de todas as meditações e devoções e disciplinas impostas por essa busca está certamente a ação da vontade, do desejo; e quando buscamos o preenchimento do desejo, quando tentamos alcançar um estado mental tranquilo, encontrar Deus, a Verdade, ou aquele extraordinário estado de criação, começa a "seriedade".

Pode uma pessoa buscar, mas se lhe falta "seriedade", sua busca será dispersa, esporádica, desconexa. A "seriedade" acompanha sempre a busca, e é bem evidente que vos achais aqui porque sois "sérios". Numa tarde de domingo é muito agradável dar um passeio de barco, entretanto preferistes o incômodo de vir aqui, para escutar — e isso, talvez, porque sois "sérios". Descontentes com as ideias tradicionais e o habitual ponto de vista, estais a buscar, e esperais, escutando, achar algo novo. Se vos achásseis completamente satisfeitos com o que tendes, não estaríeis aqui. Por conseguinte, vossa presença nestas conferências indica que estais insatisfeitos; estais buscando alguma coisa, e vossa busca se baseia evidentemente no desejo de vos satisfazerdes, num nível mais profundo. A satisfação que estais a buscar é mais nobre, mais requintada, mas a vossa busca é ainda uma busca de satisfação. Isto é, desejamos achar a integração total do nosso ser, porque temos lido, ou ouvido, ou imaginado que esse é o único estado em que é possível a felicidade livre de perturbações, a paz eterna. Assim, tornamo-nos muito sérios, lemos, saímos à procura de filósofos, analistas, psicólogos, iogues, na esperança de encontrarmos esse estado integrado; mas o impulso, o motivo é ainda o desejo de realizar, de achar alguma espécie de satisfação, um estado mental que nunca seja perturbado.

Ora bem, se desejamos realmente investigar esta questão, a nossa investigação tem de basear-se, por certo, no pensamento negativo, que é a forma suprema do pensar. Não podemos investigar, quando nossa mente está presa a alguma diretiva ou fórmula positiva. Se aceitamos ou supomos alguma coisa, nesse caso nossa investigação é inútil. Só se pode investigar, buscar, quando há pensamento negativo, quando não seguimos nenhuma linha positiva de pensamento. Em geral, estamos convencidos de ser necessário o pensamento positivo, para que se possa descobrir o Verdadeiro. Por pensamento positivo entendo a aceitação da experiência de outros, ou nossas próprias experiências, sem compreendermos a mente condicionada que pensa. Propriamente falando, todo o nosso pensar está atualmente baseado no nosso "fundo" — a tradição, a experiência, o saber que temos acumulado. Acho que isso é bastante claro. O saber dá uma direção positiva ao nosso pensar e, seguindo essa direção positiva, esperamos encontrar a Verdade, Deus, ou o que quiserdes; mas o que realmente encontramos está baseado na experiência e no mecanismo de reconhecimento. Por certo, aquilo que é novo não pode ser reconhecido. O reconhecimento só ocorre através da memória; da experiência acumulada a que denominamos saber. Se reconhecemos uma coisa, essa coisa não é nova, e enquanto a nossa busca se basear no reconhecimento, tudo o que achamos é coisa já experimentada, procedendo portanto do "fundo", da memória. Reconheço-vos, porque já me encontrei convosco antes. Uma coisa totalmente nova não pode ser reconhecida. Deus, a Verdade, ou o que quer que seja que resulte da integração total de toda a nossa consciência, não é reconhecível, deve ser algo totalmente novo; e a própria busca desse estado implica um processo de reconhecimento, não achais?

Acho que o que estou dizendo não é tão difícil como parece. De fato, é muito simples. Quase todos desejamos achar alguma coisa — chamemo-la, por ora, Deus ou a Verdade — o que quer que isso signifique. Como podemos saber o que é a Verdade ou Deus? Sabemo-lo, ou porque temos lido a seu respeito, ou porque o experimentamos; e, quando essa experiência se apresenta, somos capazes de reconhecê-la como a Verdade, ou Deus. Esse reconhecimento só pode provir de nosso "fundo" de reconhecimento prévio, e portanto a coisa que foi reconhecida não é nova; consequentemente, não pode ser a Verdade, Deus. A coisa é o que pensamos que ela seja.

