A vida é um processo de
desenvolvimento por meio da seleção; e é assim, quer se seja jovem ou velho.
Tanto a juventude como a velhice têm suas ilusões. Os velhos têm as ilusões das
superstições ocultas nas quais buscam refúgio para o conflito com a vida. Os
jovens de hoje, frequentemente, não têm crença alguma; acham-se em revolta
contra todas as ortodoxias. Porém, esta revolta, pode, ela própria, ser uma
ilusão pelo fato de ser, muito frequentemente, somente uma oculta
auto-indulgência. A ortodoxia de qualquer espécie que seja implica disciplina e
a revolta contra a autoridade pode ser a revolta contra isto. De modo que tantos
os jovens como os velhos possuem suas peculiares ilusões — encontrando-se as
dos velhos no conforto da superstição, e as dos jovens na descrença
confortável. Nos velhos isto induz à estagnação, nos jovens à revolta sem
sentido. Quando ferirdes a raiz da ilusão por meio da seleção e por meio do
esforço, estareis libertando essa vida que é verdade. Não se trata de atingir
alguma coisa; trata-se simplesmente de libertar algo que já existe. Pelo
libertar a vida de ilusões vós a capacitais a funcionar livremente através de
vós e assim a vós próprios firmais nessa perfeita
serenidade de pensamento e pureza de emoção que faz parte da liberdade da
vida. Para ferirdes a raiz da ilusão precisais primeiro saber qual é a sua
raiz. É o desejo. Averiguai quais
são os vossos secretos desejos e sabereis o que é que está criando as vossas
ilusões. Não procureis, porém, matar o desejo, pois o desejo é vida. Buscai
simplesmente desejar com verdade —
isto é, desejar do ponto de vista da
Vida Universal, não da vida separada. Quando puderdes fazer isto tereis
atingido a espécie de desejo, que não acalenta ilusões.
Buscar alcançar a verdade pela
destruição do desejo é como destruir as raízes da árvore e ao mesmo tempo
esperar que ela proporcione frescas sombras, fragrância e folhas verdes. Se
destruirdes o desejo, até mesmo o vosso crescimento como seres humanos ficará
destruído. O problema é manter e intensificar o desejo, ao mesmo tempo que
impedi-lo de buscar satisfação na ilusão. Uma vez que possais efetuar isto,
então vosso desejo será livre. Na maioria das pessoas há conflito entre o
desejo e os meios de auto-realização que a ele se impõem e assim, em lugar do
desejo finalizar pela felicidade — como o deveria — termina pela tristeza. E
quando isto acontece, o desejo busca imediatamente conforto. Isto é, ferido
pelo seu próprio resultado, busca refúgio em si mesmo e por esta maneira
estabelece um padrão ilusório de espiritualidade. Quase todos se satisfazem com
este padrão, não reparando que ele não colabora para os fins do preenchimento
da vida, porém antes para a negação desse preenchimento. A espiritualidade que
flui da vida evidencia-se espontaneamente a si mesma na conduta. Quando a
espiritualidade for uma simples fuga da vida, dá-se sempre o conflito entre ela
e a conduta.
Há três estágios na evolução do
desejo. No primeiro, pensa o homem que será feliz de possuir uma casa,
automóvel, livros ou dinheiro. Não estou condenando este estágio; é uma
primeira tentativa natural para formular o anseio verdadeiro que a pessoa que
dele é objeto não compreende ainda. O que ela realmente está buscando é uma beleza e uma felicidade que são
impessoais; porém não se apercebe perfeitamente disto e muito naturalmente
interpreta-o como uma busca de bens pessoais. Porém, uma tal busca, implica
inveja, cobiça, ódio e exploração dos outros, pois que tem de ser alcançada as
custas de outrem e, sendo esta a sua natureza, tem que, cedo ou tarde, produzir
a desilusão.
