Pergunta: Podem todos atingir a perfeição ou a incorruptibilidade sem
auxílio ou instrução por parte daqueles que estão acima de nós em evolução? Não
terá sido a vitória do Buda um inventivo para vós? Não existe valor no exemplo?
Krishnamurti: Se o desejo
de seguir um exemplo brota do medo, um tal exemplo é destituído de valor, porém
se vós, cuidadosa e impessoalmente analisardes a vós mesmos e o exemplo ou
ensinamento — desprovido de todo o medo, de todo o apego, sem o desejo pessoal
de conforto ou da perpetuação da existência individual e sem imortalizar o
exemplo — então, um ensinamento ou um exemplo podem ter valor. Porém, antes de
mais nada, necessitais ficar libertos do medo, deveis libertar-vos do desejo de
fugir, de escapar do conflito; de outro modo, como acontece na maioria dos
casos, a instrução, os guias, os exemplos, tornam-se nada mais que um santuário
para os covardes, os quais, por meio da imitação, esperam chegar à realização.
Não é por meio da imitação que encontrais a verdade. A vida não faz de vós um
tipo; e não é por vos modelardes em uma imagem, por meio do medo que plenamente
haveis de realizar a verdade da vida, a verdade da felicidade. Um exemplo é
somente de valor se houver absoluta bravura de vossa parte, não arrogância,
porém, bravura. Então um exemplo, um guia, um ensinamento tem seu valor; porém
de outro modo somente sereis uma maquina que copia, que imita — que não tem
valor.
Pergunta: Temos sido aconselhados a buscar os nossos desejos secretos a
dar-lhes pleno escopo para a sua expressão. Infortunadamente os nossos secretos
desejos podem ser de natureza tal que a sua expressão seja não somente
impraticável, porém uma ameaça para a sociedade organizada e um dano para os
nossos semelhantes. Daí o motivo por que o fardo desses desejos deve ficar adormecido
no coração do homem, causando-lhe agonia dia e noite. Poderíeis, por favor,
proporcionar-nos os benefícios de vossa sabedoria sobre este assunto?
Krishnamurti: Eu disse:
pesquise vossos corações e mentes e verificai qual o alvo secreto de vossos
desejos. Podereis expressá-los e, por essa maneira, criar tristeza maior para
vós mesmos, porém o homem sábio ajusta seus desejos secretos à realidade, sendo
como é, a realidade, o propósito da existência individual.
Se eu possuísse um desejo secreto
de qualquer espécie e meramente o reprimisse sem entendimento, esse desejo tornar-se-ia
semelhante a um veneno no corpo que algum dia teria de vir à existência. Se,
porém, eu o analisasse a luz da finalidade da existência, do ser individual,
então poderia ajustar esse desejo à totalidade, achando-me constantemente
acautelado quanto a esse propósito. De outra maneira, as experiências,
tornam-se em uma jaula que vos encadeiam. Por isso é que eu digo que se o vosso
desejo secreto é o de buscar um santuário, um lugar de conforto, que nada tem a
ver com a verdade, criareis guias, instrutores, exemplos. Eles ser-vos-ão muito
convenientes. Se, porém, não mais buscardes conforto — pois que a verdade não é
conforto, é tudo — então tornareis o desejo inclusivo de tudo, em lugar de
exclusivo. Quando conhecerdes vossa própria mente e coração, estareis livres na
ação — o que é ainda maior. Pois as
ações brotam do pensamento e das emoções, e tão depressa conheceis vossa
própria mente e coração, vossas ações tornam-se puras.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 5 de agosto de 1930