As ideias que vos desejo
apresentar não estão tolhidas pelas limitações do pensamento nacional, porque
eu sustento que o pensamento e o sentimento reais não estão restritos pelo
preceito nacional; eles não têm limites, nem fronteiras. Por favor não
imagineis, portanto, que o que eu digo não é aplicável à América, porque
aconteceu ter eu vindo do Oriente.
Deve-se ter a capacidade de
pensar independentemente de todos os preconceitos nacionais, e de, por
conseguinte, pelo pensamento independente criar a ação independente, pois a
ação tem valor — o mero pensamento não realizado pela ação, é inútil. O
pensamento, com a sua ação correspondente, produz mutações no mundo dos
fenômenos, e desde que haja mudança, alteração constante, deve haver luta;
dessa luta resulta o desenvolvimento, o progresso, e este é necessário ao ser.
Ora, consideremos o indivíduo
como a base de um grupo, porque o indivíduo tem a mais alta importância. O
grupo é composto de indivíduos, e, portanto, se vós — o indivíduo — desejais
ter a capacidade, por escolha contínua, de discernir, por vós mesmo, sobre o
que é essencial, não devereis então tentar adaptar-vos à sociedade. Desde que
um indivíduo tenha resolvido seus problemas particulares, suas inquietações,
suas preocupações, suas emoções, seus desejos, suas angústias, suas dores,
então o que expressar será ele próprio, e por essa mesma consecução trará ordem
e harmonia para a sociedade ou grupo.
A civilização é a expressão do
indivíduo, mas, de nenhum modo, é a manifestação do eu completo. O conflito, a
corrupção, a exploração, a usurpação do poder nas mãos de alguns, são o fruto de
ignorante esforço individual. Mas, desde que compreendais a discórdia individual,
pelas vossas próprias lutas, vossas próprias aflições e desafeições, vossas
próprias reações — então, no mundo dos fenômenos, no mundo da civilização,
haverá uma alteração, uma mudança para a ordem, harmonia, cultura. A cultura
pertence ao “Eu”. A educação do “Eu” deve ser nossa principal preocupação.
Falo aos professores, e, naturalmente, eles estão preocupados com a educação
daqueles que são mais moços do que eles; mas, eventualmente, o indivíduo pelas
suas próprias preferências contínuas, torna-se uma lei para si próprio. Esta
preferência é a contínua descoberta da verdade. Desde que estais cultivando a
capacidade de escolher, de discriminar, sem respeito a grupos, nações, classe,
credo, estais descobrindo a verdade. A mais alta inspiração do homem é ser consumadamente
inteligente, não simplesmente intelectual. A inteligência é muito
maior que o simples intelecto, porque a verdadeira inteligência é fruto da
experiência — a experiência da razão e do afeto — e isto é intuição.
Enquanto vós, como indivíduo,
como ser humano à parte não tiverdes resolvido vosso problema, não tiverdes
compreendido o objetivo e significado da luta, não podereis auxiliar,
realizando o milagre da ordem num mundo de caos. Este é o verdadeiro objetivo
da educação — não adaptar o indivíduo à
sociedade, não fazê-lo repulsivamente harmonioso com ela, mas obriga-lo a
pensar e agir independentemente, para desenvolver essa consumada inteligência
que está sempre escolhendo o essencial.
Assim, o grupo, a massa, a nação
são compostos de indivíduos, mas se considerardes que o indivíduo se manifesta
coletivamente, vereis, então, que o mundo, a massa, o grupo, fica entre o “tu”
e o “eu”. Se o indivíduo assim faz, a batalha, a continua corrupção, a exploração
do “tu” e do “eu”, cessam. Assim, minha conclusão é que enquanto o indivíduo
for corruptível, enquanto o indivíduo tiver interiormente caos, até que ele
próprio se compreenda, e conclua claramente, por si mesmo, o caminho que deve
seguir, haverá o caos em redor dele. O indivíduo, por sua incorruptibilidade,
produz ordem no mundo.
