A dificuldade para a maioria da
humanidade está no encontrar-se incerta; e, na sua incerteza, os indivíduos,
naturalmente, apegam-se às crenças, aos dogmas e aos credos. Imediatamente após
vos haverdes assegurado de vossa integridade e do propósito da vida, não mais
necessitareis de crenças, de dogmas para vos sustentarem em vossa fraqueza.
Achando-vos seguros, naturalmente confiareis em vosso próprio entendimento.
Portanto, a coisa que primordialmente é necessário ter em vista, é o vos
assegurardes de vosso propósito e do significado de vossos desejos e lutas; e,
quando assim vos houverdes sacrificado, começareis a criar dentro de vós um
espelho que refletirá imparcialmente todos os vossos pensamentos e emoções.
Nada estou inventando de novo,
pois sustento que em assuntos espirituais, nada existe de novo sob o Céu. Eu
posso expressar a verdade por maneira diferente da vossa, porém ela é,
essencialmente, a mesma verdade. Porém, toda a coisa se
torna nova para o homem que descobre a verdade. Ela é vital, imensamente
nova para mim; ela é ilimitada, isenta de esforço, pelo fato de havê-la eu encontrado em mim mesmo. Em virtude do processo da
vida — gradualmente, não de um jato — tirei à cobertura àquilo que estava no
interior e por esse modo libertei a vida. Isto não é nada de novo. A novidade
consiste somente em vossa própria descoberta do que é antigo. Se levantardes
uma pedra e olhardes o que está por debaixo dela, descobrireis o que ali se
acha oculto. Do mesmo modo se removerdes todas as barreiras das circunstâncias,
as estreitas limitações colocadas sobre vós pelas coisas exteriores, aquilo que
descobrirdes será vosso e em relação a isso não pode haver dúvida. Então
caminhareis em vossa própria integridade, em vossa própria firmeza de
propósito; então estrareis seguros e certos.
Falo-vos dessas coisas que jazem
ocultas dentro de vosso próprio coração, e no coração de todo o homem no mundo.
Não é isto uma revelação nova. A maioria das religiões estão fundadas sobre a
revelação, pois que as pessoas que buscam o misterioso sem entendimento daquilo
que é sincero, simples, amável. Para descobrirdes por vós mesmos essa certeza,
tendes que ter em conta aquilo que eu digo, imparcialmente, com completo
desprendimento, sob um ponto de vista impessoal. Quando ides a uma representação,
observais os atores, suas dores e prazeres, seu riso, sua linguagem, suas
tragédias. Do mesmo modo vos deveis
tornar um espectador de vós mesmos, um expectador que vigia e que discerne; e,
por meio desse discernimento, deve nascer a certeza, de modo que as vossas
preferências pessoais não venham a perverter o vosso entendimento. Vossas preferências individuais, vossos
gostos e desgostos pessoais, nada têm a ver com a verdade.
Quando introduzirdes, o elemento
pessoal em vosso julgamento, pervertereis inevitavelmente o vosso entendimento.
Precisais distinguir entre o que é pessoal e o que é individual. Pessoal é o
que é acidental, e por acidental significo eu as circunstâncias de nascimento,
de ambiente nas quais sois criados, a vossa educação, as vossas tradições, as
vossas superstições, as vossas distinções de nacionalidade, de classe, e todos
os preconceitos que por esses meios se desenvolvem. O que é pessoal refere-se
somente ao acidental, ao que é momentâneo, ainda que tal momento dure a
extensão de toda uma vida. A educação moderna conduz à perversão do pensamento
e o espírito de nacionalidade, de classe, de tradição, fortifica-se por meio do
medo. Quando julgardes um fato, não o julgueis de um ponto de vista pessoal,
porém sim do ponto de vista do indivíduo, que é o do ser.
O eu é o resíduo de toda a
experiência; não apenas da experiência acidental, porém da de todo o instante;
não a do momento, porém a da eternidade; não a dos sistemas férreos tradicionais,
porém a da vida que se acha liberta. Este eu é a resultante do desenvolvimento
de vossa própria uniquidade, de vosso próprio crescimento por intermédio do
qual alcançais o entendimento. Isto é a individualidade. Não confundais o
individual, com o pessoal. Na individualidade, se a puderdes levar até a sua
origem, se a puderdes separar de vossa personalidade, encontrareis a verdade,
essa intuição que é razão, que é a consumação da inteligência.