Assim, pois, estou a perguntar a mim próprio e espero estejais perguntando a vós mesmos, que coisa é essa que chamamos "busca". Já expliquei o que implica esse problema do buscar. Quando andamos de guru para guru, quando praticamos variadas disciplinas, quando sacrificamos, meditamos ou exercitamos a mente de alguma maneira, o impulso existente atrás de todo esse esforço, é o estímulo a encontrarmos alguma coisa, e o que se encontra tem de ser reconhecível, senão não poderia ser encontrado. Nessas condições, o que a mente acha só pode ser produto de seu próprio fundo, seu próprio condicionamento; e uma vez compreendido esse fato pela mente, a busca pode não ter tal significação, pode ter então um significado totalmente diferente. A mente pode então cessar de buscar, de todo — o que não significa que está aceitando o seu condicionamento, suas tribulações e misérias. Afinal de contas, foi a própria mente que criou essas misérias e quando a mente começa a compreender o seu próprio processo, é então possível realizar-se o outro estado, o que quer que ele seja, sem aquele esforço perene para "encontrar".

Agora, senhores, vamos discutir a questão. Ela representa um problema para vós, ou eu vos estou impondo este problema? Deveis ter observado quantos milhões de pessoas andam buscando, cada um seguindo determinado guru ou praticando determinado sistema de meditação; ou, ainda, andando de instrutor para instrutor, ingressando numa Sociedade, saindo dela e passando para outra, buscando incessantemente, buscando, buscando, buscando, o que naturalmente pode, afinal, tornar-se um jogo. Assim, pois, talvez já perguntastes a vós mesmos o que significa tudo isso. Ledes o Upanishads, ou o Gita, ou escutais uma palestra em que se dão certas explicações, em que se descrevem certos estados, e todos vos dizem: "Fazei isso, abandonai aquilo, e descobrireis o Eterno". Todos, num certo grau, estamos a buscar, intensamente ou de maneira moderada, e julgo importante averiguar o que significa essa busca. Podemos perguntar a nós mesmos, com toda a simplicidade e diretamente, se estamos a buscar, e, se estamos buscando, qual o móvel dessa busca?

INTERPELANTE: É a insatisfação.

KRISHNAMURTI: Estais bem certo de que isso é uma experiência vossa, e não de outra pessoa? Se for vossa própria experiência, então vossa busca está baseada no impulso dado pela insatisfação e, assim, o que fazeis, senhor?

INTERPELANTE: Andamos de guru em guru, até encontrarmos a satisfação. Mas, mesmo quando isso acontece, não sabemos o que irá acontecer no futuro. A insatisfação é nossa força propulsora, o estado em que passamos a nossa vida.

KRISHNAMURTI: E à medida que ides envelhecendo, vos ides tornando cada vez mais sério nessa busca; mas nunca investigastes se existe realmente uma coisa tal, como seja a satisfação.

INTERPELANTE: O homem está sempre sedento e deseja desalterar-se.

KRISHNAMURTI: Senhor, se continuásseis sedento depois de beber, não procuraríeis saber se é possível satisfazer a sede? E se a satisfação é apenas momentânea, porque então atribuir tanta importância aos gurus, aos sacrifícios, disciplinas, sandhanas, e tudo o mais? Porque vos fragmentais em seitas, criando conflito com vosso próximo e com a sociedade, só por causa de um efêmero conforto? Porque vos entregais ao hinduísmo, ao cristianismo, se isso só vos dá um alívio temporário? Podeis dizer: "Sei que tudo isso só dá alívio temporário, e não lhe atribuo muita importância". Mas, é verdade que, ao irdes ao vosso guru, lhe dizeis que só estais buscando um alívio temporário? Não deveis investigar a este respeito? E pode haver investigação quando o coração é obstinado? A obstinação do coração impede a investigação, não é verdade?

