A mais alta consecução da
espiritualidade é o viver em harmonia no presente. O viver em harmonia é um
contínuo ajuste, um contínuo julgar equilibrado, entre o caminho certo e o
caminho errado, entre o essencial e o não essencial. O viver em harmonia é
sensitividade, isto é, tornar-se sensível às reações de outras pessoas sobre
nós mesmos; e isto exige tato e também esse contínuo apercebimento das coisas
que ocorrem ao vosso redor nas quais se acha implícita a manifestação da vida.
Esse instinto expresso sob a forma de gostos e desgostos, o qual existe em cada
um de nós, deveria ser um último turno amoldado à razão e deveria funcionar de
acordo com os seus ditames. É esta a mais elevada forma de inteligência
A inteligência é a consumação da
experiência e, se mantiverdes essa inteligência altamente desperta, plenamente
ativa, então dela decorrerá a intuição a qual é razão. Este, para mim, é o
viver harmonioso que é a mais elevada forma de espiritualidade, pois que é
auto-harmonia, perfeito equilíbrio da razão e do amor. Se de contínuo não
estiverdes fazendo isto, incessantemente e intensamente, a vida virá ensinar-vos pela tristeza. Se a tristeza
não for compreendida e o propósito da tristeza não for entendido, continuareis
a sofre e, portanto, a viver na morte. Dado que vos encontrais lutando, ainda
que sejam colhidos pela tristeza, se não tiverdes a compreensão dela, haverá
discórdia. E a discórdia é o processo contínuo mediante
o qual o equilíbrio é atingido.
Se não entenderdes à finalidade
dessa luta entre a razão e o instinto, a luta torna-se meramente um movimento
de pêndulo sem propósito determinado e quando esse movimento pendular começar a
desenrolar-se, estareis vivendo na morte. Isto é o que acontece à maioria das
pessoas que se encontram prisioneiras da tristeza. É tão mortificante isto, tão
cansativo que elas perdem o propósito, o entendimento da tristeza. Pouquíssimos,
são felizes na luta, pois que não compreendem seu propósito, o qual é o de
atingir o equilíbrio, o qual é ainda auto-harmonia. Portanto, necessitais, em
primeiro lugar, de compreender o objetivo da luta. Na luta, em si mesma considerada,
não há muito valor, porém, há valor naquilo que é produzido por meio da luta.
Assim como um jardineiro coloca sementes na terra para produzir flores e frutos
que hão de vir a dar alimento, assim também no terreno da luta tendes que
produzir o equilíbrio e a auto-harmonia. Ninguém pode executar isto para vós,
tendes que ser vós mesmos.
A moral vigente é a admissão do medo
para a vida. Se vos amedrontardes da vida e, portanto, da luta, naturalmente
inventareis uma moral inflexível e direis, “isto é certo” e “isto é errado”; “isto
é o céu, isto é o inferno”. Nessa estreita limitação da moral haveis de seguir
cegamente, sem entendimento, pois que vos amedrontareis de lutar e de assim,
produzir a harmonia e o equilíbrio. Uma lagoa nos bosques, pelo fato de ser
tranquila, acumula à superfície espuma verde e por isso não reflete a pureza
dos céus, as folhas movediças, as brilhantes estrelas; ao passo que a lagoa que
é continuamente encrespada pelos ventos, pode, quando tranquila, refletir a
verdade. Assim acontece à vida. A partir do momento que, por causa do medo, encerreis
a vida na moral inflexível, vem a estagnação, dar-se-á essa luta surda e
interna que não produz clareza de pensamento nem equilíbrio e daí, o “eu” no
homem, não poderá refletir a pureza do propósito da vida. Se, entretanto, expulsardes essa
moral que cega, que sufoca, sabereis da tranquilidade que não é
estagnação nem putrefação.
Assim acontece com o Karma. Karma
é o restabelecimento do equilíbrio. Isto é, pela luta contínua; produz-se um equilíbrio
entre o essencial e o não essencial; pelo discernimento contínuo, pelo ajuste,
pelo julgar e contrabalançar as coisas, criais cada vez menos Karma. Explicarei
o que pretendo dizer. Todos admitem que somos o resultado do passado. Porém, o
passado não tem valor. Isso é coisa encerrada. Se criardes barreiras, embaraços
entre vós e o vosso presente, tereis a tendência a criar Karma, pelo fato de
estrades destruindo o equilíbrio. Não importa o que haveis sido ontem, importa o que sois no
momento presente; e o momento
presente somente pode ser vital, ativo, de pleno entendimento, se alcançardes o
significado da vida do futuro no presente e viverdes essa vida na atualidade.
