Durante minhas palestras, esta semana, vou fazer certas explanações e, se a elas derdes vosso pensar livre de ideias preconcebidas e não tomardes apenas uma parte daquilo que eu digo para me fustigardes com essa parte, ficareis melhor aparelhados para compreender o significado integro daquilo que digo. Como é minha intenção transmitir-vos a plenitude de meu pensamento, naturalmente quisera pedir-vos que suspendêsseis vosso julgamento apressado até haverdes cuidado de todo o assunto. Quero, antes que vos concentreis sobre o que é dito, antes que vos preocupeis com personalidades. Existe muita diferença entre inquirir, perguntar, duvidar, examinar, analisar, o que é dito e interpretar o trabalho do indivíduo. É semelhante ao estar desejoso de encontrar a substância da luz e ser simplesmente enganado por uma lâmpada. Não tomeis a lâmpada como a coisa que possui significado, porém, antes, esforçai-vos por compreender a luz. Por outras palavras, quisera que alcançásseis o pleno significado daquilo que digo e não o mero entendimento superficial das palavras. Não vos deixeis colher pela mera ilusão, pelo maya das palavras, porém olhai para além delas.
Quero acentuar que não estou aqui para criar partidos, seja na Sociedade Teosófica, seja no mundo exterior. Os partidos denotam falta de entendimento. O que digo é integra, inteiramente relativo ao indivíduo e, portanto, se formardes partidos em redor do que eu digo, isso não terá valor. Tendes inúmeros partidos no mundo, com diferentes nomes. Todos eles são gaiolas com decorações diferentes, com diversos modelos de prataria, de ouro, pesadamente esculpidos. Porém, todos são gaiolas, sob o meu ponto de vista e, se simplesmente interpretardes o que eu digo para formardes partes diferentes, afim de as opordes umas às outras, isso não terá valor. Pedir-vos-ia que conservásseis isso em mente.
Nem mesmo quero criar seguidores. Tenho isto literalmente em vista, porque, uma vez mais vos digo, o que digo entende-se completa, integralmente com os indivíduos. A partir do momento que formeis um grupo que siga a outrem, estareis destruindo vosso particular crescimento, vossa uniquidade e grandeza individuais. Não sigais a ninguém, a mim muito menos, e tenho em vista significar o que digo, entendei-o, por favor.
Nem necessário é que um movimento em massa seja criado, pelo que eu digo. A massa, posto que seja composta de indivíduos, nada tem que ver com a verdade da qual falo. Eu vos pediria que não formassem uma religião ou uma seita ao meu redor, porque essa, mais uma vez, nada tem que ver com indivíduos. A verdade é um assunto de percepção individual, é um assunto completamente referente ao indivíduo. Não pode ser moldada por coisas exteriores.
Nem eu desejo ter discípulos, porque, o significado integral daquilo que digo será, se apropriadamente entendido, contrário a todas essas coisas. Se desejardes entender o que eu tenho a dizer, — e é para isto que estais aqui — por favor, não o traduzais, aquilo que perceberdes superficialmente, em partidos, facções, grupos, discípulos, seguidores, religiões.
Depois, naturalmente, está na mente de muitos o descobrir quem está falando através de Krishnamurti. Tenho repetido isto uma vez e outra e recebo repetidamente perguntas a este respeito. Não me importo de responder a elas, porém, torna-se fútil o ter que faze-lo depois de o haver repetido a resposta uma centena de vezes. Não tem valia o saber quem está falando. Ninguém vos pode dizer quem é. Se alguém vo-lo dissesse, seria por sua autoridade, ou impressão. Ninguém pode conhecer a outrem integral, completamente. Por favor, atentai nisto e não digais meramente, de modo superficial, que é uma verdade tão vaga e geral, que não tem valor. Tem, se lhe prestardes consideração cuidadosa. Eu não vos posso conhecer, por muito que me haja tornado integro, puramente incorruptível. Ninguém pode julgar, nem eu julgo. Quem fala, portanto, é coisa que não tem valor; o valor reside no pleno significado daquilo que é dito. Se fordes capazes de o julgar pelo seu próprio mérito intrínseco, e se, após pleno e cuidadoso pensar, o que eu digo tiver valor para vós, deveis leva-lo à prática. Se quiserdes transigir, é assunto que vos compele, naturalmente, porém a transigência não vos levará àquilo que buscais. Assim, por favor, não vos preocupeis em denunciar ou tentar descobrir quem é e quem não é que está falando. Estais tão preconcebidos, cativos pela autoridade, que não podeis julgar uma coisa pela sua própria beleza. Não necessitais que ninguém vos diga que uma rosa é bela ou que um quadro é lindo, que é uma obra prima. O que é de valor é o modo pelo qual apreciais a rosa ou o quadro, qual o seu significado para vós, como indivíduos. Terá sua própria beleza, se possuirdes grandeza para apreciá-la. Se meramente escutardes o indivíduo que fala, criareis autoridade, criareis santuários, criareis seguidores, partidos, facções, seitas, religiões, que nada tem, seja o que for, com a verdade. Sei que muitos dentre vós discordarão. Então, discordai plenamente, e se vossa discordância for baseada sobre o raciocínio, terá valor. Buscai saber se vossa discordância é razoável, ou meramente oriunda de preconceitos, devido ao culto às autoridades.
