Existe em nosso ser um espírito irrequieto
e vagueador, e é bem frequentemente necessário perguntar a nós mesmos o que é
que estamos perseguindo, o que é que estamos buscando que justifique toda esta
aparentemente desnecessária luta, tristeza e esforço.
Ao passo que vou falando gostaria
que aplicásseis a vós mesmos aquilo que digo, não ao vosso próximo, pois que
mais interessa aplica-lo a nós próprios. O exame de si próprio possui uma
qualidade propulsora, enquanto que a bisbilhotice referente aos outros nada
traz de útil.
Ora, quando perguntardes a vós
próprios o que é que estais buscando, o que realmente desejais entender é como
a vida labora em seu todo, o que a verdade é em seu todo. Quereis encontrar o
universal dentro de toda a massa de particularidades. Quereis compreender a
vida em todos os seus vários matizes de expressão e o modo pelo qual vós, como
indivíduo, podereis exprimir esta vida e como podereis assimilar a felicidade
que é o fruto dela. E haveis de notar que todo o indivíduo, seja avançado ou
não, deseja entender a vida a seu modo particular, estreitá-la para adaptar-se
a si mesmo. O filósofo intelectualiza a vida e há de ter muitos sistemas e
explicações para as coisas, e buscará a vida seguindo esta linha particular. O
poeta buscará o entendimento da vida no equilíbrio e na beleza das palavras, e
assim por diante. Todos, resumindo, pretendem interpretar a vida de acordo com
seus próprios desejos ou segundo o sistema particular ou particular religião a
que pertencem.
Ora, se quiserdes compreender a
verdade em sua totalidade, a ela não podereis vir ao longo de qualquer dessas
linhas particulares, pois que a vida é todo-inclusiva; está para além de todas
as filosofias, para além do enfeite das palavras, para além da feiura e da
beleza, para além da pobreza e da riqueza; e no entanto, por estar para além
dessas coisas, está em todas elas. Assim, se quiserdes realizar, com intenção
séria, tendes que alcançar esta plenitude, esta totalidade, e precisais vos
libertar a vós mesmos com todas as especiais fantasias do desejo. A vida,
como princípio interior, é a plenitude do pensamento e do amor; e o caminho
para esta plenitude é ir do pessoal para o impessoal. Portanto, tem de haver sempre conflito entre a emoção e a mente até
que se equilibrem na auto-existente felicidade da vida liberta. Todos
os desejos particulares — sejam eles os do poeta ou o do filósofo, ou os do
despurado buscador do prazer — são, no fundo, o desejo por esta felicidade
durável, auto-existente. É isto que a vossa própria vida — separada como o é,
colhida pelas reações, propelida pelo medo — realmente está buscando. Para a
vida é esta a sua potencialidade última, a qual ela está ansiando sempre por
trazer à atuação. Toda a satisfação
irreal de carência interna, que denominamos desejo, é usualmente
acompanhada pelo desejo de passar além de toda essa irrealidade para alguma
outra pessoa. Explicarei isto melhor. Quereis proporcionar entendimento e amor
por um modo particular, que é o vosso
modo; e vos sentis feridos quando não vos seguem. Porém uma tal dádiva é a
dúvida da ilusão, não a da realidade. Há também crueldade nisso, pois que tal
surge do desejo de dominar, de guiar, de controlar; e esta espécie de dádiva é
que extraímos nossa moral de férrea rigidez. Tanto o dar como o necessitar
provém da mesma coisa. O dar não é senão o enfraquecimento do indivíduo e o
necessitar não é senão o confiar em algo externo. Portanto, nenhuma destas
coisas tem algo a ver com a verdade. O ponto a considerar é que na raiz de
ambos, tanto do dar como do necessitar existe algo que de vós se vai para o
exterior; e é a isto que é preciso resistir. Se, porém, o não fizerdes, que
ficará? Quando mais nada derdes ou necessitardes, que é que sereis? Sereis o SER, que
é a única coisa positiva no homem.
O SER é incorrupto e de nada
depende fora dele próprio; daí, não projetar sombra. Não conhece separação e é
imortal. E, assim, quando vós, com indivíduos, entrais nesse PURO SER,
vós vos tornais o deleite da expressão da vida, pelo fato de haverdes passado
por todas as coisas. Um tal SER é o
preenchimento da vida. Isto é o que todos estão buscando — serem eles próprios; não depender de
coisas externas para se necessitar ou dar. Quando fordes um tal SER,
sereis como o sol sob cuja luz todas as coisas crescem e na qual nada existe
que seja bem ou mal, mau ou indiferente.
Assim, não busqueis entender este
SER através de um canal particular qualquer que seja. Ele está muito acima de
todas essas mesquinhas criações da ilusão. Buscai-o repelindo todo o medo, pois que quando
isto for feito a vida vos mostrará o que ela se destina a ser para vós.
Krishnamurti em Acampamento de Ojai, 31 de maio de 1930