Pergunta: Haverá deslealdade implícita se pusermos de lado os
instrutores e ensinos que nos ajudaram afim de nos aproximarmos mais da verdade
total, que é a nossa meta?
Krishnamurti: Instruções
e instrutores não são mais que experiência. Todo o momento de pensamento, todo
o estremecimento de emoção é vosso instrutor, e não qualquer Ser personalizado.
A vida é muito vasta para ser contida no que é pessoal. Por favor, compreendei
o que eu entendo por pessoal. Vós estais personificando uma ideia e eu chamo personificação
de uma ideia a uma pessoa. Porém, quando abrangeis toda a vida que está em toda
a coisa que vos cerca — em toda experiência, em todo o sorriso, em toda a
lágrima, em todo o riso — e pela continua observação da tristeza, da dor e do
prazer, chegais a um maior desapego de todas as coisas, então estareis para além
da dor e do prazer; então estareis vivendo nesse êxtase constante do ser que é
isento de esforço.
Pergunta: Dizeis, “Se o indivíduo estiver esclarecido em seu propósito,
então sua luta com a sociedade cessará”. Parece-me a mim que ela antes
começaria. Podeis auxiliar-me a compreender isto?
Krishnamurti: Vossa luta
com a sociedade tem lugar porque a sociedade estabeleceu certos padrões,
estatuiu certas leis de moral, do que é certo e errado. Sois grandemente
afetados pelas opiniões de vosso próximo. Os padrões da sociedade existem não
para vos escravizar, mas a fim de que por meio deles possais julgar as coisas e
desse modo transcende-las, — não por licenciosidade maior, não por essa maior, inútil,
e pretensa “liberdade”, porém, por impordes a verdadeira autodisciplina a vós
mesmos. E por meio desta autodisciplina nascida do entendimento do propósito da
existência individual, vos libertareis da sociedade.
Pergunta: Somente podemos conceber a felicidade pela sua ausência, como
se pode somente conceber a luz pelo seu contraste com a treva. Assim, pois,
como poderemos conceber a pura felicidade, na qual todos os opostos se
encontram incluídos?
Krishnamurti: Somente
podereis conceber a pura felicidade quando estiverdes em grande tristeza ou em
grande êxtase determinados por uma coisa externa. Tomai o amor como exemplo.
Quando ele é pessoal, apegado, ciumento, invejoso, forte, então conheceis,
nesse amor, a confusão da luta, a batalha constante para mantê-lo; porém,
também a todo instante sabereis que existe dentro desse amor uma pura qualidade
que é incorruptível, perdurável. Se não souberdes isto, então eu somente vos
posso dizer que vos não sabeis amar, que não sabeis amar com todo o vosso
coração; sabeis apenas amar com a vossa mente, a qual divide, separa, cria
divisões entre as pessoas. Para perceber a pureza da liberdade, necessitais vos
aperceber da corruptibilidade das limitações; para conhecerdes a felicidade
necessitais conhecer a infelicidade; para conhecerdes o prazer necessitais de
conhecer a tristeza. E quando conhecerdes a ambas, desejais aquilo que está
desprovido de todas as coisas e no qual todas as coisas se encontram incluídas.
É por estardes amedrontados, por vis apegardes a uma só coisa que denominais
prazer, que não podeis conceber a essa felicidade na qual todas as coisas se
encontram incluídas.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 6 de agosto de 1930
(Campfire)