Comecemos daí. Se for obstinado em minha maneira de pensar — o que significa "ser positivo" — se minha mente está entregue a alguma forma de conclusão, opinião ou julgamento, estou realmente em condições de investigar? Dizeis que não. Todos concordamos, mas não está a nossa mente dominada por uma certa conclusão, uma certa experiência? A investigação, nessas condições, não só é tendenciosa mas também impossível.

Senhores, podemos conversar um pouquinho precisamente a respeito disso, devassando a nossa mente, rebuscando-lhe as profundezas, despertando, assim o autoconhecimento. Podemos averiguar se estamos dominados por alguma fórmula, conclusão ou experiência, a que nossa mente está apegada?

INTERPELANTE: Há sempre a esperança de acharmos a satisfação final.

KRISHNAMURTI: Vejamos, antes de tudo o mais, se nossa mente está entregue a uma dada experiência, uma dada conclusão ou crença, que nos está tornando obstinados, inflexíveis, no sentido profundo. Só quero começar daí, porque, como pode haver investigação, quando a mente é incapaz de ceder? Lemos o Gaita, a Bíblia, o Upanishads, tal ou tal livro, o qual deu uma certa tendência à nossa mente, uma certa conclusão a que ela ficou amarrada. Uma mente em tais condições é capaz de investigar? Não é isso que acontece com a maioria de nós, e não deve nossa mente ficar livre de todos os compromissos decorrentes de sermos hinduístas, teosofistas, católicos, ou o que mais seja, antes de podermos investigar? E porque não estamos livres dessas coisas? Quando temos compromissos e queremos investigar, não pode haver verdadeira investigação, mas tão somente uma repetição de opiniões, juízos, conclusões. Assim, nesta nossa palestra desta tarde, podemos largar todas essas conclusões?

Certamente, até os maiores cientistas têm de abandonar todo o seu saber, antes de poderem descobrir qualquer coisa nova; e se vós sois sérios, esse abandono do conhecimento, da crença, da experiência tem de efetuar-se realmente. Os mais de nós somos um tanto "sérios", quando se trata de nossas próprias conclusões, mas eu acho que isso de modo nenhum é seriedade. Não tem valor nenhum. O homem sério, sem dúvida, é aquele que é capaz de abandonar as suas conclusões porque percebe que só assim está capacitado para investigar.

INTERPELANTE: Podemos dizer que abandonamos as nossas conclusões; entretanto, elas tornam a surgir.

KRISHNAMURTI: Sabemos que nossas mentes estão ancoradas numa conclusão? Está a mente apercebida de que se acha dominada por determinada crença? Deixai-me, senhor, expressá-lo de maneira muito simples. Morre meu filho e me sinto desolado — e eis que se me apresenta a crença na reencarnação. Esta crença encerra muitas esperanças e promessas e, portanto, a minha mente a ela se apega. Ora, essa mente é agora capaz de investigar o problema da morte, em vez de investigar, apenas, a questão da vida no além-túmulo? Pode minha mente abandonar essa conclusão? E não deve abandoná-la, se quer descobrir o que é verdadeiro — abandoná-la, mas não sob compulsão de qualquer espécie, nem esperança de recompensa, mas porque a própria investigação exige o seu abandono? Se não a abandono, não sou "sério".

Senhores e senhoras, não vos deixeis desalentar pelas minhas perguntas, que parecem tão óbvias. Se minha mente está atada à estaca da crença, da experiência ou do conhecimento, ela não pode ir muito longe; e a investigação implica que se esteja livre da estaca, não achais? Se realmente estou a buscar, então esse estado em que me acho, amarrado a uma estaca, esse estado tem de acabar-se — preciso romper as amarras, cortar a corda. Não existe, então, nenhuma questão de como cortar a corda. Quando há a percepção de que a investigação só é possível quando estamos livres de nossa obstinação, de nosso apego a uma crença, então esse próprio percebimento liberta-nos a mente.

Ora, porque não sucede isso a cada um de nós?

INTERPELANTE: É porque nos sentimos mais seguros com a corda.

