Pergunta; Podeis nos dizer algo a respeito desse afeto por meio do qual
haveis dito que se pode fugir à experiência em detalhe?
Krishnamurti: Digo que é
possível a um ser humano atingir a perfeição sem passar por todas essas
experiências; porém, para passar por todas as experiências, é preciso que a
pessoa tenha grande afeto e simpatia. Existe um caminho complicado e um caminho
direto. Afim de desenvolver a imaginação que vos proporciona experiência sem
por ela passardes, tendes que possuir afeto.
Como se adquire o afeto? Por meio
da experiência.
Quando vedes um alcoólatra, ou um
homem cruel, ou um homem bestial em seus pensamentos e sentimentos, se
possuirdes imaginação aliada ao afeto real, podeis adquirir o entendimento da
sua tristeza e não precisais de passar pela sua particular forma de
experiência.
Não pretendo complicar a vida por
meio de mais teorias. Quero proporcionar-vos aquele entendimento da vida que
atuará como uma lâmpada para a vossa alma, por meio da qual podeis guiar os
vossos pensamentos e sentimentos. Não quero que penseis de acordo com o meu
modo de entender. Não quero que atueis de acordo com a minha percepção da verdade.
Se o fizerdes, apenas estareis imitando. A imitação jamais pode produzir a
verdadeira cultura, a qual é resultante da percepção individual e criativa da
verdade. Se fordes capazes de traduzir essa percepção na ação diária, estareis
trilhando o caminho que conduz ao pleno entendimento que é felicidade.
Pergunta: Haveis dito que deveríamos ascender nossa própria tocha de
afeto. Para aqueles que naturalmente não sentem muito afeto por alguém seja ele
quem for, como pode isto ser feito sem se tornar o indivíduo artificial e
irreal?
Krishnamurti: Pela
tristeza. Alcançareis simpatia e amor abrindo as portas à tristeza. Pela
tristeza desenvolvereis o afeto. Eu não vos posso proporcionar uma droga que em
vós faça desenvolver o afeto. Todas as coisas no mundo clamam por afeto — cada
ramo morto, cada folha murcha, cada flor, cada ser humano. E se não sentirdes
afeto seja por quem for, mesmo por um ramo morto, tereis que sofrer, que verter
lágrimas.
Pergunta: Não será a gaiola na qual dizeis que estamos encerrados, sido
construída pelos crimes e limitações que nos rodeiam, antes do que por algo com
que nos tenhamos rodeado a nós próprios? Se enfeitamos a gaiola não será isto
uma demonstração de que estamos nos esforçando por satisfazer nosso anseio
superior, com toda a beleza que nos é dado ver?
Krishnamurti: A gaiola é
de vossa própria construção, de vossa criação pessoal. Nenhuma outra pessoa
cria essas limitações que vos rodeiam. E somente vós podereis destruí-las.
Porém, vós enfeitais a gaiola porque o enfeita-la é muito mais fácil do que
quebra-la. Tendes medo de quebrar a vossa gaiola e entrar pelos espaços
abertos. Sois constrangidos pela estreiteza de vosso próprio entendimento, pois
que vos atemorizais de compreender a vida.
“Porque nós estamos nos esforçando por dar satisfação ao nosso mais
elevado impulso por meio da beleza tal como podemos ver”. Por isso é que a
maioria das pessoas é medíocre. Satisfazem-se com a pouca beleza que
imediatamente percebem, em lugar de se sentirem descontentes com o mesquinho
regozijo das coisas pequenas.
Se quiserdes ser um grande
artista — como necessitais de o ser afim de poderdes compreender a vida — não
vos deveis vos satisfazer com as pequenas coisas, por belas que sejam. Não
podeis imaginar um grande artista satisfeito com o seu primeiro quadro. Se para
ele não existisse progresso, não poderia aperfeiçoar a sua arte. Se vos
encontrardes satisfeitos com a lagoa estagnante do conforto fácil, tereis a
produção da mediocridade — o espírito de burguesia.
A percepção da verdade de outrem,
jamais pode ser grande, por admirável que se afigure aos vossos corações, por
muito que isto corresponda ao vosso sentimento. Enquanto estiverdes contentes e
satisfeitos, somente estareis enfeitando a gaiola de vossa limitação.
Para atingirdes a liberdade
necessitais de estar em revolta constante. O dia de hoje necessita ser
diferente do de ontem. Vossas ideias devem ir desdobrando-se de dia para dia,
devem estar sempre crescendo, jamais imóveis.
Vossa mente e coração jamais podem crescer se
estiverem atados pelas limitações da beleza imediata. Se todos fosseis provados
de vossas gaiolas, de vossos dogmas, de vossas religiões, deuses, seitas,
crenças, ficaríeis terrivelmente atemorizados. Necessitais de vossas gaiolas,
de vossas crenças estreitas, necessitais de vossos deuses sectários; e a partir
do momento que os abandonardes, atemorizar-vos-eis de vós mesmos. Jamais podeis
atingir a meta pelo vos esconderdes do auto-exame e evitar o entendimento da
vida.
Pergunta: Haveis feito uso da frase “revolta inteligente”. Podeis, por
favor, ampliar isto e indicar a que fazes da vida devemos aplica-lo?
Krishnamurti: A todas as
fases. A revolta é essencial à vida. O estar inteligentemente descontente é uma
dádiva divina. Podeis dizer: “Muita gente no mundo está descontente. É uma das
coisas mais fáceis do mundo, o estar descontente. Porém, o estar
inteligentemente descontente, é virtude rara. A inteligência é o resultado do
acumulo de experiência. A partir do momento que estejais inteligentemente em
revolta, então estareis verdadeiramente crescendo.
Krishnamurti, 1930
Krishnamurti, 1930