Não pode ser o objetivo da
educação, quer seja do jovem ou do ancião, — o adaptar o indivíduo a um
ambiente. Se estiverdes lutando dentro de vós mesmo, como devereis estar, não
poderá haver harmonia entre vós e a sociedade, não podereis confiar nela. Se
considerardes o que está acontecendo no mundo, descobrireis que o homem — e a
mulher também, pois são iguais, porque têm os mesmos desejos, as mesmas ambições,
embora tenham expressões físicas diferentes — está sendo modelado, está se
tornando um dente da engrenagem de uma máquina que funcionará suavemente, para
adaptar-se à sociedade, à nação — sem um combate, sem uma luta. Em outras
palavras, ele está transformado em um modelo, em um padrão. A vida detesta o
padrão, porque qualquer modelo é incompleto, e todo o indivíduo que é modelo,
traz no coração a incomoda carga da imperfeição. Um indivíduo não deve
tornar-se um modelo, deve ser completo, e por isso não pode adaptar-se à sociedade,
porque a sociedade ou grupo está sempre procurando criar um modelo.
Ora, se examinardes os resultados
dos sistemas educacionais, vereis que, na maioria dos casos, o indivíduo,
depois de sair da universidade ou de outro centro qualquer de educação,
adapta-se convenientemente em um molde criado para ele pela sociedade. Em
outras palavras, ele adora o sucesso. Observai a máquina inteira da
civilização. Todas as honras são conferidas ao homem que é bem sucedido com o
grupo, e em seus negócios, e, por conseguinte àquele que é vulgar. Ter
dinheiro, acomodar-se à rotina da sociedade, ser vulgar — chama-se sucesso. Não sou contrário à criação para
todos de condições físicas saudáveis, mas contrário à asfixiante pressão sobre
o indivíduo para acompanhar a massa, que somente parece assegurar-lhe o
prestígio procedente do grupo. Ser diferente do grupo é ser desprezado, é ser considerado
perigoso. Para pensar com independência, livre do que vos cerca,
livre do julgamento de vossos vizinhos, de vossa sociedade, vossa nação, toda
vossa raça, é incorrer em condenação. Sereis expulso da sociedade, se não vos
adaptardes ao molde.
A vida é um processo contínuo, no
qual experimentamos, assimilamos e rejeitamos. Se vos transformais num modelo, não
podereis nunca assimilar ou rejeitar, não tereis a capacidade de escolher, e,
desse modo, vós vos tornareis um autômato, uma pessoa morta. O meu ponto de
vista é que o pensamento independente é necessário para uma ação real; e para
pensardes sem dependência, não devereis adaptar-vos a qualquer espécie de
encaixe, nem cegamente aceitar o que
os outros digam.
Depois vem a religião. Adorando
rótulos, adorando alguém, moldando-vos pelo modelo de uma pessoa, quer seja
Buda, Cristo ou Maomé, tereis estabelecido um modelo fora de vós mesmo, um
modelo de janela de vidro de cor e vós mesmo vos moldais por ele. Ainda, vós
vos transformares num padrão e o vosso coração e a vossa mente, serão moldados
ao feitio de outrem. Por maior, ou majestoso que alguém possa ser, a vida detesta o
molde. Em religião, estais sempre unido a uma autoridade, àquilo que
alguém disse; imaginais que a espiritualidade é a ortodoxia. Daí criou-se a teoria
da espiritualidade. Na Índia supõem-se que deveis ser pobre, feio e sujo para
serdes espiritual. Aqui tendes também uma teoria da espiritualidade, embora
seja expressa diferentemente. Porque tendes uma ideia fixa da espiritualidade,
fazeis a totalidade da vida adaptar-se a essa teoria; forçais a vossa vida, a
torceis, a fazeis horrível, para acomodá-la a essa teoria; e viveis à sombra de
outrem, tornando-vos um modelo, uma pessoa morta.
O mesmo se dá em qualquer direção
do pensamento, na administração, na política, no trato social, na religião, na
educação; estais
simplesmente criando padrões e não um homem completo.