KRISHNAMURTI: Exatamente, pois não? Sentis-vos mais seguros quando vossa mente está condicionada, e eis porque não há aventurar, ousar — e toda a nossa estrutura social está construída dessa maneira. Conheço todas essas respostas. Mas porque não abandonais a vossa crença? Se não o fazeis, não sois sério. Se estais realmente investigando, não dizeis: "Estou investigando, numa determinada direção e devo ser tolerante a respeito de qualquer direção diferente da que estou seguindo" — pois, quando estais realmente investigando, essa maneira de pensar desaparece completamente. Não existe então a divisão de "vosso caminho" e "meu caminho", acaba-se o místico e o oculto, são afastadas definitivamente todas as estúpidas explicações do homem que quer explorar outros homens.

INTERPELANTE: E a própria busca é afastada definitivamente? Busca de quê?

KRISHNAMURTI: Não é este o nosso problema, no momento. Estou dizendo que não pode haver investigação quando a mente tem algum apego. Quase todos dizemos que estamos buscando, e buscar significa realmente investigar; e eu estou perguntando: "podeis investigar, enquanto a vossa mente está apegada a alguma conclusão?" Obviamente, quando se vos faz tal pergunta, respondeis: "Não, naturalmente".

INTERPELANTE: Podeis imaginar o dia em que não haverá mais templos nem igrejas? E enquanto existirem igrejas e templos, podem as pessoas conservar a mente livre de peias?

KRISHNAMURTI: "As pessoas" são sempre vós e eu. Estamos falando a respeito de nós mesmos, e não "das pessoas".

INTERPELANTE: Mas podemos conservar nossa mente livre, enquanto houver igrejas?

KRISHNAMURTI: Porque não, senhor? Permitis-me dizer uma coisa? Esquecei "as pessoas", as igrejas, e os templos. Eu estou perguntando: vossa mente está agrilhoada? Vossa mente é obstinada, está apegada a alguma experiência, a alguma forma de conhecimento ou crença? Se está, neste caso é incapaz de investigação. Direis, porventura: "Estou buscando" — mas é bem evidente que não estais buscando, senhor. Como pode a mente ter liberdade de movimentos, se está presa? Dizemos que estamos a buscar, mas, na realidade, não há busca. Buscar implica estar livre de apego a qualquer fórmula, qualquer experiência, qualquer espécie de conhecimento, porque só então a mente é capaz de mover-se amplamente. É isto um fato, não? Se desejo ir a Banaras, não posso estar amarrado, preso num quarto; preciso sair do quarto e dirigir-me para lá. De maneira semelhante, vossa mente está agora presa e dizeis que estais a buscar; mas eu digo que não podeis buscar nem investigar, com a mente presa — e isso é um fato que todos reconheceis. Porque então não se liberta a mente? Se ela não o fizer, como poderemos, vós e eu, investigar juntos? E esta é a nossa dificuldade, não achais, senhores?

INTERPELANTE: Enquanto existirem igrejas e templos, será difícil nos libertarmos.

KRISHNAMURTI: Senhor, quem foi que criou as igrejas e os templos? Homens iguais a vós e a mim.

INTERPELANTE: Eles eram diferentes de mim, diferentes de nós.

KRISHNAMURTI: Vós e eu podemos não ter criado um templo externo, mas temos nossos templos interiores.

INTERPELANTE: Esta é uma concepção alta demais. É possível a qualquer ente humano buscar o "eu" interior?