Não pretendo criar desarmonia, porém como a chuva, quando cai, não presta atenção ao homem que está construindo uma casa ou ao homem que deseja bom tempo, assim também, se o que eu tenho a dizer cria desarmonia, isto é inevitável. Por favor, verificai este ponto, pois de outro modo estas reuniões não terão valor. Se continuamente vos projetardes sobre mim em sentido retrospectivo dizendo-me: “Disseram-nos isto e aquilo”, isso não tem valor. O que pensais como indivíduo é o que tem importância e não o que outro homem possa pensar. Vossa experiência pessoal não pode ser dominada por outrem e é isso somente que tem valor. Se vossa experiência for contrária ao que eu digo, tendes perfeitamente o direito de seguirdes o que julgais acertado.
Isto é um assunto sério para mim. Se isto vos desgostar, ir-me-ei embora, irei falar a outros que me escutem. Se, porém, estais desejosos de possuir entendimento, então saí a vossa mente, o vosso raciocínio, o vosso amor, tudo, a esse entendimento. Não julgueis meramente de um modo superficial, para daí criar desentendimentos sem propósito. O que digo é pura, integral e inteiramente assunto do indivíduo. Isto é, se vós, como indivíduos, houverdes resolvido vossos problemas, vossas tristezas, vossos confortos, vossas dores, vossos regozijos, então, no mundo — que é composto de indivíduos — existirá a felicidade, a ordem, o pensamento racional e o límpido regozijo da liberdade. Contemplai todas as minhas palestras, minhas perguntas e respostas, sob esse ponto de vista, e não do ponto de vista de qualquer Sociedade, de qualquer religião ou crença.
Se quiserdes descobrir se o que eu digo é verdade, deveis julgar impessoalmente, isto é, ponde de lado vossos gostos e dissabores pessoais, vossas crenças pessoais, visto estardes vos esforçando por buscar entendimento da vida em conjunto, e não meramente vossa vida particular, individual. Todos se esforçam por buscar a verdade — isto é, a vida rica, plena e harmoniosa — de acordo com seus caprichos particulares, de acordo com suas particulares crenças, dogmas e religiões. O Hindu buscará a verdade — essa plenitude da vida — através do Hinduísmo, o Cristão, através do Cristianismo, o Budista, por meio do Budismo, e assim por diante, dando por outorgadas certas experiências de outrem e por meio delas formando uma seita na qual todos possam descobrir a verdade. Se quiserdes descobrir a verdade, tendes que deixar de lado o Hinduísmo, o Budismo, todas as religiões e buscar por vós mesmos, plena e integralmente, porque a verdade é uma terra sem caminhos, a vida é uma terra sem caminhos e dela não podeis aproximar-vos por qualquer ponto de vista, por um caminho determinado, qualquer que ele seja. Por favor, não concordeis nem discordeis, porém examinai este enunciado de modo são e racional. Se julgardes que está errado, deixe-o de lado e segui vosso caminho suave. Não se trata de tolerância ou de intolerância. A verdade, se me é dado proporcionar um exemplo rude, é semelhante a um abutre que espera um animal moribundo: tem paciência infinita. O que digo é, para mim, absoluto, incondicional e eu tenho paciência. Se julgardes que é reto, vivei de acordo com isso, pois que somete assim terá valor e não o que professais apenas com os vossos lábios.