Por que vos transformais num
padrão? Por que imitais alguém? Por que seguis a autoridade? Em assuntos
espirituais não pode haver autoridade; em pensamento e crença não
pode haver autoridade; só a experiência tem importância. A experiência é
o único mestre. Por que, então, vos transformais num modelo, numa máquina? É
porque o modo representa papel predominante em vossa vida. Receais vossos
próprios pensamentos, sois indeciso; e daí procurardes guias em assuntos
espirituais. Desde que haja o desejo de conforto, vem o medo. A luta ocasiona
receio ou entendimento. Desde que receais lutar, procurais amparos, procurais
autoridades em assuntos espirituais, é preciso que se vos diga o que está
direito, o que está errado, o que é insucesso, o que é sucesso. Mas desde que
haja o desejo de entender esta imensa luta que se trava, não sereis dominado
pelo medo e experimentais compreender toda a experiência que vos aparece.
A conformidade não é cultura. Não
podeis vos educar pela conformidade. Precisais formar ambientes próprios, de
modo que o indivíduo esteja sempre lutando, escolhendo, assimilando e
rejeitando, e, assim, crescendo. A individualidade não é um fim, em si mesma,
porque a individualidade é divisão, e a individualidade está experimentando
sempre, pelo contínuo contato com a vida, derrubar a barreira que a separa das outras. Em
outras palavras, a individualidade forma-se de nossas reações inconquistadas.
As reações criam barreiras e divisões. Mas, desde que tenhais conquistado
vossas reações, não há barreiras nem divisões. Portanto, é o ego, a
individualidade que não transformou sua reação, que cria barreiras. Mas, o
verdadeiro eu reside na região da ação pura; assim para atingirdes esse eu,
para encontrardes a ação pura, deveis ir pelo processo da reação, das atrações
e repulsões, gozos e prazeres, aflições e dos grandes êxtases, e, gradualmente,
eliminar todas
as reações, até chegardes à vossa própria morada, da qual agis, mas
onde não há reações. Este é o objetivo da vida.
Por conseguinte, a previdência em
todas as coisas, em vosso atos, vossos pensamentos e vossas emoções, e um
propósito que não nasce das reações, são a mais alta espiritualidade, e não o
conformar-se a um padrão.
Deveis criar em vós mesmo, no auge do
conflito, entre a emoção e a razão, o desejo de estar perfeitamente
equilibrado. Mas, para chegardes ao equilíbrio, deveis passar por essa luta
extrema, não podeis fugir ou cansar-vos do mundo. Desde que estais no auge da luta entre a emoção e o pensamento, aparecer-vos-á o desejo de estardes perfeitamente
equilibrado e começareis a vos equilibrar. Podeis ter numerosos
livros que expliquem todas as vossas aflições e vossas lutas, vossas dores e
vossos gozos. É muito fácil modificar as coisas por meio de uma explicação.
Isto é o que todas as pessoas estão procurando — explicação. O homem que, de
fato, está aflito, procura explicação? Se morre alguém que amais, de que vos
servem as explicações? Delas precisais, porque estais isolado. A solidão não
pode ser modificada em virtude de uma explicação. Nenhuma quantidade de teorias
ou explicações fará a solidão desaparecer. Mas, desde que estais realmente
lutando na tristeza, e sentis ser essa tristeza a mais profunda possível,
estareis, então, procurando o caminho, a causa da tristeza como que se torna,
então, uma terra em que devereis crescer, uma terra de nutrição, não uma coisa
a ser evitada.
Ora, o enriquecimento da vida
pela experiência contínua é pura ação, é incorrupção. A pobreza da vida, a
falta de experiência, é corrupção. Assim, não deveis amoldar-vos por um tipo.
Deveis ser o todo, abranger tudo. O pensamento que, a princípio, é pessoal,
está pela experiência evoluindo cada vez mais para o impessoal, e, quando o pensamento
é impessoal, é
inteligente. E a inteligência vos
levará a esse estado de pura consciência que é a consumação da vida humana.
Estar perfeitamente equilibrado nessa ação pura, é a meta da vida, o resultado
de toda a experiência; então, a vida é rica, integra, toda-integrativa — completa;
então os vossos problemas, como um único, estão resolvidos, e estareis apto a
dar ao mundo aquele perfume, aquela compreensão que é necessária à manutenção
do todo.
Krishnamurti em discurso aos
professores em Los Angeles, 10 de abril de 1930