Pergunta: Se alcançardes êxito no despedaçar os grilhões que amarram a
vida e a verdade e quando a vida estiver liberta da superstição, do dogma e da
autoridade, não será o resultado disso um caos maior do que aquele que vemos ao
redor de nós presentemente? Podeis prever o que virá a acontecer quando a
humanidade estiver liberta dessas amarras?
Krishnamurti: Dado a meta
ser para todos, sem olhar as distinções, e se fixardes essa meta por vós
próprios, todos os vossos pensamentos e atos serão encaminhados por ela.
Sustento isto porque ninguém no mundo possui uma tal meta, existe o caos e não
o êxtase de propósito que advém quando cada qual houver estabelecido a sua meta
por si mesmo. Ao demais disso, se existir caos ao redor de nós, como existe
presentemente, é melhor experimentar com algo que, com toda a probabilidade
venha a produzir a ordem. Não há utilidade alguma em dizer que, pelo fato de
haver desordem, não devêramos tentar nada por medo de que possa produzir
desordem maior. Isto é uma maneira covarde de encarar a vida. Não é esta a
atitude do criador, do gênio; este é o caminho da estagnação, da falta de
compreensão da vida. Se habitardes na sombra, de nada serve o dizer: “Não ouso
abandonar a minha sombra por medo de que haja maiores sombras lá fora”. O
propósito da vida é fazer face às sombras e não o evita-las por medo.
“Podeis prever algo do que virá acontecer?”
Não sou leitor de cartas. Além
disso, é coisa de pouquíssima importância. Estáveis na incerteza quando fizestes
esta pergunta. Pretendeis obter uma nova esperança para a ela vos apegardes, de
modo a, ao seu redor, criar outra sombra, outra superstição a mais. Em vossa
mente todo o futuro se acha baseado em esperanças. A verdade, no entanto, nada
tem a ver com a esperança de vossa salvação particular. E se essa esperança
existe, será ela uma traição à verdade. Cada qual deseja ser glorificado no
futuro, possuir uma situação particular no céu o mais perto possível de Deus, o
Deus de sua própria criação. Em um tal céu não existe sombra de verdade. Ele
acha-se vazio no que respeita à verdade.
Enquanto buscardes uma esperança,
um conforto e um bálsamo que cure todas as feridas, estareis afastando-vos cada
vez mais desse reino onde reside a felicidade, onde a verdade habita para
sempre.
Pergunta: Devemos repelir por inúteis as “verdades”, “princípios” ou “ideias”
que nos serviram de ajuda, digamos, exemplificando, para ir do agnosticismo à
espiritualidade?
Krishnamurti: Não vos
deis ao trabalho de guardar as cascas das frutas que comeis, nem conservai de
memória todos os acontecimentos que vos auxiliaram a crescer. Conservai aquelas
verdades que alcançasteis mediante a experiência, antes do que a experiência em
si mesmo considerada. De nada serve o sobrecarregar as vossas mentes com cascas
vazias. À medida que cheguei a compreender por mim mesmo, fui deixando de lado
as crenças, repetições, palavras vãs. Naturalmente, se eu vir a outrem fazendo
a mesma coisa que eu fiz, digo-lhe: “Não repitais os meus erros. Eu passei pelo
estágio em que necessitava de muletas; e verifiquei que todas essas coisas são
desnecessárias”. Não vos digo: “por ter passado eu por todos esses estágios,
vós tendes que fazer a mesma coisa”.
“Devemos repelir por inúteis as “verdades”, “princípios” ou “ideias”
que nos serviram de ajuda, digamos para ir do agnosticismo à espiritualidade?”
Vós já as haveis ultrapassado. Aquilo
que sustentáveis como verdade há dez anos não mais vos satisfaz agora. Vós não
guardais isso, eu vo-lo asseguro. Ninguém repelirá suas verdades, princípios,
ideias, a não ser que deseje faze-lo. É este o desejo que eu quisera criar em
vós e não fazer-vos a imposição de minha forma particular de compreender.
Pergunta: Pode-se tirar todas as muletas e apoios à fraca humanidade
nos tempos atuais?
Krishnamurti: Eu não vos
posso tirar vossas muletas e apoios. Vós é que as deveis atirar fora.
Se eu vos tirasse um apoio,
inventarieis outro. Se destruísse uma gaiola, criaríeis outra e enfeitar-lhe-íeis
as grades. Meu propósito não é tirar coisas, porém sim criar esse imenso desejo
pela verdade que vos faça despedaçar por vós mesmos todas as gaiolas.
Krishnamurti, 1930