Espero falar com franqueza e se o
fizer, que nenhum de vós fique magoado. Acontece às vezes que um homem domina
um grupo de indivíduos e deixa neles a sua impressão. Não é absolutamente este
o meu desejo. Como os maiores teosofistas do mundo aceitam grande autoridade —
talvez formeis exceção — não me classifiqueis entre os vossos guias, porque eu
não sou guia, e seria meu último desejo tornar-me guia.
Sob o meu ponto de vista, um
homem que deseja procurar a verdade, não pode deixar sua impressão sobre um outro,
nem pode fazê-lo um homem que tenha atingido a verdade, porque a verdade, a
libertação, ou felicidade, são matérias puramente individuais e não aproximadas
por qualquer caminho, seja ele qual for. E não desejo, portanto, que aceiteis
qualquer coisa que eu diga, ou tenha em vista.
A maioria dos teosofistas
espalhados pelo mundo — e provavelmente aqui, também, porque pertencem à
natureza de seres humanos — quando estão descontentes, abandonam a gaiola de
uma instituição e unem-se a outra na qual ficam igualmente aprisionados. Eu não
estou dizendo que estais numa gaiola — podereis investiga-lo, vós mesmos — mas
isto é o que acontece pelo mundo. Vós vos tornais membros da Sociedade
Teosófica, porque ficastes descontentes com as coisas que vos rodeiam. Discordastes
de vossa religião, de certo modo de pensar, de uma certa cristalização e
deixastes isso reunindo-vos a esta sociedade Teosófica para encontrardes a
verdade, a compreensão da vida ou um auxílio semelhante.
Se quisésseis encontrar alguma
coisa, deveríeis estar continuamente descontentes até o momento de consegui-la.
O descontentamento é agradável. É
a única coisa que é criadora no homem, porque por contínuo desprendimento e
eliminação, ele encontra o que deseja procurar. O momento em que vos tornais
cristalizados no pensamento ou em emoção, é o da morte. O indivíduo não
encontrará nunca aquilo que está procurando por meio da cristalização. A
cristalização vem no momento em que aceiteis a autoridade de alguém e
geralmente acontece que nas sociedades, religiões, instituições, um ou dois
indivíduos dominam os demais pela sua personalidade, pela sabedoria, pela sua
força, pela sua oratória, etc.
Não estou ensinando nada, estou
apenas relatando fatos que acontecem no mundo. No momento em que trazeis o rótulo
de autoridade ou a impressão de outrem, ou permitis que vosso coração e vosso
espírito sejam moldados pelas mãos de outrem, sois incapazes de encontrar a verdade.
Deste meu ponto de vista, nenhuma religião, nenhuma instituição, nenhuma
sociedade pode conduzir o homem à verdade; nem nenhuma sociedade, instituição
ou religião encerra a verdade, porque a verdade é puramente uma coisa
individual e nada tem a ver com qualquer organização, seja ela qual for. Este é
o meu ponto de vista, notai. Não renuncieis à Sociedade porque eu o diga.
Como sabeis, dissolvi a Ordem da
Estrela e não pertenço a nenhuma sociedade, mas não penseis que estou agindo
sobre mim. Não. Não me interessa criar uma organização. Eu digo que para mim a
verdade é o equilíbrio perfeito do espírito, da razão e do afeto, e para
alcança-la é de todo desnecessária a organização. Não estou trabalhando ou
pregando para imprimir a outrem o que penso, porque isto seria criar uma outra
prisão em vez de fazer o homem livre. Dissolvi a Ordem e é meu vivo desejo que
nenhum de vós que aqui me ouvis, siga quem quer que seja, inclusive a mim,
porque ninguém possui a verdade senão vós mesmos. Ninguém vos pode mostrar a
verdade. Nenhum chefe, nenhum guia, nenhum professor poderá mostra-la.
Lamento se vos falo
violentamente. É o meu ponto de vista. Examinai-o como examinaríeis qualquer
coisa, impessoalmente; sem nenhum antagonismo. Nada desejo de alguém — vosso
dinheiro, vossas casas ou vossas propriedades ou vossa organização. Se
pretendeis ouvir-me, deveis fazer o que pensardes estar direito. Este é o meu
único meio atingir, único meio de chegar, e não através da reação de uma
multidão que vos cerca, de vossa sociedade, religiões, seitas ou classes.
Para mim, a verdade que cada
homem procura, só pode ser atingida através da perfeição própria, pelo
constante ajustamento entre a razão (pensamento consciencioso) e a vibrante e
flutuante emoção.
