Temos que muitos dias sejam
necessários afim de responder a todas as perguntas que me foram feitas, e,
portanto, fizemos o seguinte: reunimos todas as perguntas semelhantes a fim de
formular perguntas sintéticas. Se examinardes as respostas, verificareis que
vossas perguntas foram por esta maneira, respondidas. Assim, pois, não vos
sintais molestados se aparentemente vossas perguntas foram deixadas de parte:
elas realmente não o foram.
Pergunta: Em resposta a uma pergunta de ontem acerca do homem civilizado
que nada pede para si próprio seja de quem for, haveis dito: “temos que ser
transigentes com coisas físicas”. Isto pode levar a desentendimentos. Podeis
explicar isto um pouco mais?
Krishnamurti: Para
explicar isto um pouco mais, tendes que ter em vista o desejo. O desejo busca a
felicidade por muitas maneiras, e em sua busca cria conflitos. Ora, o homem
busca primeiro, a felicidade por meio de uma multidão de coisas — posse,
dinheiro, casas, roupas, todos os requisitos da civilização moderna. Depois,
passa a um mundo mais sutil de gozo, onde ainda pelo desejo busca a felicidade.
Não a encontra aí e por isso torna-se indiferente, que é o libertar-se da tristeza
por maneira negativa — pois não é isto um estado do ser positivo. Assim, uma
vez mais necessita ele de sofrer até que chegue a esse estado do verdadeiro ser
que é a consumação da felicidade.
Quando ontem disse que se
necessita de ter transigências com as coisas físicas, é preciso compreender o
que eu tenho em vista: Deve haver completo desapego de todas as coisas — de
todos os confortos, do desejo de posses, dos gozos tanto sutis como grosseiros
— não pela autoridade, ou pelos temores, mas por vós mesmos o quererdes; e por
meio deste desejo sobreviverá o êxtase e a atividade do ser. Quando disse que
precisamos transigir com as coisas físicas, quis dizer que necessitamos, por exemplo,
de usar um par de calças, porém que nada serve o multiplicar essas calças até
várias centenas. A felicidade não se encontra nessa direção. Tendes que possuir
um certo mínimo, porém, sem apegos;
e então estareis livres, ficareis indiferentes a essas coisas. Sei que
imediatamente irei traduzir isto em milhares de outras coisas. Por isso é que
fiz minha introdução ao que ia expender dizendo: Examinai os vossos desejos,
verificai se o vosso desejo se apega ao conforto, à popularidade, às modas, a
todas as idiossincrasias inúmeras do homem — ou antes do ainda-não-homem. Depois, após grande exame e cuidadoso pensar
ficareis libertos dessas coisas. Então não mais se tratará de transigências.
Isto, porém, exige grande concentração, grande reflexão, afim de reconhecer o
alvo do desejo. Podeis deixar de lado as vossas roupas, o vosso hábito de
fumar, de comer carne, e tudo mais a persistência, porém ainda esse desejo pode
estar apegado apaixonadamente a qualquer outra coisa. É pelo completo desprendimento, pela libertação
de todos os apegos, sem transigência de qualquer espécie, que chegareis a plena
realização da verdade. Podeis estar libertos de apego físico,
libertos do desejo de conforto; se, porém, sentirdes o desejo de vos abrigar do
medo, de possuir tabernáculos mentais nos quais tomeis refúgio, ideias
confortantes nas quais busqueis consolação — então não estareis realmente
desapegados. Com todas estas coisas não deve haver transigência. Quando não mais
houver esse apego doloroso às coisas, grosseiras, sutis, ou sem forma, então
desse desprendimento provirá o êxtase de viver, do ser, que nada mais é que o perfeito equilíbrio da naturalidade.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 6 de agosto de 1930
(Campfire)