Fazei convite à tristeza com abundância de coração, pois
que a tristeza proporciona o perfume do entendimento e é criadora do afeto.
O atingir da Verdade consiste no desdobrar da vida e no
dar à vida a meta mais plena possível para os fins de sua expressão.
Eu sustento que o presente caos, ansiedade e luta, surgem
do fato da vida ter sido levada ao cativeiro e mutilada, e a Verdade ter sido
limitada e condicionada.
O mundo
presentemente é a expressão da vida em cativeiro.
Pelo fato de haverdes colocado as religiões e as crenças
antes da vida, produziu-se a estagnação.
A religião é o pensamento solidificado dos homens, por
meio do qual eles constroem templos e igrejas.
A rede da vida é tecida por meio das coisas vulgares e
essas coisas vulgares são as que podeis dominar. Podeis dar-lhes originalidade,
podeis por meio delas criar grandeza; ou podeis desaproveitá-las por falta de
entendimento.
Eu vos digo, buscai, não o conforto, porém o
entendimento. A busca do conforto é o cativeiro da vida; a busca do entendimento
é a sua liberdade.
Vós vos atemorizais de fazer face a qualquer de vossas
fraquezas; atemorizai-vos de fazer-lhes frente e vencer.
Cavar por meio do presente para atingir o eterno, tal é o
propósito do homem. Todo o ser humano tem de, cedo ou tarde, cavar esse túnel
que é o caminho direto para o atingimento da vida. Nesse túnel não se pode
voltar para traz, pelo fato de se haver lançado para traz aquilo que se tiver
cavado. Tereis que avançar sempre. E uma vez que por vós mesmos tenhais estabelecido
a meta — a qual é a liberdade de todos os desejos, de todas as tristezas, dores
e lutas — então o cavar o túnel tornar-se-á um êxtase.
A verdade não é misticismo, nem ocultismo. Ocultismo e
misticismo são limitações que o homem põe à Verdade.
Se um homem for sábio e ardoroso em sua busca, verificará
que coma Verdade não pode haver transigência.
A mente da maioria das pessoas afigura-se necessário
possuir um intermediário, um interprete da Verdade. Eu vos digo, porém: deixai
que a própria meta se torne o vosso mediador. Uma pessoa qualquer, só
momentaneamente vos pode ajudar. Que cada homem, pois, fixe sua própria meta,
criando por essa maneira a ordem.
Para fortificar a semente que tem de vir a crescer, até
tornar-se a árvore frondosa que dá proteção a todo o transeunte, necessitais
desde o começo, fazer convite à dúvida. Examinai todas as vossas crenças, tudo
aquilo sustentardes ser vosso conhecimento, não pelo deixardes que a dúvida se
insinue para dentro de vosso coração, porém sim convidando-a a entrar. Pois eu
sustento que a duvida é essencial para chegar-se à descoberta e ao entendimento
da Verdade. A não ser que tenhais feito convite à duvida, com toda a sua
crueldade de exame, aquilo que possuirdes não é real.
Todos vós podeis ser levados à duvida por outrem. Porém a
duvida que não for determinada por vós mesmos, não purifica.
Eu vos digo que a ortodoxia se estabelece quando a mente
e o coração estão em decadência.
Se possuirdes a compreensão e a coragem de fazer convite
à duvida, então sereis discípulos da Verdade e não discípulos de um indivíduo
qualquer. Então, somente, podereis ser capazes de compreender, somente então
possuireis certeza — e possuindo a certeza, capazes de ministrar as águas da
vida que hão de extinguir a sede do mundo.
Tendes que despedaçar todas as coisas, afim de verificar,
duvidar de tudo afim de descobrir.
Não quero que me adoreis; não quero que acrediteis
cegamente nas coisas que digo; não quero que de mim crieis um santuário para
vosso abrigo ou que de mim vos sirvais como muleta. Quero que descubrais e
compreendais. Pois que é somente pelo entendimento da Verdade que a não vireis
a atraiçoar; somente pelo entendimento dela estareis habilitados a dar.
Antes quisera eu ter uns poucos que compreendam, do que
muitos que me sigam sem entendimento.
O caminho direto é o caminho único; a união simples é a
melhor.
Quando um homem houver compreendido este caminho, quando
esta união houver sido conseguida, então o tempo e todas as complicações do
tempo, para ele terão cessado. Então ele será seu próprio Mestre, seu próprio
Deus. E, chegando a ser isto, ele é tudo.
Uma desordem verdadeira, uma desordem divina, é
necessária afim de produzir-se a divina ordem.
Quando libertardes essa vida que é divina, e consumardes
essa vida, então vós próprios vos tornais Deus. Por Deus não entendo eu o Deus
tradicional, porém sim o Deus que está em cada qual; e este Deus pode somente
ser realizado por meio da consumação da vida. Por outras palavras, não existe
Deus, exceto Deus manifesto no homem purificado, tornado perfeito.
Quando atribuis à autoridade externa uma lei e ordem
divina espiritual, sufocais, limitais essa mesma vida que pretendeis consumar.
Crenças, dogmas, religiões, nada têm que ver com a vida,
e daí com a Verdade.
Para auxiliardes com êxito, tendes que haver transcendido
a necessidade de receber auxílio. Para dar com verdade, tendes que haver
deixado de ser aquele que recebe.
Para verdadeiramente amar, tendes que haver transcendido
a corrupção do amor.
O problema do mundo é o problema individual. Tomais em consideração
o problema do mundo antes de haverdes cogitado do vosso. A paz e o entendimento
somente virão quando houver a compreensão, a certeza e força em vós mesmos.
Tendes que pertencer à Verdade, que fazer parte da
Verdade e apesar disso vosso trabalho tem de relacionar-se com o irreal e o
passageiro. O afastar-se do mundo mais não é que o auto-atingimento, a busca de
si próprio.
A libertação não é negativa; é positiva. Não é o penetrar
em um vácuo e aí perder-se a si mesmo; é o integrar-se na Verdade, tornar-se
parte da Verdade, e sair para o mundo e libertar aqueles que estão adorando
ilusões.
Jiddu Krishnamurti, 1930