Amigos: Sinto-me satisfeito por
todos nos acharmos reunidos novamente, mas lamento o tempo pouco agradável que
temos tido este ano. Espero que no decorrer da semana o tempo se torne mais favorável.
Esta noite não haverá fogueira no Acampamento. Vejo certo desapontamento em
vossos semblantes, mas é bom que coisa alguma se torne hábito regular. É
preciso que haja mudança, mesmo quanto aos Acampamentos.
Depois do próximo ano deixará de
haver Acampamento aqui, durante dois anos seguidos ou talvez três. Após o
Acampamento do próximo ano, irei à Índia e ali permanecerei um ano inteiro.
Depois, irei à América e lá ficarei também outro ano, aqui voltando em 1933.
Bom é variar hábitos, mesmo no que diz respeito a Acampamentos.
Muitas pessoas, insatisfeitas e
descontentes com sua atual posição, tanto mental como emocional, aqui vêm
regularmente ano após ano, na esperança de nestas reuniões chegar a alguma
conclusão definida, que possam utilizar como princípio orientador de sua vida
diária. Vindes em busca de algo duradouro, de modo que vosso sentimento,
tristeza e dor, vos reste uma verdade viva que vos sirva de guia e exerça sobre
vós uma influência enobrecedora. Quando vós mesmos houverdes, por vosso próprio esforço, descoberto
tal verdade, esse princípio será contínuo, duradouro.
Viestes, pois, para verificar por
meio da critica, se aquilo que eu digo resistirá ao vendaval do tempo e da
dúvida. Se considerardes o primeiro ano de vossa presença aqui, recordareis
como gradualmente foram dissipados, muitos de vossos enganos, muitas ideias
cheias de fantasias, e isto em razão de vossas contínuas perguntas acerca de
coisas a que dáveis muita importância. No ano seguinte, as mesmas ideias
fantasiosas, de novo se haviam firmado em vossas mentes e corações e novamente
tivestes que passar por todo o processo de indagação e dúvida até que, mais e
mais vos fostes libertando da cega confiança na autoridade à medida que os anos
decorriam. Este ano desejo que, se assim quiserdes, considereis o que vos digo com seriedade, pois é desperdício de
tempo passar ano após ano pelo mesmo processo. No primeiro ano, como já disse,
trazeis convosco as mais extraordinárias ideias sobre a espiritualidade, sobre estágios
na consciência, quer eu ou outra pessoa estivesse falando, assim como todas
essas especulações infantis a que nos lançamos quando defrontamos algo de sério
que desejamos evitar. A princípio houve muitos no mundo que se filiaram a uma
organização na ilusão de que, formando uma sociedade, seriam capazes
individualmente de maior compreensão que os demais. Quando, no ano passado,
essa organização (a Ordem Estrela) foi dissolvida, destruiu-se esta ilusão.
Assim, todos os anos, pouco a
pouco, viestes vos desprendendo de vossas concepções pré-estabelecidas sobre a
verdade e a maneira de a ela vos acercardes. Pouco a pouco, assim espero, vosso
julgamento das coisas tem sido modificado. Até então, havíeis estabelecido para
vós mesmos certas teorias confortadoras
visando entender a verdade, teorias consoladoras
nascidas do medo; haveis estabelecido uma série de autoridades, haveis dado
vossa adesão à autoridade de certos indivíduos, procurando deste modo adquirir
o reto entendimento, a vida reta, a reta conduta. Ora, nestes quatro anos esses
abrigos confortadores foram sendo
lentamente destruídos por vossa própria persistência. Quero dizer: vindos com a
firme determinação de descobrir por vós mesmos, indagáveis acerca de tudo.
Vossa preocupação maior, porém, dizia respeito a coisas que não têm importância. Vossas perguntas eram sobre quem
era discípulo e quem não era, quem era ou não apóstolo e quem falava por meu
conduto e quando assim fazia. Considerando agora estas coisas, vereis como eram
ridículas e de quão pouco valor. Como
existia o temor em vossos corações, procuráveis
perder-vos em ilusões. Assim, para vós, a ilusão tornara-se a coisa mais
importante, não mais o medo, da qual surge a ilusão. Indagáveis se aquilo que
haveis criado em razão de vossa ilusão era verdadeiro, não vos preocupando em
compreender o medo, que é a raiz de toda ilusão. Vossa tarefa, na realidade, está em compreender
o medo.