Este perfeito equilíbrio,
harmonia, ponderação, só poderão ser atingidos pela experiência — vossa experiência, não a experiência de
outrem. Esta é, para mim, a verdade, que é incondicional porque é a
incorruptibilidade do eu, e quando houverdes feito este eu incorruptível, ele
se tornará o todo e não a parte. Não haverá, então, nenhuma separação. Quando o
eu for incorruptível, será omnisciente, porque abrange o todo. Não há
omnisciência, sabedoria perfeita no mundo dos fenômenos, que é relativo, porque
há constante mudança, multiplicação de manifestações; ao passo que o eu
incorruptível é omnisciente, porque nele não há separação. E isto permanece inteira e integralmente dentro de alguém, não
exteriormente, conquanto possais examinar os planos em diferentes níveis.
Tal verdade, tal harmonia perfeita, tal felicidade, tal êxtase do objetivo não
existe em nenhuma organização, não existe à porta ou no altar das igrejas ou
dentro das obras das religiões ou nos sacerdotes, nem nenhuma força irradiadora
de qualquer ponto vo-los dará. Este é o meu ponto de vista.
Quem vos poderá dizer que sois
corruptíveis ou incorruptíveis, senão vós mesmos? Quem vos poderá fazer felizes
senão vós mesmos? Qual é o fim de vos cercardes de inúmeros deuses para
chegardes à eternidade? Deveis desprender-vos de todos os deuses para
encontrardes a vida. Se deveis adorar, adorai o homem que vos está próximo, o
homem no campo, o homem na rua. Este é o meu ponto de vista. E quando tiverdes
a visão do homem perfeito, do homem livre, então a vossa visão é a vossa yoga e todos os problemas que
enfrentardes não serão mais problemas. É porque não sabeis o que quereis e sois
incertos nos vossos desejos, que procurais os inúmeros canais que vos parecem
essenciais.
A ideia dos discipulado,
mistério, ocultismo — que é apenas o exame dos fenômenos sobre outro plano —
sob o meu ponto de vista não conduzirá à verdade. Repito, do meu ponto de
vista; não o citeis amanhã e digais que é o vosso ponto de vista. Refleti
novamente. Aceitai ou rejeitai, mas não sejais indiferentes às coisas. Se o que
eu digo é falso e o que dizeis é verdadeiro, segui com firmeza, com o espírito claro,
com energia; mas se o que eu digo é verdade, praticai-o com o mesmo interesse —
não com entusiasmo, porque o entusiasmo falha, enquanto que o interesse nunca
desaparece.
Dividistes a vida em muitas
acomodações, muitos sistemas, muitas direções, místicas e ocultas, e deste modo
pensais que alcançais a verdade. Sob o meu ponto de vista a verdade não tem
caminho, é uma terra intransitável pela qual deveis forçar vosso próprio
caminho; e este caminho não é o caminho de outrem e não pode ser aberto para outrem.
Este é um assunto sério e estou
perfeitamente convencido da confusão que há na sociedade teosófica em relação à
minha atitude, e isso naturalmente, porque não concordarei, em minha atitude,
com os vossos guias, e vossos guias não estão comigo. Não me incomodo,
finalmente, porque acho que a verdade é uma coisa que não se pode descer ou ser
alterada pelas conveniências das sociedades, organizações e corporações
religiosas. Porque tendes guias, porque seguis vossos guias, há confusão.
Não digais que por ser eu “desleal”
estou vos pedindo que sejais desleal. Não estou falando da lealdade, estou
falando da verdade; e uma vez que sois leal à verdade, sois leal a todos, a
cada homem, a cada ser humano, a cada coisa animada ou inanimada. Vossos guias
disseram que eu estou caminhando para ser alguma coisa, e quando esta alguma
coisa contradiz o que eles disseram, naturalmente há confusão. É muito simples.
Eles não concordam comigo, nem eu com eles. É um caso muito simples, assim,
porque duvidais?
E deverá ser sempre assim se
seguirdes alguém, se estiverdes sempre repousando debaixo de uma autoridade e
venerando a sombra da autoridade. Eu não sei porque tendes guias em tudo ou de
qualquer espécie — especialmente guias espirituais. Como podeis ter guias
espirituais? Como podeis seguir alguém que não seja vós mesmo, quando fazeis
parte daqueles que procuram a verdade. Não procureis a verdade no momento que
seguis alguém. Estais procurando satisfazer vossos atemorizados desejos. Tendes
medo.
Não observeis tudo isto do ponto
de vista de uma organização, porque não tenho organização. Não quero que
deixeis uma organização para entrardes para a minha. Não quero que sejais
seguidores de Krishnamurti. Isto não me interessa; a personalidade nada é, mas
para vós as personalidades são a coisa principal. Daí naturalmente nasce
confusão.
