Nada existe de novo sob o sol.
Tudo tem sido já pensado, toda a modalidade de expressão já foi dada ao
pensamento, todo o ponto de vista foi já evidenciado. O que já foi dito é
repetido sempre e, portanto, jamais poderá haver algo que seja novo, sob o
ponto de vista vulgar — somente vos é dado variar as expressões, usando
palavras diferentes, diferentes anotações e assim por diante. Porém, para o
homem que deseja experimentar toda a coisa, toda a ideia, por si próprio, tudo
se torna novo. Se houver o desejo de passar além da mera ilusão das palavras,
de ultrapassar as expressões do pensamento, de ultrapassar todas as filosofias
e todos os livros sagrados, então, numa tal experiência, tudo se torna novo,
claro, vital.
Esta manhã quisera eu sugerir, se
o pudesse, que, para compreender — não importa o que seja — deveis estar
integralmente libertos dos mesquinhos entendimentos, do egoísmo, do dever, do
pecado, do mal, do bem, de todas as coisas... Então, somente, sereis capazes de
compreender, de apreciar, e recolher o pleno significado do que se vos coloque
adiante. Isto não quer dizer que devais ter vossas mentes em condição
absolutamente negativa, de vácuo, — é justamente o contrário; deveis, contudo,
possuir uma mente desejosa de examinar, isenta de repressão. Tenho repetido
isto durante os três últimos anos, porém, aparentemente, a ideia da tradição
somente se aplica a certas formas de cerimonial, a certas formas de ritual. Não
quero, em absoluto, referir-me a isto. Entendo por tradição um hábito de
pensamento assente, um ponto de vista que já haja sido estabelecido por
milhares de anos ou recentemente e que, por isso, não possa ser o vosso.
Para entender o pleno significado
da vida não vos podeis aproximar dela com a mente tradicional, com ideias
tradicionais, por mui bem firmados que estejais na literatura antiga ou em
todos esses suaves envoltórios que nada significam. Por vos achardes todos
incertos, por vos encontrardes perplexos, acrescentais confusão maior aquela
que já existe. Falo-vos com toda a seriedade, por ser isto, para mim, muito
sério. É simplesmente perda de tempo para vós o virdes e examinar o pensamento
de outrem, se vossa mente estiver cheia de preconceitos e de maneiras
tradicionais e estreitas de encarar a vida, quer estas sejam modernas quer
antigas.
Haveis de descobrir, à medida que
a vida se expresse a si mesma, que todo o instante ela muda. Posto que suas
expressões possam ser as mesmas, a experiência deve variar constantemente. Se
quiserdes entender a vida, não deveis vir a ela com a mente edificada em o
pensamento tradicional, com ideias tradicionais, com aquelas certezas que dais
por consumadas pelo fato de haverdes lido inúmeros livros sagrados. Quisera que
vos libertásseis de todas essas leis estabelecidas e pensásseis por vós mesmos.
Quando vos achais tristes, tem por acaso importância aquilo que outrem pensa? Quereis
vos libertar dessa tristeza; e podeis ler todos os livros sagrados, podeis
acompanhar certas ideias religiosas, porém elas não vos arrancarão esse aguilhão
da tristeza, elas não vos darão certeza de propósito, exceto pelo pordes de
parte todas essas coisas e examinardes por vós próprios toda a questão, todo o
pensamento, todo o ponto de vista que diante de vós for colocado, pelo seu
valor intrínseco. Quando por vós próprios houverdes descoberto o que é certo,
então não necessitareis de crenças, de religiões, de dogmas, de deuses, de
mestres, de gurus. Porque o que vos
estais esforçando por fazer é desenvolver esse eu que está no interior de cada
um afim de leva-lo até a sua mais alta forma de incorruptibilidade. Sei que
haveis de dizer: “isto já foi dito antes em toda a escritura” — porém a
dificuldade é que muito poucos há que o pratiquem.
Para possuir esta absoluta certeza
de propósito, tendes que colocar de lado todas as incertezas e que começar de
novo. Esta é a coisa única que tem importância. A incerteza quanto à vida, às
nossas ideias, à nossa conduta, à nossa integridade, acalenta o medo; pelo medo
de tornai-vos fracos; e por via dessa fraqueza arquitetais credos, dogmas,
religiões, deuses e todas as inúmeras complicações, muletas e apoios. Assim,
minha intenção primeira é a de tornar-vos certos quanto a vós mesmos, as vossas
próprias ideias; não para que aceiteis as minhas, mas para que formeis vossas
próprias concepções da vida, absolutas, certas, positivas. De outro modo sereis
como o cata-vento que é volteado por todo o vento que sobrevém.
O homem que se achar bem firmado
em seu próprio conhecimento, nascido da experiência, não tem medo; ele
estabelece um padrão que é eterno. O homem — isto é, o indivíduo — está
continuamente buscando, por meio de todas as mutações, um padrão absolutamente impessoal,
desinteressado; um padrão que sirva de guia, que não pertença a pessoa alguma,
um padrão que constantemente esteja com ele, de modo a não necessitar ele de
confiar seja em quem for, em qualquer pessoa, em qualquer tradição, em
quaisquer deuses, em quaisquer gurus.
Precisais estabelecer um espelho que reflita tudo quanto pensais ser bom, tudo
que sentirdes, em suas cores legítimas; que não seja moldado segundo os vossos
preconceitos, de acordo com os vossos caprichos; um padrão constante e eterno.
