A pessoa que se encontra incerta
em seu próprio julgamento, recorre instintivamente à autoridade e à tradição; e
o efeito disso é o enfraquecimento de sua capacidade para julgar e o desviar
esse julgamento de seu verdadeiro objetivo. O que o julgamento realmente busca
é tornar-se cada vez mais impessoal e cada vez mais liberto de seus embaraços.
Neste particular, apelo algum à autoridade pode servir de auxílio; antes um tal
apelo é a pior coisa para ele. O julgamento somente pode ser purificado por
meio da luta incessante. É mediante uma sucessão de escolhas pessoais expressas
na ação, que cada indivíduo tem que aprender a confiar em si mesmo e a tomar
sozinho a completa responsabilidade de tudo quanto fizer.
Naturalmente existe nisto um
grande perigo, que é o de tornar-se obstinado e teimoso. A cura para tal é o
sofrimento. Somente assim pode, quem quer que seja, chegar ao puro julgamento
que não seja tingido pela fantasia e o preconceito pessoal. No fim de tudo é
isto que toda a gente no mundo anda buscando — um padrão inteiramente
impessoal. Assim, pois, é por meio de um longo processo de progressivo discernimento,
pelo crescimento de um lado e a eliminação pelo outro, que se estabelece dentro
de nós mesmos uma visão impessoal da vida. A partir do momento em que qualquer
de vós queira fazer isto, não mais desejará apegar-se à autoridade ou à
tradição.
Da falta de confiança em nosso
próprio julgamento provém a imitação; e da imitação provém as ideias
preconcebidas ou de segunda mão sobre a espiritualidade e a consumação da vida.
Toda a vida de grupo se acha baseada na imitação; pois o princípio vulgar sobre
o qual um grupo se forma é o de coletar pessoas do mesmo tipo e com o mesmo
ponto de vista. A vida do grupo representa, assim, o oposto do
auto-desenvolvimento, e o auto-desenvolvimento é o único meio de entender e realizar
o propósito da vida. A partir do momento em que estabeleçais um tipo tornado
padrão daquilo que é grande e espiritual, o tipo absorverá o indivíduo.
Sabeis de experiência como, a
todo o instante, a pressão se exerce sobre vós para seguirdes um certo tipo ou
vos submeterdes a uma certa ortodoxia estabelecida. Desprezai isso
completamente. Não importa quão poderosa ou quão grande seja a autoridade; para
encontrardes a realidade tendes que resistir absolutamente a toda a padronagem.
E no entanto, quão longe se acha
a maioria das pessoas de verificarem isto! O religioso vulgar tem uma concepção
opaca da espiritualidade e a todo o instante se amolda ao seu tipo. Mas, para o
entendimento e desenvolvimento reais, nenhum padrão pode ser útil, desde que
limite o crescimento e estreite o pensamento. Se quiserdes crescer, portanto,
deveis estar em revolta contra a autoridade. Tendes que substituir a autoridade
pela experiência, pois que somente assim podereis descobrir a realidade que se
acha dentro de vós mesmos. Isto é apenas uma outra maneira de dizer que o
crescimento deve ter lugar por meio da luta. É somente por meio do combate que o indivíduo
chega a perder o sentido da separatividade, a aquietar e vencer suas reações e
a encontrar a felicidade do verdadeiro ser. Podemos ver, portanto,
que a felicidade não é indulgência — é a consecução final da luta. A realização
é sempre assunto individual; portanto, a imitação não vos pode servir de
auxílio nesse sentido. A imitação é o recurso daqueles que temem buscar pela única
maneira correta.
Em um dos meus primitivos
discursos falei dos três estágios através dos quais o desejo passa para buscar
sua satisfação interior. No primeiro estágio espera escapar aos conflitos da
vida no conforto oferecido pelas posses físicas. Desenganado por este lado, transfere
a busca para um nível superior e busca refúgio no romance e no mistério dos
Mestres e Instrutores e assim por diante. Com estas coisas cria tipos, os quais
pensa que lhe virão a ser guias uteis através do caos da confusão mental e
emocional — atribuindo vida a algo que a não possui e vestindo-o com as
qualidades que sente lhe faltarem. Em seguida vem o terceiro estágio, no qual,
não tendo encontrado satisfação, começa o homem a ser ele próprio, confiando, para sua
integridade e força apenas em si mesmo, e não se importando com o que outrem
possa dizer. Quando alcançais este estágio, o que pensais e sentis torna-se vossa realidade, e assim, começais a
crescer — a crescer eternamente, pois que a vida não conhece lugar de repouso.
É então que começais a agir sem reações; e pelo fato de vossa vida integral se
exteriorizar partindo de seu próprio centro, cessais de, para vosso
entendimento e crescimento, confiar em algo externo. É neste ponto que começais
a vos tornar o que chamo um homem verdadeiramente culto, um homem espiritual,
porque entre as vossas opiniões e vossas ações não haverá lacuna. É este o
verdadeiro padrão de espiritualidade e cultura. O homem que nada pede do
exterior, mora
no PURO SER. Torna-se uma expressão da vida. O labirinto das ilusões
não mais o aprisiona; é livre.
Krishnamurti em Acampamento de Ojai, 31 de maio de 1930