Como repetidamente o tenho dito,
as palavras apenas têm valor quando transmitem o verdadeiro significado das
ideias que estão por detrás delas. Se disto vos recordares, então não haverá
confusão. Não vos é dado descrever algo que seja indescritível por meio de
palavras; as palavras, porém, têm que ser usadas como um pintor faz uso das
tintas e da tela, para transmitir o significado de sua visão. Se, porém,
meramente vos deixardes colher pela técnica da pintura, então não apanhareis o
pleno significado da ideia que o pintor deseja transmitir. Em todas as minhas palestras estou dando uma
nova interpretação às palavras. Será muito difícil para vós,
portanto, o compreenderdes, se simplesmente vos deixardes colher pelas
palavras. Tendes que ir além das palavras e vos esforçar por perceber o significado
que eu pretendo dar-lhes e não apenas emprestar-lhes aquela significação que
seja vossa conveniência.
Tenho dito que através da
individualidade surge o apego e vou explicar o que entendo por individualidade
e o que entendo por apego. A Individualidade é a existência desperta,
autoconsciente e limitada, a qual, sendo imperfeita exige esforço; deste esforço
nascendo o apego. No esforço acha-se implícita a luta e essa luta exige conforto.
Do conforto brota o medo, o qual por sua vez se apega ao conforto que é o apego
às pessoas, às ideias, aos dogmas, às concepções pré-estabelecidas da vida.
Portanto, necessitamos de plenamente compreender o propósito da luta, o
significado do esforço. Assim, do esforço nascido da limitação da
individualidade autoconsciente surge o desejo de buscar abrigo; e nesse abrigo
sois colhidos e ficais embaraçados, e não mais desejais empreender a luta para
vos libertardes a vós mesmos da individualidade autoconsciente.
Por causa do medo emprestais
atributos de consolação à verdade; dais à verdade essas qualidades
confortadoras que o temor vos faz desejar; qualificais a verdade por meio do
medo. Portanto, a verdade torna-se confortável, aprazível, e, daí, pessoal. Se,
porém, olhardes para dentro de vossos próprios corações e mentes, verificareis
que o desejo, em sua busca secreta, a todo o instante atribui à verdade poderes
consoladores, que vossa individualidade autoconsciente exige em sua luta.
Nesta, estais buscando estabelecer uma teoria confortável da verdade. Supondes
que a verdade seja confortadora, pessoal, encorajadora, compassiva, amorável,
etc. Ora, para mim, a verdade tudo integra — amor com seus opostos de ódio,
ciúme, inveja, cobiça. Não compreendais nem apliqueis indevidamente esta
explanação. Na verdade estão todos os
opostos, pois que ela é todas as coisas. Assim, pois, o desejo de
estabelecer a verdade como um santuário confortador, consolador, deve ser
inteiramente repelido. Toda a vez que derdes à verdade este atributo
consolador, pessoal, estareis vos apegando à individualidade e ansiando pela
sua permanência. Por outras palavras, estareis buscando a imortalidade por meio
da individualidade.
Ora, vós, este indivíduo
autoconsciente, limitado, não podeis, na limitação, atingir à imortalidade. A
imortalidade é a libertação de toda a consciência, sendo a consciência essa
desperta autoconsciência criada pela limitação, na qual existem o “eu” e o “tu”
originados pela separação. A individualidade, que abrange o desejo de apegar-se
a essa individualidade, e o amor a outros indivíduos — não constitui uma
finalidade em si mesma. A individualidade é apenas a limitação, a expansão
dessa consciência limitada, seja em que proporção for e não pode proporcionar a
imortalidade. A consciência é criada pela separatividade e por causa dessa
separatividade surge o esforço.
Consciência é esforço contra a
limitação e não pode existir a imortalidade na limitação. A imortalidade reside
somente fora da limitação. Quando há esforço consciente na separação, na limitação,
cria-se a ilusão do “tu” e do “eu” e desejo de prolongar este “eu” através do
tempo e mediante o culto de um outro “eu sou”; porém, por evoluído, por grande
que seja esse outro “eu sou”, fica sendo um outro “eu sou”.
Assim, a autoconsciência
fortemente desperta que é o “Eu”, a todo o instante está buscando a
imortalidade, sua permanência na separatividade; porém, não pode haver
imortalidade, permanência para aquilo que é causado pela limitação, pela
exclusividade. Limitação é apenas negação; não é completa, integral; e para
esta vida limitada, que denominamos individualidade, não pode existir
imortalidade, pois que a autoconsciência está desperta pela limitação e somente
no remover dessa limitação reside a imortalidade.
Portanto, o “eu” é a limitação da
separatividade. Assim, necessitais de remover esse muro de limitação e
firmar-vos na verdadeira liberdade de consciência. Isto é imortalidade e
permanência. Isto é estar além do tempo e do espaço, para além do nascimento e
da morte.
Assim, como não pode existir
imortalidade na separação, precisais buscar aquilo que é duradouro, por meio da
inclusividade, por meio do desejo
dirigido para o todo — não para
a parte, não para o prolongamento do “Eu”, porém pelo amortecimento do “Eu”
mediante o esforço continuado, e contínuo ajuste, a constante reflexão e
observação contínua. Liberdade de consciência é vida. Liberdade de consciência
não é aniquilamento completo ou condição de sono perpétuo; é a consumação de todo esforço, a
união de todos os opostos; é sábio o
homem que venceu os opostos e se acha liberto do esforço. — Sei que logo
haveis de perguntar como há de existir o mundo se não houver apego pessoal? O
mundo nada mais é do que vós mesmos multiplicados e, se ocorrer a vitória sobre
a separatividade por meio de vosso esforço individual, então tereis elevado o padrão
do mundo. Mediante o vosso entendimento da imortalidade e com o viverdes nessa
imortalidade, nessa vida que é contínua duradoura, perpétua, não destruireis,
porém, sim, elevareis o mundo. Por isto é que a minha insistência se concentra
sobre a conquista individual da muralha da separação. O indivíduo que houver
vencido, é livre, acha-se liberto; tornou-se a totalidade; é o todo, de mente e
amor sem empecilho, ilimitado, incondicionado.
Para a conquista desta muralha da
separação é preciso que haja em primeiro lugar, desapego em vez de apego — pois que
o desapego leva à conduta correta. O desapego sem propósito nada mais é que
negação; porém, o desapego que eleva à conduta, torna-se positivo, ativo — ao
passo que o desapego que não conduz à coisa alguma pode tornar-se indiferença,
que, uma vez mais, é negação; e na negação há sempre limitação, tristeza, dor,
sofrimento. Quando o desapego de tudo, o que resulta da separação consciente do
“tu” e do “eu” conduz à orientação da reta conduta, do viver reto, da ação
reta, então esse desapego leva-vos ao ser positivo, a essa pura consciência, a essa intuição que é a totalidade da própria
vida.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 2 de agosto de 1930