KRISHNAMURTI: Parece que não nos estamos entendendo bem, infelizmente. Não se trata de buscar o "eu" interior. Estou dizendo que não há busca nenhuma, quando há apego a qualquer fórmula, qualquer experiência, qualquer espécie de conhecimento. Isto é tão óbvio! Se pensais de acordo com o catolicismo, o protestantismo, o budismo ou o hinduísmo, vossa mente, é claro, é incapaz de investigação. Ao perceberdes tal fato, porque é tão difícil à mente abandonar o seu apego e começar a investigar? Estais aqui a escutar, tentando descobrir, tentando investigar, e eu vos digo que não podeis investigar se existe qualquer espécie de apego, isto é, se a mente se acha escravizada a qualquer conclusão, qualquer fórmula, qualquer espécie de conhecimento ou experiência. Concordais que isso é perfeitamente verdadeiro e no entanto não dizeis: "Vou abandonar todo apego" — e isso indica, realmente, que não sois sérios, não é verdade? Podeis dizer que sois sérios, mas eu vos digo que esta palavra não tem valor nem significação enquanto a mente se acha atada. Podeis erguer-vos às quatro horas da madrugada, para meditar; podeis controlar vossas palavras, vossos gestos, executar todos os preceitos disciplinares, pensando serdes muito sério — mas eu digo que tudo isso são meras práticas superficiais. A mente séria é aquela que, apercebida de sua escravidão, dela se liberta e começa a investigar.

INTERPELANTE: Qual o meio de quebrar o apego a uma conclusão?

KRISHNAMURTI: Senhor, existe algum meio? Se existe, ficais apegado ao meio (risos). Vejo-vos rir, e esta é uma maneira de nos livrarmos de uma questão; mas isso não foi um simples dito espirituoso. Senhores, a liberdade não está implícita na investigação? Eis porque a liberdade está no começo, e não no fim. Quando dizeis: "Preciso submeter-me a todas estas disciplinas, a fim de me tornar livre", isso é o mesmo que dizer: "Conhecerei o estado de sobriedade, depois de me embebedar". Certo, a investigação só é possível em liberdade. A liberdade, portanto, deve estar no começo, e enquanto ela não existir, embora o que fizerdes possa ser, social e convencionalmente, uma coisa satisfatória, essa coisa é destituída de significação. Terá um certo valor para as pessoas que desejam sentir-se em segurança, mas não tem o valor do descobrimento. Ainda que tais pessoas se levantem muito cedo para submeter-se a todos os rigores da disciplina, eu digo que essas pessoas não são sérias. A seriedade está no percebimento de que a mente está amarrada a uma experiência, uma crença, e no libertar-se dessa experiência ou crença coisa que não desejais fazer. Não importa, pois, investigar isso? Do contrário, vireis aqui diariamente, todos os anos, e ficareis apenas escutando palavras, que terão muito pouca significação.

INTERPELANTE: Dizeis que a liberdade precede à investigação, mas desejamos investigar o que é liberdade.

KRISHNAMURTI: Senhor, como se pode investigar com a mente presa? Isto é um simples enunciado de razão comum, senso comum. Se vosso guru diz: "este é o caminho", e ficais preso a isso, como podeis olhar mais longe? Procurais o guru com o fim de investigar — e vos deixais prender pelas suas palavras, hipnotizar pela sua personalidade, e acabais emaranhado nas coisas que ele preconiza. Vosso impulso primitivo é de investigar, mas esse impulso está baseado no desejo de achardes uma esperança ou satisfação, ou seja o que for. Por isso, digo que, para investigar há necessidade, em primeiro lugar, de liberdade. Estou mudando a direção do vosso processo de pensar, que é evidentemente falso, ainda que os livros sagrados digam o contrário.

INTERPELANTE: Que virá após a investigação?

KRISHNAMURTI: Aí está uma pergunta puramente intelectual, se me permitis dizê-lo. Não estais vendo? Desejais saber o que acontecerá "depois", e isso é de ordem teórica. A mente se apraz em fabricar palavras, especular. Eu respondo: vós o descobrireis. — É o mesmo que um prisioneiro perguntar: "Como há de ser, depois que eu sair da prisão?" Para sabê-lo, ele terá de deixar a prisão.

