É geralmente nosso hábito, aqui,
ascender uma fogueira à tarde, sem que este ato possua qualquer significado
particular. Pediria àqueles que vêm do exterior, não o encararem como sendo
parte de algum rito especial. O fogo acende-se por ser um objeto agradável à
vista — e não tem outro objetivo — e depois que eu houver falado,
sentar-nos-emos em redor do fogo, tranquilamente, por alguns momentos. Após um
dia de pensar árduo, é belo sentar-se um instante a contemplar — pois a
contemplação nada mais é do que o pensar tranquilo, isento de esforço, ao passo
que a meditação é o pensamento ativo e concentrado. A contemplação é a operação
do pensar sem o menor esforço. Portanto, se tendes a inclinação a isso, após
haver eu falado, talvez seja do vosso agrado o vos sentardes quietos, tranquila
e repousadamente, por alguns minutos.
O que vou dizer é aplicável a
todos, quer vivais no Oriente quer no Ocidente — pois Oriente e Ocidente, leste
e Oeste mais não são do que divisões da mente para atender as conveniências — a
limites geográficos inventados pelo homem no sentido de estabelecer distinções.
O pensamento transcende essas fronteiras, viaja através delas. Se cuidadosamente
examinardes os fatos, haveis de verificar que, quer se viva no Oriente quer no Ocidente,
o que importa é a maneira de nos conduzirmos, o modo como nos comportamos, a
nossa integridade. Portanto, não encareis o que eu digo como proveniente do
oriente — como sendo somente aplicável ao oriente e não ao Ocidente.
A partir do meu ponto de vista, a
vida, seja no Oriente seja aqui no Ocidente, por entre o tumultuar do
maquinário, o burburinho e as diversões, é fundamentalmente a mesma; os mesmos
desejos enchem os corações e as mentes do povo, tanto no Oriente como no
Ocidente. Quando compreenderdes esses desejos e os transcenderdes, quando
encontrardes unidade em todo o desejo, entendereis as expressões humanas dos
desejos, sejam elas quais forem.
Todos, no presente momento, se
esforçam para solver os problemas da vida pela ação. Por exemplo, estão se
esforçando por compreender a vida através da arte. Viver é a maior das artes e
cada qual está se esforçando por encontrar o modo de viver com o mais perfeito equilíbrio
— o equilíbrio da naturalidade, da razão que é a essência da experiência, do
amor que é impessoal. Sempre que o entendimento
vos morar no coração, podeis atuar em ritmo com a vida. Portanto, a
compreensão é o escopo principal desta vida confusa — a compreensão produzida
pelo contínuo discernimento das ações de todos os dias; pois nessas ações
poderemos, ou tornar-nos prisioneiros, ou nos libertar a nós mesmos por intermédio
delas. Portanto, temos que verificar porque maneira, qual o padrão segundo o
qual havemos de julgar as nossas ações, de modo que na vida diária, o ritmo, o
entendimento, o perfeito equilíbrio da mente e do coração possam vir a
produzir-se.
Quando não existir esse equilíbrio,
o qual é guia continuo, dar-se-á a atração por divertimentos, a atração pelo tumulto,
a atração pela opinião pública, por aquilo que é dito da parte de outrem; ao
passo que, por meio do nosso próprio julgamento, decorrente do contínuo
discernimento do pensamento e do sentimento; pelo exame contínuo e pela
contínua análise deles, de modo a torna-los cada vez mais impessoais, pode-se
chegar a estabelecer a perfeição. Uma vez que esta perfeição haja sido
estabelecida, a continuidade do julgamento equilibrado existirá também. A
imortalidade é impessoal; ela nada tem que ver com os nossos desejos pessoais,
com os nossos gostos e desgostos; porém, mediante o passar por essas reações de
gostos e desgostos, de inveja, de ciúme, etc., chega-se a esse estado em que o
pensamento e o afeto são absolutamente impessoais e, por isso, imortais. Esta é
a verdadeira imortalidade e nela reside a eternidade. A finalidade da luta
individual é a de levar a esse perfeito equilíbrio, a esse ritmo perfeito e ao
viver nesse equilíbrio, nesse ritmo a todo o instante do dia. Isto é felicidade
verdadeira, pois que nesta não existe a reação do gosto e desgosto.
Quando continuamente vos
estiverdes ajustando a vós mesmos, tendo em vista essa perfeição do ser, então
as trivialidades, os aborrecimentos, as complexidades da vida diária, em pouco
tempo se dissiparão pelo fato de as haverdes transcendido. Podem elas existir
ao redor de vós, existem efetivamente, porém o homem que houver obtido esse
perfeito equilíbrio dentro de si próprio, encontrou a essa realidade que é
eterna, que está para além do tempo e do espaço; e por isso torna-se ele
imortal. A felicidade que não pertence a pessoa alguma é a felicidade
verdadeira; ela é a origem de todas as coisas, de todo o pensamento e emoção. Quando
isto houverdes percebido, alcançareis uma espontaneidade de ação que a si própria se traduz em conduta, e é somente
por meio da conduta que eventualmente
podeis chegar à realização pura, da imperturbada felicidade.
Por entre o turbilhão e o tumulto
deste mundo mecanizado da civilização moderna, podeis, ou tornar-vos um dente
da engrenagem dessa máquina e acrescentar o assombroso peso da existência, ou
mediante o vosso próprio esforço individual romper com a humanidade padronizada
e estabelecer por vós mesmos um padrão diferente de pensamento, um padrão
diverso de afeto. As civilizações desenvolvem-se e decaem; mas o homem que
possui a capacidade para semear a semente por entre este crescimento e esta
decadência, cria um mundo novo de pensamento, um mundo novo de ação, um novo
mundo de conduta. Porém, o semear da semente de uma nova ordem de coisas
depende do individuo que possui a compreensão dentro de seu coração e que vive
conforme esse entendimento em atos, obedecendo o ritmo desse entendimento
perfeito a todo o instante do dia. Um tal homem torna-se, então, um padrão de
pensamento, um padrão de emoção; e, pelo contínuo esforço, o mundo que o cerca
transformar-se, ajusta-se e é levado a essa ordem perfeita na qual não existe
exploração, em que o homem será humano e não mais sub-humano; onde não mais
experimenta cobiça pelas posses, onde não é mais invejoso, cruel e brutal. Esta
ordem, harmonia e equilíbrio, dependem do homem que possui em seu coração o
entendimento da finalidade da existência, do propósito da luta e do contínuo
ajustamento. Este equilíbrio é produzido pelo fato de ser tornarem impessoais o
pensamento e a emoção. A emoção deve ser desapegada, porém não indiferente; o
pensamento necessita ser impessoal, porém não descuidado. Quando existir este equilíbrio
perfeito, então as reações de outrem não mais afetarão a mente ou o coração,
pelo fato de estardes a todo o momento, em vós mesmos, vivendo nessa pureza de
pensamento e de emoção de que tenho falado. Um tal homem será verdadeiramente
feliz; um tal homem pode dar, de seu coração e de sua mente, aos outros dessa
eternidade na qual ele próprio mora.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 3 de agosto de 1930
(Camp Fire)