Estais discutindo tanto se a
consciência do Senhor Maitreya está operando através de Krishnamurti, e assim
são vossos guias. Isto não é pessoal e espero que não o tomareis como meio
pessoal. Que vale conhecer quem está falando? Eles não podem nunca saber quem
sou eu. Nenhum homem pode saber, a não ser o homem que se fez perfeito e que
assim compreenderá. Nenhuma propaganda estou aqui fazendo. Falo muito
seriamente, porque começasteis a procurar a verdade e fostes colhidos por
dogmas, crença, fé, cerimônias, formando novas religiões e novos credos, e é
doloroso vigiar pessoas encerradas, que pensam que estão quebrando as prisões,
quando estão apenas decorando as grades e tornando-as brilhantes em sua hábil
decoração no mundo dos fenômenos.
Por favor acreditai quando digo
que não desejo que me sigam, que não tenho organização e que não estou trabalhando
em meu benefício em oposição a ninguém. Estou justamente afirmando aquilo que eu
sei, para mim, ser a verdade; o que para mim é a mais alta realidade, o que
para mim é a incomprometedora atitude entre o que é e o que não é essencial.
Há, naturalmente, uma grande diferença entre os vossos guias e eu, e não convém
procurarmos conciliar essas coisas.
Não podeis ser político em
matéria espiritual. Por isso pondes a organização antes do real. Então,
encerrais o real com os vossos artifícios de organização. Então uma seita
torna-se maior do que o todo. Não pode haver cristalização de pensamento, uma
solidificação de vossas emoções, se houver um interesse contínuo,
consciencioso, ativo e intenso naquilo que estais procurando, deveis descobrir o
prosseguimento secreto do vosso pensamento. Se o vosso pensamento é o insistente conforto,
tereis proteção, gurus, mestres.
Direis prontamente: “Não existem Mestres?” Eu a isso direi que Mestres, aparições, “devas”, anjos,
nada têm a ver com a realização da espiritualidade. Eles de nada servem às
vossas realizações. Notai, este é o meu ponto de vista.
Examinai, portanto, o prosseguimento dos vossos
desejos íntimos, porque desde que tenhais vossos desejos claros,
podereis andar limpa e frescamente, sem o bordão das coisas desnecessárias.
Sob o meu ponto de vista, quando
há aquele intenso desejo de pesquisar e converter-se — não viver meramente em
teorias — então não vivereis em um mundo de fenômenos diversos, embora elevado
que seja. Que utilidade têm todas as novas teorias, as vossas inúmeras organizações,
vossas igrejas e vossas adorações religiosas, quando há tristeza? Quem cuida de
todas essas coisas? Eu sei que as olhais muito intelectualmente e dizeis que
alguém tem sabedoria. Sim, mas o que vale vossa sabedoria, quando não há esta ação vigorosa atrás dela?
Percorrei qualquer rua e
encontrareis igrejas onde grandes somas de dinheiro foram gastas em adorações
resultantes do temor, e ao lado delas vereis um homem ou uma mulher com
lágrimas. Que utilidade têm tais coisas?
A tristeza conduz à pesquisa, não
à sabedoria. A tristeza vos dá a energia, a vitalidade de combater tudo isto, e
não os vossos confortáveis lugares retirados de seitas especializadas; e não
venerações, religiões, a competição dos graus da espiritualidade.
Não vos emocioneis com isto. Para
compreenderdes qualquer coisa deveis olhá-la isoladamente, e, quando há essa
compreensão do isolamento, há ação, essa espécie de ação que não deixa
impressão sob a vida de outrem.
Do meu ponto de vista — não há
caminho para a verdade, nem a cultivação de inúmeros caminhos vos conduzirá a
verdade.
A verdade só pode ser atingida
através da experiência, pelo constante desenvolvimento, pela tristeza, pela
contenda, pelo êxtase. Através daquele desenvolvimento vós vos convertereis e
nesse estado consciente reside o equilíbrio e daí a verdade.
Se um homem quiser encontrar a
verdade, se quiser tornar-se este todo, não deverá ter compromisso. Compromisso
é o resultado do temor, da incerteza, é destrutível, negativo; enquanto a
certeza dá aquela qualidade dinâmica que vos habilitará sempre a escolher o
essencial e a colocar de lado o que não é essencial. Quando percebeis a visão
da vida, então o meio de atingi-la é fazer do extremo os meios, conservando
sempre aquela visão em perfeita claridade e seguindo essa claridade. Eu sei —
não penseis que estou falando sem severidade ou com estreito fanatismo — que os
teosofistas por todo o mundo têm feito grandes coisas, sacrifícios imensos e
seria pena se eles se tornassem apenas seguidores, em vez de usarem a
inteligência para se desenvolverem a si próprios e daí todos os que os rodeiam.
O característico de um plebeu,
para mim, é o do temor que incapacita o espírito e o coração para o funcionamento
livre e para a atividade espontânea. Se atingirdes a verdade, se não consintais
que nenhum homem deixe a impressão de sua ação em vosso espírito e coração, e
não deixeis vossa impressão em outrem.
Krishnamurti numa comunicação à Federação Teosófica de Nova Iorque