Pergunta: Começa o progresso real somente depois da completa separação
de todas as coisas não-essenciais?
Krishnamurti: O progresso dá-se a todo instante. É
contínuo. Estais progredindo dia a dia, e vos modificais pouco a pouco e,
assim, tendes realizado o progresso. De uma certa espécie — vagaroso,
fastidioso, enfadonho — que se dá a despeito de tudo, quer façais esforços ou
não, quer opereis a separação das não-essencialidades quer não. Existe, porém a
outra espécie de progresso, da qual vos tenho falado, este progresso aos
saltos, por assim dizer — se salto lhe quiserdes chamar, que se produz pelo
fato de haverdes rompido com todas as coisas não-essenciais. Como vos disse
outro dia, precisais ser ou quente ou frios, isto é, ou uma coisa ou outra. Se
quiserdes: “Vou tomar a vida como um brinquedo, uma coisa agradável”, então
deveis manifestar-vos contra todas as coisas reais da vida. Se, porém,
disserdes a vós próprios: “Vou encarar a vida com essa seriedade não afetada
que há de produzir em mim a flor da vida”, então deveis ser contra todas as
coisas não-essenciais. Deveis ser, ou integralmente uma coisa, ou integralmente
outra. Não podeis transigir. A partir do momento que transijais, posto que haja
progresso mesmo na transigência, não encontrareis essa espécie de progresso que
aqui vindes buscar. A maioria de vós acham-se aqui à procura da liberdade que é
verdade, que é vida, que é a resultante de toda a vida, que é a consumação de
toda a vida, que é a flor de toda a vida. Se buscais isto com ardor real,
deveis fazê-lo sem transigências. Então vosso progresso será mais rápido embora
o método de alcançá-lo seja mais drástico. Se romperdes com todas as vossas antigas
condições de pensamento, vossas velhas ideias de salvação, então, pelo fato de
não transigirdes, pelo fato de vos achardes seguros em vossa pesquisa, dar-se-á
esse progresso que é semelhante à flor que esperou todo o inverno e explode em
um lindo dia de primavera. É necessário, se quiserdes esta coisa, estar
absolutamente seguros no que fazeis. Precisais estar acautelados, auto-recolhidos
durante o dia inteiro de modo a não virdes por maneira nenhuma a ser desviados
de vosso propósito. Que é que está acontecendo presentemente? Vós vos achais
incertos — e espero que, por meu intermédio ou por vós mesmos vos certificais.
Como vos haveis de certificar? Não há de ser por meio da transigência, quer
para um lado quer para o outro. Não vos é permitido dizer: “Vou procurar isto,
vou brincar com aquilo por algum tempo, e com isto também por um pouco. Haveis
feito já tudo isso. Agora tendes que vos resolver ou por um caminho, ou pelo
outro, afim de vos certificardes. E, para vos assegurardes, necessitais de vos
afastar de todas as circunstâncias exteriores de limitação e de medo. Sei que
há pessoas que pensam ser isto uma atitude negativa, que pensam que é muito
fácil afastar-se e deixar que nada fique. Pelo contrário, quando vos afastais
de todas as coisas e a vós próprios
encontrais, de todas as coisas vos assegurareis. Para estabelecer a
certeza, precisais romper com as vossas incertezas.
No fim das contas, o que é que
quereis na vida? Se é dinheiro, popularidade, fama, conforto, — física, mental
e emocionalmente — o que vos estou dizendo, dificilmente vos interessará. Se,
porém, ao contrário, quiserdes a verdade ela
vos tornará cada vez mais solitários, no melhor dos sentidos, entenda-se, mais fortes, calmos, plácidos, cada vez mais donos de vós mesmos e vos
conduzirá cada vez mais peto dessa vida livre, eterna, incondicionada. Se
quiserdes conforto, dinheiro, popularidade, ide, então, atrás dessas coisas,
trabalhai por elas, por elas vos esforçai, sede a maior das criaturas no reino
do transitório. Se não quiserdes isto, sede então o maior no reino do eterno.
Tendes que operar uma separação, tendes que vos resolver, tendes que ser ou
quentes, ou frios. Se fordes quentes no que se refere a esta coisa de que vos
falo, então jamais, em qualquer instante, vos deveis achar em simpatia com as
coisas não-essenciais. A verdade é um perigo para todas as Sociedades,
porque a verdade não se pode submeter a nenhuma falsificação do pensamento ou perversão do sentimento. É um
elemento constante de revolta onde quer que se encontre o não-essencial e o
irreal. Assim, vós outros, que sois pesquisadores da verdade, deveis tornar-vos
um perigo para tudo quanto for fútil, infantil, passageiro e irreal. Era isto o
que eu entendia quando disse outro dia que a maioria das pessoas não sentem
ardor. Estão ainda sustentando o não-essencial, consciente ou
inconscientemente.
Krishnamurti, no Castelo de Eerde, 19 de julho de 1929