Por outro lado, há o eu que é
eterno, que somente pode ser desenvolvido por meio de vossa própria uniquidade,
que é o resíduo de toda a experiência, que é inteligência, intuição, razão; e
por outro lado existe a personalidade que pertence ao momento, que é o
resultado do nascimento, da nacionalidade, da classe e assim por diante. Por
isto é que uma e outra vez tenho eu insistido em que precisais
deixar de lado o que é pessoal, o que não é essencial e ajuizar de todas as
coisas sob o ponto de vista do eterno, que é o indivíduo. E, para
descobrirdes o indivíduo, tendes que colocar de lado todos os vossos pontos de
vista pessoais. Isto exige constante equilíbrio, contínuo ajuste e pensamento.
Para compreender o significado da
vida não vos deveis deixar colher pelo que é momentâneo, pelo que é pessoal,
porém, antes, abandonar
tudo isso completamente, disso vos dissociardes integralmente, e então
olhais para todas as coisas do ponto de vista do eterno, isto é, do ego. Com
isto em mente, perguntai
a vós mesmos o que é o “Ser”, e esforçai-vos por obter êxito nesta
tentativa de descoberta do que é a individualidade, desenvolvida por meio da
uniquidade, por meio da experiência, esforçando-vos por buscar e atingir. E,
tentando isto deixai de lado as limitações da personalidade, o que é
momentâneo, o que é incidental, para assim libertardes a vida.
A individualidade — uso esta palavra em um sentido completamente
diferente — é imperfeição. Isto é,
enquanto o indivíduo está separado, a todo o instante adquirindo, assimilando
experiência e crescendo, é imperfeito. Pelo contínuo ajuste no contato frutífero
com a vida, a individualidade, que é separatividade, que é imperfeição do ego,
vai gradualmente afrouxando sua separação. Isto é, o ego, a verdadeira
individualidade, está a todo o instante buscando assimilar as experiências da
vida; e se exercerdes compulsão sobre o
que é pessoal, bloqueareis um dos canais por meio dos quais o ego pode assimilar a experiência; estareis
colocando uma limitação sobre ele, estareis pervertendo-o, suprimindo-o. Enquanto o ego
reagir aos estímulos do exterior será imperfeito. Enquanto as
circunstâncias incidentais da vida puserem uma limitação a este ego, seus julgamentos
serão pervertidos, haverá imperfeição; quando, porém, este ego que é
vida age sem reagir, há perfeição — pela qual eu entendo um fluxo ininterrupto
e incorruptível de pura vida.
Não estou condescendendo em
gastar meras palavras. A flor dá seu perfume e nada pede em troca. Ela é bela,
inconsciente de sua perfeição. O homem, porém, esse tem que atingir a perfeição
consciente — isto é, a ação que não reage e por isso não cria Karma. Ela é a pleno
saber, a verdadeira compreensão do Ser. Para atingir esta perfeição — isto é,
para deixar a vida atuar a partir do interior, sem reação, a qual, naturalmente, cria barreiras, limitações, —
para isso necessitais entrar em contato com a vida, com a experiência e, em
primeiro lugar, passar por uma série de reações e de lutas, até que pela
experiência elimineis
vossas reações. Ninguém vos pode dirigir ou ajudar a atingir este
estado de perfeição; ele pode somente ser alcançado por meio da experiência.
Ele desafia — deve desafiar — todo o auxílio do exterior, pois que não depende
de circunstância de momento. Esta é a consecução da vida. Voltarei a mesma
coisa por maneira diferente. A vida, liberta a
partir do interior, é eterna, sem começo e nem fim. A libertação é o
entendimento dessa vida que é verdade e o estar em harmonia com ela. É esta a
flor, a consumação, da vida individual.