Assim, agora, depois destes
quatro anos de indagação, de dúvida, de pesquisa, de observação, de destruição
pelo raciocínio de tudo quanto se vos antepunha, não vos deixando levar pela
crença sentimental, principiais lentamente, a distinguir o verdadeiro do falso, a ilusão da
realidade. Todos têm que passar por essa fase de desilusão, e feliz
é aquele que vence a desilusão e alcança o outro lado. Naturalmente, muitos há
entre vós que se encontram ainda nessa fase de desilusão, não acreditando em
coisa alguma. Isto
é um bem, pois só por meio desta agonia de descrença podeis chegar à
certeza da fé — a verdadeira fé, que não é a fé em pessoas ou indivíduos e na
autoridade, porém fé na vossa própria certeza, em vosso próprio entendimento,
nascido de vossa própria experiência. Como disse, muitos há aqui que trazem
essa dúvida em seus corações, alguns mesmos em considerável extensão, ao passo
que em outros a força da dúvida já vai sendo diminuída pelo entendimento. Esta
dúvida é que originalmente vos levaria a abandonar as estreitas religiões em que haveis nascido; mas por desejo de
conforto, afrouxastes vossos esforços, sepultando vossas dúvidas, até cairdes
afinal em outra prisão, outra sociedade, adotando outras crenças e outros
dogmas. Estes novamente vos foram retirados e agora tendes medo de serdes
colhidos em nova prisão, atando-vos em outro conjunto de dogmas e opiniões.
Assim existe em cada coração a constância na dúvida e isto é essencial para a
investigação.
A dúvida, a critica sincera, é
essencial para que gradualmente possais escolher, possais descobrir por vós
mesmos o que é duradouro. Uma critica assim é coisa vital. Muitos há, repito,
que, em virtude desta dúvida, principiam a duvidar de tudo, até de si mesmos. A
fé, porém, consiste em vos achardes seguros de vossa própria experiência, da
vossa própria força, de vossa própria capacidade — esta é a verdadeira em que a
dúvida não encontra morada. Podeis duvidar de que eu esteja vivendo aquilo que
digo; podeis criticar-me até satisfazer vossos corações, verificando se pratico
ou não aquilo que prego. Mas, se usardes
a critica somente para julgar e não para descobrir, então a vossa critica perderá
todo valor. Sereis bem-vindos se assim me quiserdes criticar, mas a vossa
critica, para ser de algum valor, deve basear-se no contato direto. Não me
vedes senão sobre plataformas de onde vos falo e não me vedes senão na
superficialidade —, assim, vossa critica é, naturalmente, superficial.
Sustento que vivo aquilo que
prego, mas não vos posso provar.
Talvez o pudesse se vivêsseis de
continuo comigo; não me compete, porém, provar a outrem algo que sei que
realizo. Deveis porém, criticar aquilo de que vos estou falando e verificar se
encerra alguma realidade, se tem alguma realidade, se tem alguma relação com a
vida, a vida ordinária, comum e se não é mera teoria metafísica. Deveis
criticar e analisar a doutrina que explano e então por vós mesmos descobrireis
o que é duradouro, o que é essencial e que deveis acentuar na vida. Assim, não desperdiceis
vossa energia em coisas que não tem importância, conservai-a antes para alcançar aquelas coisas
que são perenes.
Durante os dez dias que há de
vir, é propósito meu apresentar-vos o que é duradouro e eu vos peço, se é que
tendes algum interesse por aquilo que vos digo, que lhe deis toda a vossa
energia, vossa vitalidade.
A realização da verdade — de que
vos falo — não a conseguireis com o fato de virdes a certo lugar ou centro.
Imaginais que pelo fato de virdes a um lugar ou a um centro, chegareis à
realização da verdade e assim dais importância ao lugar e não à realização. Eu
não me interesso em absoluto por determinado lugar ou pela formação de
comunidades, seitas, ordens ou grupos de pessoas que tomem especial interesse
pelo que eu digo. Se sentem tal interesse, isto lhe diz respeito. Vivê-lo-ão e
é o viver que importa e não o lugar onde o consigam. A importância que dais a
um centro se funda numa ideia falsa. Os
centros não têm importância. Não importa onde vos acheis, o que é de vital
importância é o uso que fazeis das circunstâncias que vos rodeiam e como as
alterais. Assim, por favor, afastai de
vós a ideia do valor dos centros. Se raciocinardes de modo muito cuidadoso
e impessoal, verificareis que os centros não podem conter a verdade. Por esse
motivo, vão ser introduzidas alterações neste lugar, de que todos mais tarde
serão informados.
Nem esta realização é conseguida
obedecendo a uma autoridade. Tenho falado acerca disto ano após ano e no
entanto o vosso instinto ainda é o de perguntar: “O que é que diz fulano?
Obedeçamos, sigamo-lo”. Confiais na autoridade daqueles que vos descrevem
fenômenos pertencentes a outros planos, mas com isto não conseguireis encontrar ou realizar a verdade.
O ocultismo não é senão o exame de fenômenos em outro plano. Essa procura de
autoridade resulta do medo e da incerteza quanto à nossa própria capacidade de
raciocínio. Meu exame de uma flor não tem valor, se não sou capaz de encontrar
deleite na flor em si mesma. É a vossa capacidade de vos deleitardes com a
beleza da flor o que tem valia, não a capacidade de fazê-la em pedaços.