Tendes que buscar, para encontrar um padrão tal que seja ao mesmo tempo padrão
do indivíduo e padrão universal. Eu digo que um tal padrão existe, que é
aplicável tanto ao indivíduo quanto à vida em seu conjunto. Uma vez que tenhais
estabelecido, verificareis que sois o vosso próprio mestre, que sois integra,
completamente responsáveis por vós próprios, que ninguém do exterior vos pode
ajudar.
Qual, portanto, é o padrão, qual
a meta, qual é esse preenchimento da vida individual e universal? A partir do
momento que o conheçais, podereis trabalhar tomando como ponto de partida essa
realização; isto é, podeis tornar o fim nos meios. A partir do momento que
saibais para onde tendes que ir os meios de atingimento ficam sendo de pouquíssima
importância.
Um rio, busca, continuamente, o
caminho mais curto para o mar; este é o seu escopo. Porém, para chegar ao mar,
necessita possuir grande caudal de água — a não ser assim, desaparece na areia.
Também, a vida do homem está continuamente buscando a experiência, que lhe
proporcione grande força que a encaminhe, que a propulsione da direção daquilo
que é livre, que é eterno e que eu chamo libertação ou que posso denominar por
qualquer outro termo que vos agrade. Se possuirdes esse propósito que é
libertação, que é o equilíbrio entre a razão e o amor, que é a incorruptibilidade
do eu, da mente e do coração, de onde brotam emanações de vida, esse, para mim,
é o padrão eterno.
Quero que vos certifiqueis, assim
como eu me sinto certo. Quero que estejais pacíficos, serenos, estabelecidos na
certeza como eu o estou. Não é por outra razão que vindes escutar-me ou por que
vos falo. Se esta é a meta, então, a experiência que bate à vossa porta a todo
o instante do dia, não tem valor. O desejo está a todo o momento buscando
experiência, pois que este é o seu modo de preenchimento, e por isso é que não
podeis matar o desejo. Se tiverdes um propósito — a meta, o padrão, a verdade
que é a própria vida — então toda a experiência será semelhante às gotas de
água que proporcionam grande volume ao rio e o propelem na direção do seu
preenchimento. Não se trata de receber auxílio externo ou de buscar a salvação
— terrível palavra — por meio de outrem, nem de confiar em outrem para vossa
satisfação e vossa felicidade.
Digo que atingi essa verdade que
é libertação, que é equilíbrio entre a razão e o amor, a incorruptibilidade do
eu. Digo isto e não que deveis seguir-me, ou como um estímulo, porém sim
impessoalmente, como digo, por exemplo, que o sol brilha. Pelo fato de um homem haver atingido é possível
a todo o homem atingir. A
partir do momento que verifiqueis ser um prisioneiro — e isto é difícil de verificar
— que estais encerrado dentro das muralhas da limitação da vida, então, a
partir do momento de uma tal verificação, começareis a ser livres. Estareis
continuamente buscando o caminho para passar para fora dessas barreiras,
estareis continuamente derrubando muralhas.
A experiência está a todo
instante esperando, ansiosa de que a utilizeis e por meio dela destruais vossas
limitações e sejais livres. Porque, se não fordes livres, não haverá
beatitude, não haverá serenidade, porém angústia contínua, e tudo que fizerdes, seja o
que for, somente virá acrescentar essa confusão, esse caos que já existe no
mundo.
Para achar essa verdade que é
libertação, deveis começar pondo tudo de parte; depois, precisais ficar absolutamente sós, sós em pensamento,
e desse ponto de vista, buscar o atingimento. Tendes que ter coragem, tendes
que ter determinação. Tereis que fazer isto algum dia, seja amanhã, seja daqui
a um milhar de anos; porque a tristeza está continuamente alanceando com suas
garras, o
coração daquele que tem limitações; quanto maior a tristeza que tiverdes, maior
será a certeza de vosso atingimento. A tristeza e o prazer são a
mesma coisa, que a luz e a sombra. Não eviteis a nenhuma, porém utilizai a
experiência de ambas, como o terreno do qual a consecução da flor vem à
existência, e assim alcançareis a certeza, a integridade do coração e da mente.
Viestes aqui para verificar se
tenho algo de novo para dizer-vos. Porém, para descobrirdes isto, tendes que
vir a mim com a frescura da mente investigadora, com ardor e entusiasmo de
verificar — não trazendo inúmeras citações de vossos livros sagrados, de vossas
tradições, coisas
que não tem valor por não serem vossas. Por toda a parte por onde
tenho estado, na Europa, ou aqui na América, dizem-me sempre: “Fomos informados”,
“nossos livros sagrados dizem isto”, “o Buda disse aquilo”, “nossos mestres
disseram aquilo outro”. Ponde de lado todas essas coisas e pensai por vós mesmos.
Isto é o que importa; é à vossa tristeza que estais enfrentando e não a de
outrem. É solvendo vossos próprios problemas que solvereis o problema do mundo
e não por outros meios quaisquer. Pelo vosso atingimento, pela purificação de
vosso próprio eu é que trareis paz, harmonia, ordem e tranquilidade ao mundo.
Não vos mostreis contentes simplesmente, porém resolvei libertar-vos integralmente, tomai a
resolução de serdes um perigo para tudo que não for essencial, tudo que for
tradicional; e por esse modo estabelecereis a certeza, não somente para vós
próprios, porém, para todos que entrarem em contato convosco.
Krishnamurti, Acampamento da
Estrela de Benares, 7 de novembro de 1929