Isto significa um equilíbrio constante do presente com o futuro, um contínuo
ajuste, um insistente e incessante apercebimento, achando-vos, por assim dizer,
suspensos entre o futuro e o presente.
Mais uma vez vos digo que a saúde
moral e emocional dependem do equilíbrio. Assim como uma pessoa, fisicamente
doente se acha desarmonizada, dependendo continuamente dos outros, assim também
uma pessoa que esteja moral e emocionalmente doente necessita de médicos espirituais.
É um estado não-natural o haver um mundo de pessoas não saudáveis que para seu
bem estar dependem de médicos. O que é mais importante: produzir uma condição
que capacite as pessoas a serem saudáveis, íntegras, bastando-se a si mesmas,
ou que meramente tenham por missão cuidar das não saudáveis? Para mim, é muito
mais importante o prevenir a falta de saúde, pois que então as pessoas podem
viver uma vida natural, equilibrada,
sã e harmoniosa. Talvez seja este um ideal irrealizável, porém um ideal
facilmente realizável, torna-se em cinzas na boca. Um ideal que seja apenas um
estímulo, não possui valor por si mesmo; porém, um ideal que seja belo,
intrinsecamente reto e valioso em si mesmo, não é apenas um estímulo. A coisa essencial,
portanto, é impedir os homens de se tornarem insanos, de dependerem psicologicamente
dos outros, de médicos espirituais, e torna-los psicologicamente autossuficientes,
confiantes em si próprios, constantemente apercebidos, afim de a si mesmos se
ajustarem de contínuo, de se equilibrarem entre as formas externas, sejam as do
vício, sejam as da virtude.
Para serdes saudáveis no presente, necessitais de
continuamente encontrar o equilíbrio entre o futuro preenchimento do eu e o
presente; e isto exige apercebimento, exige exame contínuo da espécie correta,
não a introspecção que, por fim, destrói o ser. Se examinardes o ser sem
propósito definido em vista, sem riqueza de entendimento, somente estareis
amesquinhando esse ser. Sem a compreensão do propósito da vida, tornai-vos
meramente introspectivos e por essa maneira continuamente diminuis o ser e, por
esse modo, viveis na morte. Se, porém, compreenderdes o propósito da vida, e à
luz desse propósito examinardes o ser, enriquecê-lo-eis. Tornar-vos-eis um ser
humano perfeito, consumado na finalidade da vida, o que para mim é coisa muito
maior do que tornar-se um deus.
Um outro ponto que quisera trazer ao vosso conhecimento,
é este: a vida não se acha laborando na produção de uma padronização; a vida
não está criando imagens esculpidas. A Vida pretende ser inteiramente diferente
de um para outro ser, na diversidade,
é que deve ter lugar vosso preenchimento e não na produção de uma padronização.
Contemplai o que está acontecendo no presente. Vós adorais os muitos no uno,
adorais o conjunto da vida personificada em um ser. Isto é cultuar a um padrão,
a uma imagem de escultura, e por essa maneira vos tornais de um só padrão, vos tornais uma
imagem; esta imagem é
uma limitação e daí advém a tristeza. Ao passo que, se adorardes o uno nos
muitos, não vos tornareis em um padrão. Isto não é, em absoluto, ideia
filosófica ou metafísica. O homem por ter medo de ser amável, afetuoso para com
os muitos, proporciona todo o seu respeito, os seus cultos, suas preces ao uno
— isto é, cria uma imagem. A vida, porém, não cria padrões, ela nada tem que
ver com imagens. O adorar o uno nos muitos, exige constante apercebimento de
pensar, constante apreensão do que é impessoal, constante ajuste do ponto de
vista do indivíduo ao dos muitos, que é vida. Se criardes um padrão e meramente
ajustardes o equilíbrio entre vós e esse padrão, não será isto verdadeiro
ajuste e sim um intuito meramente pessoal.
Ao passo que, se procederdes a um ajuste entre vós e o uno nos muitos,
então já não estareis criando uma imagem nem um padrão, porém, ao contrário
disso, ireis sendo modelados pela própria vida.
Jiddu Krishnamurti em 1
de janeiro de 1930