O que devemos tratar assim são as
nossas experiências diárias e por meio dessa dessecação assimilar pleno entendimento
de cada experiência. Por isso é que insisto em que não aceiteis autoridade de
qualquer espécie. Deveis, porém, considerar raciocinando impessoalmente aquilo
que vos é apresentado seja por quem for, e descobrir, por meio desse exame
impessoal o que nisso haja de valioso deixando de lado o resto.
Tenho estado a vos ensinar nestes
últimos quatro anos, que a realização da verdade não resulta de distinções
espirituais, ou da aspiração pela consecução desta. Não é isso senão outra
ilusão nascida do medo, e do desejo de ser reconhecido por outrem como
superior.
Aqui viestes de todas as partes
do mundo, porque pensais que tenho algo para vos oferecer, que vos posso
mostrar o caminho da vida, que vos posso indicar a maneira de realizar essa
perfeição que é a consumação da existência individual. Com esta aspiração aqui
vindes todos os anos, porém o vosso desejo de encontrar a verdade permanece atado em todo
um conjunto de coisas sem importância. Por isso é que necessitais
primeiro dissociar-vos de todas as ilusões de que vos haveis rodeado. Uma vez
que delas vos tenhais dissociado, libertando-vos do passado, então o princípio
ativo da critica principiará a agir consistindo em buscar a essência daquilo
que eu digo — da realidade.
Ora, eis alguns dos pontos que
vou oferecer a vosso exame no correr de toda semana entrante: que a
individualidade não constitui um fim em si mesma; que a existência individual
não é uma finalidade mas encontra a sua plena realização ao alcançar a
totalidade, a unidade de toda a vida; que ânsia pela continuação da existência
individual, de que decorre a reencarnação com toda a sua multiplicidade de
perturbações não é senão o adiamento da realização; que a existência individual
tem um propósito definido, enquanto, que a vida em seu conjunto não tem tal propósito.
Discutiremos isto à medida que forem passando os dias. Quero, porém, que me
façais perguntas sobre estes temas, não sobre se existem os Mestres, ou sobre
quem seja ou não um discípulo, ou sobre se as cerimônias são ou não
necessárias.
Como indivíduos estais imersos em
tristeza, e o meio de vencerdes essa tristeza, o problema principal para o
indivíduo — não é o saber quem já venceu ou vai vencer, e sim como sabe vencer.
Esta vitória somente pode ser alcançada mediante um esforço contínuo,
incessante por parte do indivíduo e para isto não há necessidade de “auxílio super-humano”. Pela observação
própria, pelo esforço constante por vos libertardes das ilusões nascidas do
desejo do conforto, pela própria energia e constância nesse esforço, podeis
realizar esta felicidade que é incondicionada. Assim, são estas as duas coisas
com que vos deveis preocupar: Saber qual o propósito da existência individual e
qual a maneira de chegar à consumação desse propósito.
Para este fim deveis conservar
vossa energia, vossa força, colocar toda determinação no vosso modo de ser, que
é a vossa conduta para com os outros.
A conduta autoconsciente vem por meio do desapego. Chega-se a esse
desapego por meio de continua concentração, e a concentração conduz à
consumação de todo o esforço, que é a pura
intuição, em que não mais existe o anseio pela existência individual.
Durante esta semana, eu vos
sugeriria que focalizásseis a luz de vossa critica sobre vós mesmos,
perguntando-vos se estais vivendo essa realidade a todo o instante do dia e se
conservais vossa energia com esse propósito; então não mais a dissipareis em conversação
inútil. Quando reuniões como esta se realizam, há sempre o deleite
de encontra velhos amigos e de conversar com eles, bem nos podemos, no entanto,
libertar disto após o primeiro dia. Durante o resto do tempo, eu vos sugeriria
que conservásseis a vossa energia afim de criticardes vossas próprias ações,
para por esse meio as alterardes. Para
isto precisais de solidão. No geral a solidão é procurada por temerdes
algum conflito, mas ela não vos evita. No decorrer desta semana, não vos
percais em conversações vãs e inúteis e em discussões, pois ao contrário,
dominai-vos com o entendimento, de modo que, por vosso contínuo esforço durante
esta semana possais dentro de vós mesmos firmar um entendimento claro do
propósito da existência individual e da maneira pela qual podeis chegar à
realização.
Quando, como indivíduos,
houverdes concentrado esta energia de esforço dentro de vós mesmos, que é o
cuidado diligente com a vossa conduta, que não é senão ação na vida, e quando
tiverdes aperfeiçoado essa conduta, estareis livres para então chegar a ser e em ser está a felicidade. Por meio da conduta somente chegareis à pura ação, ao puro
ser que é a consumação da existência
individual.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 30 de julho de 1930