O desejo de possuir, de excluir,
é comum a todo o homem. Este desejo está continuamente buscando preencher-se a
si mesmo na experiência. O desejo é a fagulha que cria a grande chama que dá
calor, que consome todas as escórias das coisas não-importantes, que queima as
palhas do não-essencial. A partir do momento que pervertais, suprimais ou
desviais o desejo, sem entender o seu propósito, estareis obstruindo um dos
canais da vida. Haveis de perguntar: “E se eu quiser comprar um automóvel, é
justo que o faça?” Se realmente o quiserdes, fazei-o. Não me pergunteis se é um
bem ou um mal. Averiguai por vós mesmos e aprendei da experiência No entanto,
sede honestos convosco próprios. A finalidade do desejo é derrubar as reações
do ego, libertar a esse ego; e o desejo necessita de possuir a experiência. Se,
porém, meramente condescenderdes com o desejo sem entender o seu propósito, não
fareis mais que ser colhidos em outras gaiolas, em outras limitações; e daí,
seguir-se-á a tristeza. Não torçais o desejo, compreendei o seu propósito. Se
vos atemorizardes de vossos desejos e os suprimirdes sem entendimento, estareis
torcendo o eu. Se, porém, por meio do entendimento, traduzirdes o desejo em
ação propositada, estareis libertando a vós mesmos daquelas barreiras que
reagem sobre o eu.
A verdadeira moral é tudo que
labora no sentido da abundância e da riqueza da vida individual, e toda a coisa
contraria a isto é imoral. Não busqueis tornar-vos de um padrão, pois que
somente podeis enriquecer o eu por intermédio de seu crescimento, por sua
própria uniquidade, sua própria experiência. Se vos tornardes uma máquina, uma
mera personificação de funções, sereis, sob o meu ponto de vista, insanos e
imorais. Uma máquina não se pode aproximar da verdade. A verdade não faz parte
dos padrões. A verdade reside no processo de viver de cada dia, e não em uma súbita
explosão de atingimento. A verdade não tem que ser atingida ao fim de nossa
vida, porém sim assimilada através de todo o processo de viver. Ela é o
crescimento que vai da perfeição inconsciente, passando pela imperfeição
consciente, até chegar à perfeição consciente.
Qual a diferença entre um homem
que se acha unido com a vida e um outro que o não está? Tudo quanto a Natureza
cria está sendo inconscientemente aperfeiçoado. Desta perfeição inconsciente
surge a imperfeição consciente, e da imperfeição consciente, por meio de uma
série de experiências, atingis gradualmente a consciente perfeição. Nessa
assimilação é que reside a verdade e em nada mais. O atingir desta verdade evidencia-se pela ação
quando é isenta de reação. Aprendei a utilizar todos os incidentes
da vida. Sede intensamente ativos em vosso interesse. Não vos torneis um ser
humano mecanizado, um mero copista no escritório do mundo. Se vos encontrais
descontentes com o vosso cargo, abandonai-o. Então, não mais vos estagnareis e
não deixareis que as circunstâncias exteriores criem a tristeza dentro de vós.
Deveis encarar a tudo isto do
ponto de vista do que deve ser e não do que é. Condições insanas exigem
médicos, coisa fora do natural. Todos os médicos são anti-naturais. Não
contempleis a vida sob este ponto de vista não-natural, porém sim do ponto de
vista são da auto-confiança, da auto-suficiência e da naturalidade.
Para resumir: a riqueza, a
suavidade, a franqueza dessa vida que está dentro de cada um de nós, precisa
ser liberta por meio da experiência, não por meio de sistemas, dos credos e das
religiões. A
experiência não exige interpretes. Não permitais que pessoa alguma
interprete vossa experiência da vida, exceto vós próprios. O viver na
experiência que seja vossa, cria certeza de propósito e dessa certeza provém o
êxtase da luta para compreender a vida. A luta é penosa para a maioria das
pessoas, é tristonha; ela embota o gume do pensamento e do sentimento. Se,
porém, tiverdes compreendido o propósito da vida, o qual é tornar o eu rico e
harmonioso, então a luta tornar-se-á realmente sensacional. Para vos tornardes
certos e viver nessa certeza, precisais deixar de lado as coisas do momento e
julgar todas as coisas impessoalmente, do ponto de vista da razão, a qual é a
casa de armazenagem de toda a experiência. Julgai, agi e vivei naquilo que é
eterno. Somente desta maneira encontrareis o eu que é eterno, que não projeta
sombras sobre o vosso caminho.
Jiddu Krishnamurti em 2 de janeiro de 1930