Dais certas coisas por aceitas as quais vos foram transmitidas por autoridade. O propósito da autoridade é tratar a todas as pessoas como se fossem crianças, mantê-las no jardim da infância. Não estou falando com dureza. Falo de fatos e se vos não agradarem, não os aceiteis. Se quiserdes entender a verdade, tendes que abandonar vossos jardins da infância, vossos brinquedos. Se fordes tratados como crianças, ficareis, naturalmente, crianças. Se a todo o instante eu vos considerasse pessoas fracas, que precisam ser alimentadas, encorajadas, guiadas, modeladas, jamais cresceríeis até a virilidade, para chegar à força plena. É pela queda, pela experiência, pelo sofrimento, pelo regozijar-se, que aprendeis. Portanto, se examinardes o que digo pessoalmente, vereis que tendes que deixar todas as vossas autoridades, vosso conhecimento de segunda-mão, vossos jardins de infância, vossas várias religiões — posto sejam aspectos da verdade — e esforçar-vos por compreender o todo.
Assim como todo o rio tem de entrar para o mar, assim como toda a corrente busca apressadamente penetrar no oceano, por ser essa a sua finalidade, assim como o mar não pode penetrar o rio, assim também nossa imperfeição tem de crescer na direção da perfeição, pois que a perfeição não pode entrar na imperfeição. Eu digo, não por autoridade, porém como um fato, consumado para mim mesmo, que atingi essa vida eterna que todo o ser humano tem de atingir. Todo ser humano está consciente ou inconscientemente experimentando, sofrendo, entristecendo-se, buscando por meio da dor, e da felicidade, o atingimento inevitável que é a libertação. Digo que a meta da vida humana é ultrapassar toda experiência do eu — não a experiência do que é relativo. No relativo existe a variedade; o mundo fenomenal jamais pode ser eterno, posto que possa ser portador do selo da eternidade. Tornar o eu incorruptível é a finalidade da vida e nada mais, pois nessa incorrupção reside a liberdade, a verdade, que é o pleno, o harmonioso viver. Tendes que julgar toda a experiência que vos se depara, tendo isto em vida. Vosso guia deve ser a verdade — não a intermediária, porém, a absoluta. Se toda a humanidade tem de culminar nessa flor que eu chamo libertação, então, todo indivíduo — isto é, vós — deve ser guiado por essa coisa única e por nada mais.
Precisais de ser vossa única autoridade; portanto, tendes que deixar de lado todas as vossas ideias preconcebidas de espiritualidade. Haveis construído uma ideia de espiritualidade e a aplicais automaticamente ao quer que seja que se coloque diante de vós. Isso não tem valor. É o que pensais que tem importância, não o que os outros pensam. É a massa que inventa essas coisas para suster-se em sua própria integridade, porém, nada tem que ver com a vossa percepção individual, vosso pessoal entendimento da verdade. Por esta razão, digo-o mais uma vez, se quiserdes compreender a verdade, tendes que toma-la em seu conjunto e não em um aspecto. A verdade não pode ter um aspecto, deve ser o todo. Portanto, se quiserdes compreender a verdade, tendes que colocar de lado todas as coisas — o que vosso próximo diz, o que dizem vossos amigos, o que disser as sociedades, o que diz o Cristianismo, o que diz o Budismo, ou o que quem quer que seja diga. O que importa é que pensais e o que dizeis. Eu não estou pregando egoísmo. Não traduzais isto por tal, deixando-o depois de lado, por pensardes que sois muito nobres para serdes egoístas. Por favor, encarai o que eu digo, tão impessoalmente, com tal desapego, que possais extrair sua essência, sua plena significação e em sua conformidade viverdes. Pois para o pleno entendimento da vida, para chegar ao rico e harmonioso viver, o indivíduo, tem somente que ser guiado por si mesmo e não pelos gurus, não pelos ritos, nem por coisa alguma.
Este é o meu modo de pensar. Isto não é criar um espírito de partidarismo. Não me interesso em criar espírito de partidarismo dentro de Sociedade alguma. Digo que, para mim, esta é a verdade e podeis toma-la ou abandoná-la. Se a tomardes, então alterai as vossas vidas, competi com gentileza, enamorai-vos apaixonadamente de tudo e não sejais meros teólogos alimentando discussões sob as árvores frescas, separadas da vida. Não pode haver transigência.
