Desconhecemos a real afeição
PERGUNTA:
Porque será que neste país parecemos sentir tão pouco respeito pelos outros?
KRISHNAMURTI: Não sei em que país existe respeito
aos semelhantes. Na Índia, as mesmas pessoas que nos cumprimentam com profundas
inclinações e nos oferendam grinaldas e flores, maltratam os vizinhos, os
criados e os animais. Isso é respeito? Aqui, como na Europa, há respeito ao
homem possuidor de automóvel caro e palacete; há respeito para com os
considerados superiores e desprezo aos demais. Mas é este o problema? Todos
queremos sentir-nos iguais aos que estão mais alto, não é verdade? Queremos
ombrear com os famosos, os ricos, os poderosos. Quanto mais industrializada uma
civilização, tanto mais prevalece a ideia de que os pobres podem tornar-se
ricos, de que o homem que vive numa cabana pode chegar a presidente, e, desse
modo, naturalmente, não há respeito a ninguém; e, acredito, se pudermos
compreender o problema da igualdade, estaremos aptos a compreender a natureza
do respeito.
Ora, existe igualdade? Embora todos os governos,
quer da esquerda, quer da direita, salientem que todos somos iguais, somos de fato
iguais? Tendes uma cabeça melhor, uma capacidade maior, sois mais
prendado do que eu; sabeis pintar e eu não sei; sabeis inventar; eu sou um
simples operário. Pode jamais existir igualdade? Poderá haver igualdade de
oportunidade: nós dois podemos ter a possibilidade de comprar um carro; isso,
porém, é igualdade? O problema, por certo, não se refere a como promover a
igualdade, economicamente, mas ao descobrimento de se a mente pode ficar livre
dessa noção de superior e de inferior, dessa tendência a venerar o homem que
tem muito e a desprezar o que tem pouco. Acho que o problema é este.
Respeitamos os que estão em condições de ajudar-nos, de dar-nos alguma coisa, e
desprezamos os que não podem fazê-lo. Acatamos o patrão, o homem que pode
proporcionar-nos um emprego melhor, uma missão política; ou respeitamos o
sacerdote, outra espécie de patrão, no chamado mundo espiritual. Estamos, pois,
sempre respeitando e desprezando; e não pode a mente libertar-se desse estado
de desprezo e de falso respeito?
Observai bem a vossa própria mente, e descobrireis
não existir respeito enquanto prevalece o sentimento de superioridade e
inferioridade. E o que quer que façam os governos com o fim de igualar-nos, nunca
haverá igualdade, desde que todos nós temos capacidades diversas,
diferentes aptidões; mas o que pode haver é um sentimento muito diferente, um
sentimento de amor, talvez, no qual não existe o desprezo, o julgamento, a
noção de superior e inferior, o que dá e o que recebe. Senhores, isto não são
meras palavras; não estou descrevendo um estado desejável, visto que o que é
desejável faz surgir o problema: “Como chegarei lá?” — o qual, por sua vez, só
conduz a atitudes superficiais. Uma vez, porém, percebais a vossa própria
atitude e conheçais as atividades da vossa mente, nascerá, então, talvez, um
sentimento distinto, um sentimento de afeição; e não é isso que tem importância?
O mais importante não é saber porque umas pessoas
têm respeito e outras não, mas, sim, o despertar aquele sentimento, aquela
afeição, aquele amor (ou como quer que o chameis) em que cessa totalmente a
noção de “alto” e “baixo”. E isso não é uma Utopia, não é um estado que se
alcança com luta, um exercício que se deve praticar todos os dias, até chegar à
meta final. Acredito, o importante é que “escutemos” a revelação desse estado,
absorvendo-a como quem contempla um belo quadro, ou como quem ouve o canto de
um pássaro; e se sabemos escutar verdadeiramente, o próprio escutar, a própria
percepção realiza algo radical. Mas no momento em que a mente interfere com
seus inumeráveis problemas, surge o conflito entre o que deveria ser e o que
é; introduzimos então ideais e a imitação desses ideais, e desse modo
nunca descobrimos por nós mesmos aquele estado em que não existe o desejo de
ser mais,
e não existe, por conseguinte, o desprezo. Enquanto vós e eu andarmos em busca
de satisfação, não haverá respeito, não haverá amor. Enquanto a mente tiver o
desejo de satisfazer-se com alguma coisa, haverá ambição; e
é porque quase todos nós somos ambiciosos, em diferentes direções, em níveis
diferentes, que esse sentimento, não de igualdade, mas de afeição, de amor, se
torna impossível.
Não falo de algo sobre-humano; mas penso que, se pudermos realmente compreender a ambição, o desejo de nos tornarmos mais, de satisfazer-nos, de realizar, de brilhar, se pudermos “viver com ele”, conhecer por nós mesmos todo o seu alcance, olhá-lo como nos olhamos a um espelho, ver exatamente o que somos, sem condenação — se pudermos fazer tal coisa, que é o começo do autoconhecimento, da sabedoria, haverá então a possibilidade de nascer essa afeição.
Krishnamurti em, Percepção Criadora,
4 de julho de 1953
Não falo de algo sobre-humano; mas penso que, se pudermos realmente compreender a ambição, o desejo de nos tornarmos mais, de satisfazer-nos, de realizar, de brilhar, se pudermos “viver com ele”, conhecer por nós mesmos todo o seu alcance, olhá-lo como nos olhamos a um espelho, ver exatamente o que somos, sem condenação — se pudermos fazer tal coisa, que é o começo do autoconhecimento, da sabedoria, haverá então a possibilidade de nascer essa afeição.
Krishnamurti em, Percepção Criadora,
4 de julho de 1953
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