Tempo virá em que o homem
descubra que por meio das posses a felicidade jamais pode ser atingida; e
quando ele verifica isso, vulgarmente entra no segundo estágio do desejo, a
transferência do anseio pelas posses para o reino das coisas sutis. Aí o desejo
toma o caráter de apegar-se aos confortos espirituais para que o protejam
contra o conflito com a vida. Exatamente como alimentará a ânsia pela riqueza e
outras coisas mais, afim de proteger-se contra a luta da existência física,
assim agora procura os guias, os gurus,
as autoridades de modo a estas pouparem-lhe o conflito em um nível superior. Porém,
mais uma vez, isto tem que demonstrar-se ilusório, pois que a maneira única de
escapar ao conflito é a vitória. E assim, o segundo estágio do desejo é
abandonado e entra ele no terceiro (por favor lembrai-vos de que estes estágios
não constituem divisões reais. A vida, em si, não pode ser subdividida por esta
maneira. É por mera conveniência que deles falo).
O terceiro estágio parece a
princípio semelhante à pura negação pois que representa o abandono de todas as
tentativas para encontrar a felicidade em algo externo — seja nos confortos
físicos externos, seja nos confortos espirituais tais como os Mestres e os
instrutores. Se, porém, tivermos a coragem de realmente entrar nele,
verificaremos ser positivo, não negativo. O eliminar todo o desejo de auxílio
externo é libertar o verdadeiro desejo o qual se refere ao desejo que somente
pode ser encontrado dentro de si próprio.
Isto é o que realmente estamos buscando a todo o instante, porém sem o
sabermos. É o significado real da busca do auxilio exterior. Quando o desejo é
assim liberto, a própria vida fica livre. Pois um tal desejo nada mais é que
vida.
O verdadeiro desejo é puro ser, é a mais alta verdade, a mais
alta espiritualidade, o absoluto. É a ligação do amor com a intuição, é Deus, é
tudo.
Para libertardes, portanto, os
vossos desejos, tendes primeiro que verificar a espécie de satisfação que eles
buscam, e depois colocar à prova essa satisfação à luz da intuição; isto é, ver
qual o valor que eles têm em relação ao puro
ser. Então, seguramente, haveis de verificar que não pode existir
verdadeira interpretação para o desejo, que torna a sua satisfação dependente
de outrem. Somente dentro de vós e por intermédio de vós mesmos, podereis realizar
o puro ser, de modo que somente
pelos vossos próprios esforços, pela vossa seleção continuada e constante consecução,
podeis alcançar o preenchimento, podeis chegar à consumação do desejo — essa
consumação pela qual a vida manifestando-se como desejo, realmente anseia.
Existe somente uma prova para
todas as vossas ideias e emoções, e esta é saber se elas pertencem ao mundo do
que é perdurável; porém o aplicar esta prova subentende a necessidade de pensar e sentir por vós mesmos, coisa que é a última
coisa a ser desejada pela maioria das pessoas. Tendes que possuir uma visão
independente da vida; vosso pensamento deve ser original, não meramente
mecânico. A chave para a mais alta das realidades é a independência —
independência de pensamentos, de ação e sentimento. Por muito difícil que seja
isto, deveis praticá-lo sem restrição.
Crescer é lutar, e aquilo pelo
qual tendes que lutar não é algo para o vosso eu separado, nem é assunto de
cultivar esta ou aquela qualidade especial. É simplesmente o libertar a vida. A
pergunta a ser feita é: Flui ela espontaneamente provindo de um impulso
interior, sem depender de nada de exterior fora dela mesma? Somente por esta
maneira é que a mais alta realidade é atingida. Tudo mais fomenta a desordem,
confusão e tristeza. É confinar a vida dentro de gaiolas ou pelo menos, substituir uma
gaiola por outra.
Assim, pois, homem feliz é aquele
que encontrou sua própria verdade — não a verdade de outrem — o homem que segue
a voz de sua própria intuição a qual é a voz do Eterno dentro dele existente.
Jiddu Krishnamurti, 1930