Tudo depende do que estais buscando, do que estais desejosos de encontrar na vida. Se buscais camaradagem, conforto, então criareis abrigos e neles tomais conforto. Tendes igrejas, templos para vos susterem em vossa busca, porque vos atemorizais e cultuais e orais para obter confortos do exterior. Uma vez mais, precisais perguntar a vós mesmos, o que vós, como indivíduos buscais, para que serve toda esta luta, esta dor, esta tristeza. O temor e o desejo de conforto, nada tem que ver com a verdade. Não vos podeis aproximar da verdade por esses caminhos. Tendes que vos libertar de todas essas coisas e, para serdes livres, tendes que perguntar, a vós mesmos, o que é que estais buscando. Eu digo que o homem está buscando libertar a si mesmo da limitação que é tristeza. Todas as limitações são tristeza. O homem está buscando ser feliz de modo a não se perturbar em ocasião alguma. Através da limitação, o homem está buscando a liberdade pela destruição da limitação. O desejo está sempre buscando preenchimento na experiência. Se o vosso desejo for constantemente tornado cativo pela limitação, vem a tristeza. Se o vosso desejo for livre, imenso, infinito, sem limitação, então haverá felicidade, então um tal desejo não mais estará buscando experiência.
Aquilo que percebeis, desejais. O que desejais, buscais. Se vossa percepção for infinita, vasta, ilimitada, vosso desejo será exatamente o mesmo. Se desejardes um automóvel, esse desejo vos amoldará — haveis de competir, de lutar ferireis a outrem para adquirir o carro. Se o vosso desejo for o conforto, construireis um edifício por meio do temor, e realizareis o que desejais. Se, porém, o vosso desejo for o de ser livres, ricos, plenos e em harmonia com a vida, então vossos desejos vos levarão nesse sentido.
Portanto, tendes, primeiro, que perceber o que é essencial e somente depois faze-lo pondo de lado todas as coisas não essenciais da vida. Todos, no mundo, estão buscando isto, consciente ou inconscientemente, e nessa pesquisa se emaranham — todos vós estais emaranhados nesta busca — e neste emaranhamento se constrói uma casa de conforto e nela se é colhido como prisioneiro. Se estais buscando a verdade, tendes que vos desemaranhar desta prisão e verificar que sois prisioneiros de vossa própria criação, de vossos próprios emaranhados, que nada tem que ver com a verdade. A partir do momento que despedaceis esta casa de limitação, estareis começando a perceber a verdade como um todo, pois a vida é um todo, com sua riqueza, sua plenitude. Sede honestos perante vós mesmos. Se pensais que não sois prisioneiros, permanecereis em vossa prisão. Porém, se quiserdes libertar-vos desses emaranhados, dessas tristezas, dores, regozijos, então derrubai a vossa casa, abandonai todas as coisas, intransigentemente, e encontrareis a felicidade, não mais sereis escravo da contínua roda da tristeza.
Não é uma atitude de tédio do mundo. Não estou pregando que precisais abandonar o mundo ou destruir o que se denomina forma. Se eu não tivesse uma forma, não vos poderia falar. Há coisas desnecessárias para vos elevarem à integridade de vosso pensamento, à pureza de vossa mente, e se delas vos libertardes, então estareis buscando o pleno entendimento da vida, então sereis felizes. Do coração provém as emanações da vida e, quando o vosso coração estiver fraco, sobrecarregado pelo medo, inventareis todas essas coisas desnecessárias; então precisareis de religiões, gurus, para vos sustentarem. Se, porém, estiverdes desejosos de buscar a verdade a todo o momento do dia, então estareis começando a trilhar o caminho da liberdade. Deveis ser integralmente o vosso próprio senhor. Deveis ser uma lei estrita para vós mesmos. Não importa o que diz o vosso próximo. É com vossa felicidade que vos relacionais, estais cativos de vossa própria tristeza e não da de outrem. Se resolverdes vossos próprios problemas, então podereis auxiliar a tudo. Se estiverdes em processo de resolver essa tristeza, estareis dando luz e entendimento; se, porém, não destruirdes essa tristeza, estareis somente criando prisões maiores com decorações mais trabalhosas.
Para o homem que realiza — que é de seu coração que provém as emanações da vida, haverá felicidade, haverá a libertação. Isto não é um estímulo colocado diante de vós; não o traduzais como uma recompensa pelas vossas boas ações. Tal homem unir-se-á com essa vida que está em tudo e em todos e a maior das espiritualidades é a de criar dentro de si mesmo esse harmonioso e rico e pleno entendimento da vida.
Krishnamurti em Reunião de Inverno em Adyar