INTERPELANTE: Os que estamos sentados aqui, neste salão, somos aderentes de vários cultos, credos e crenças, e estamos escutando o que estais dizendo, muito embora não o estejamos compreendendo realmente. O que dizeis é novo para a maioria de nós, nunca o ouvimos antes, e conquanto sejam sons agradáveis aos nossos ouvidos, somos incapazes de compreendê-lo. Que é que faz as pessoas ficarem sentadas e quietas durante uma hora inteira, a escutar com toda a seriedade coisas que estão fora de seu alcance? Isso, em si, não é uma forma de investigação, significando que a mente não se acha de fato presa a uma conclusão? Se a mente estivesse presa a uma conclusão, não haveria esse desejo de encontrar um modo de vida diferente, e estas pessoas não viriam aqui ou, pura e simplesmente, tapariam os ouvidos. No entanto, elas vêm e ficam a escutar-vos com muito interesse. Não indica isso uma certa liberdade, para investigar?

KRISHNAMURTI: Que é que vos está fazendo escutar, senhores? Que vos faz ouvir a alguém que diz coisas completamente contrárias a tudo o que credes e a tudo o que vos é caro? É sua personalidade, sua fama, a propaganda espalhafatosa, o barulho que se faz ao redor dele? É isso que vos faz escutar? Se é, então o vosso escutar tem muito pouca significação. Que é, pois, que vos está fazendo escutar? Talvez seja o fato de vos verdes em presença de algo que acontece ser verdadeiro, e apesar de vos achardes presos, não podeis deixar de escutá-lo; todavia, retornareis ao vosso estado condicionado. É isso que vos está fazendo escutar? Ou estais escutando realmente? Entendeis? Estais escutando realmente, ou acontece que já vos habituastes a ficar sentados e quietos, quando alguém fala, porque gostais de ser prelecionados?

Estas não são perguntas vãs. Eu estou realmente procurando averiguar por que razão, quando se diz uma coisa verdadeira, não há reação imediata. Esta é a verdadeira pergunta que estou fazendo. Dizeis, ou eu digo, que não pode haver investigação sem liberdade, o que, evidentemente, é verdadeiro; é um fato, não importa quem seja a pessoa que o enuncia. Ora, por que razão esse fato não produz uma reação imediata, incisiva? Ou tem esse fato uma certa ação misteriosa, peculiar, que não pode exteriorizar-se imediatamente? Alguém expressou o fato de que, para a investigação, é necessária a liberdade, não se pode estar amarrado — e vós escutastes esse fato. Ainda que o tenhais escutado parcialmente, apenas, o fato lançou raízes na vossa mente, porque tem uma certa vitalidade; a semente brotará, não dentro de um certo período, mas brotará, e talvez por isso seja importante prestar ouvidos aos fatos, não importa se voluntariamente, conscientemente, ou se apenas distraidamente. Mas tal é, justamente, o caráter da propaganda. Repete-se constantemente: "Compre tal sabonete"... e acabais comprando. É isto que está acontecendo aqui? Se ouvis repetir constantemente um certo fato e dentro de certo tempo começais a proceder de acordo com o fato, esse procedimento é completamente diferente da ação própria do fato.

Senhores, são horas de parar. Não vos pedirei refletir sobre estas coisas, porque apenas refletir sobre elas é sem significação; mas se desejais realmente investigar a fundo este problema do buscar e o que significa "ser sério", neste caso a mente terá de descobrir a maneira de investigar, e descobrir o que é investigação. Qualquer suposição, qualquer conclusão, qualquer apego ao conhecimento ou à experiência, é um empecilho à investigação. Enquanto a mente está presa a uma certa conclusão, toda investigação representa uma luta ingente, um processo de esforço, atrito, ruptura. Mas se a mente percebe que só pode haver investigação quando há liberdade, tem então a investigação um significado todo diferente. Se se percebe isso claramente, nunca mais se será escravo de nenhum guru, nenhuma fórmula, nenhuma crença. Então vós e eu podemos combinar as nossas investigações e, como resultado disso, cooperar, agir, viver. Mas enquanto a nossa mente estiver presa, terá de haver "vosso caminho" e "meu caminho", "vossa opinião" e "minha opinião", "vossa senda" e "minha senda", e todas as demais divisões e subdivisões que se põem entre um homem e outro homem.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Benares, 18 de dezembro de 1955
Da Solidão à Plenitude Humana


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill