Naturalmente há perplexidade nas
mentes de muitos dentre vós e é assunto, penso eu, para congratulações o fato
de existir tal perplexidade e incerteza. Porque, se vos sentirdes certos,
jamais podereis encontrar a verdade. A certeza deve vir somente com o
atingimento final. Até que chegue essa condição final deve haver constante
busca e nem mesmo e nem um momento sequer de certeza. Assim, é assunto de extremo
deleite, para mim, pessoalmente, que existam tais contradições, tais
incertezas, criadas em vossas mentes de modo que sejais capazes de pensar por
vós próprios e não seguirdes a quem quer que seja.
Se falo francamente, esta manhã,
peço-vos que compreendais que não é pelo espírito de ataque pessoal, ou por
autoridade, ou pelo desejo de criar um corpo de seguidores. Não pretendo, como
já o disse repetidamente, que qualquer homem siga a outro, que um homem
qualquer se submeta ao veredito de outrem ou que esteja colocado sob o jugo da
autoridade de outrem. O que digo, digo-o com toda a sinceridade, com pleno
conhecimento do que estou dizendo, com absoluta convicção, adquirida por mim
mesmo, daquilo de que vos estou falando, e peço àqueles que forem bastante
honestos para me escutarem, terem a mesma sinceridade de pensamento, a mesma
honestidade de examinar o que estou dizendo pelo seu valor intrínseco. Ninguém,
seja quem for, vos pode dizer qual é o início, a não ser que vós próprios vades
ao início. Por favor, atentai, no pleno significado, na profundeza plena do que
estou dizendo, e não no seu significado superficial.
Não desejo entrar em controvérsias
a respeito de quem sou e de quem não sou. Ninguém sabe coisa alguma a tal
respeito. Podem apenas conjecturar. Portanto, não tem valor o que quem quer que
seja diga de mim. É este o mais insignificantes dos assuntos. Durante séculos,
vossas mentes têm sido adestradas para obedecer à autoridade, não somente aqui,
porém por todo o mundo. Depois de terdes ouvido a autoridade, esquecei-vos de
pensar por vós próprios claramente, impessoalmente, sem qualquer parcialidade
no que respeita a indivíduos. Não digo tudo isto por dureza ou por qualquer
intenção de despertar antagonismo.
A verdade não pertence a pessoas;
não pertence a classe alguma; não pertence a nenhuma reunião de criaturas que a
possam interpretar; não pertence aos poucos escolhidos que possam transmitir
tal conhecimento aos outros. A verdade e seu atingimento é coisa puramente
individual e nada tem que ver com quais quer pessoas. Tem-se tornado moda
ultimamente — especialmente entre os teosofistas que são, suponho eu, mais
complicados do que os outros — o caminho da clara enunciação da verdade. Como
disse, não é minha intenção discutir este assunto, não porque não seja capaz
disso, porém por ser ele absolutamente isento de valor. A vós pertence o julgar
por vós próprios; não meramente aceitar o que vos é dito, o que vos informam a
respeito de quem está e de quem não está falando. Certamente que vale mais a
pena, é maior e mais nobre o pensar por si mesmo para depois agir, sejam quais
forem as consequências. Porque, quando tiverdes essa capacidade de pensar por
vós próprios, estareis vivendo, estareis em contato com a vida, estareis em
amor com ela. A partir do momento que deixeis esta ideia de lado e vos
permitais ser utilizado por outrem, estareis traindo a própria coisa que
buscais. Assim, é assunto muito sério o examinardes o que eu digo, esquecendo
vossas complicações, vossas infantis invencionices, se assim me posso
expressar, sobre quem é ou quem não é que está falando pois tal coisa é de pouquíssima
valia. Ninguém o pode saber senão vós próprios. Não deis ouvidos a ninguém,
porém somente às vossas próprias mentes e aos vossos próprios corações pois que
aí está maior sabedoria do que em todos os profetas. O que pensais e as
consequências de vossas ações nascidas do pensamento têm um valor maior, uma
maior força, uma vastidão maior do que o obedecer e seguir cegamente, mesmo o
seguir abertamente, seja a quem for. Em assuntos espirituais não existe Cristo
nem Buda, fora de vós próprios. Pois é o eu que precisa ser purificado e enobrecido e liberto
no indivíduo, e, no dar essa liberdade ao eu, reside a libertação e
a eterna felicidade que não tem variação.
Assim, pois, por favor, quando eu
estiver falando, esforçai-vos por chegar ao significado do que vos estou
dizendo, em vez de cogitardes acerca de quem está falando. O que estou dizendo
levanta-se como um todo em conjunto. Não podeis tomar um exemplo separadamente
e desprezar o todo. Examinai o todo imparcialmente, logicamente; dissecai-o,
fazei-o em pedaços; porém não deis ouvidos a ninguém, dai ouvidos às vossas
próprias mentes e corações. Aí somente reside a Eternidade, aí somente reside a
plena flor da espiritualidade. Seria mero desperdício de meu tempo o discutir
quem é que está e quem não está falando. Jamais responderei a esta pergunta,
por não ter ela valor algum. Se eu a respondesse seria um mero apelo a certa
autoridade, que vos viria deliciar. Porém digo, — não como um apelo, nem para
servir-me de autoridade — que atingi aquilo que todo o homem está buscando,
seja em que estágio que for da evolução, essa perfeição que é equilíbrio da razão e do amor, que é
libertação de todas as experiências do eu e não das coisas relativas.
Pois na manifestação há sempre mudanças, contradição, variedade, diversidade;
porém, no atingir do eu, na purificação desse eu, no equilíbrio desse eu, na
perfeição e libertação desse eu reside a omnisciência (consciência expandida). Assim, tendes somente de encarar isto e a nada
mais, se quiserdes entender o que estou dizendo. Se não desejardes isso, não
venhais. Há muitos espaços e muitos céus abertos. Assim, por favor, examinai o
que digo com espírito de inquirição e não com espírito do “estareis certo ou
errado?” que deve vir depois, isto é, após a vossa pesquisa sem preconceitos.
Por favor, buscai sem espírito de partidarismo, porém esquecei todas as vossas
personalidades e vossos anseios pessoais, gostos e desgostos. Sede livres de
mente, sem preconceitos, pois que não quero falar inutilmente a pessoas que não
me queiram dar ouvidos. Antes me fora embora. Antes quisera eu ter duas pessoas
que realmente compreendessem o pleno significado do que digo do que milhares
que apenas me deem ouvidos. Pois o homem que compreende altera sua visão
integral da vida, torna-se senhor de suas circunstâncias, destrói as barreiras
que o rodeiam. Tal é o homem que compreende, e meu deleite, meu propósito,
minha intenção é criar um tal entendimento.
Antes de responder as perguntas
que me foram dirigidas, quisera, naturalmente, expor perante vós alguns pontos
em redor dos quais centralizarei minhas respostas. Precisais, portanto, se
assim me posso exprimir, verificar o ponto de vista sob o qual respondo. Tenho
dito e sustento ainda, que a verdade, a mais elevada forma de espiritualidade,
é um país sem caminho. Para vos aproximardes dessa verdade não podeis trilhar
caminho algum, seja ele qual for. Sei que hei de dizer muitas coisas contrárias
ao vosso pensar, porém não importa. Se simplesmente escutardes com mente
investigadora, verificareis se o que eu digo é razoável ou não.
Ora, vossas mentes estão habituadas à ideia de
um caminho que tendes de percorrer, porém, como a verdade é a sede do eu, ela
não tem caminhos. Dela não vos podeis aproximar por um caminho qualquer. Ela é
completa, sem variação. Se dela vos esforçardes por vos aproximar por uma
condição unilateral, jamais podereis atingir, porque a verdade é vida; e no
amor dessa vida, na plenitude dessa vida reside a verdade, o atingir da
espiritualidade, não no desenvolver de uma particular qualidade, de um
particular atributo da virtude. Nada tem ela que ver com todas as coisas. Para
o homem que está se aproximando da verdade, essas coisas podem ser a realidade
por um momento, porém para o homem que procura, não pode existir caminho. Ele
tem que tomar o inteiro céu aberto, todo o pranto, todo o riso, todo o canto em
seu coração e mente e não excluir a si mesmo por certas limitações, em templos,
em igrejas. Se por uma tarde viajardes por uma estrada, escutareis os clamores
de muitas pessoas, o gorjeio de um pássaro e o riso de crianças. Se isto
entenderdes e se isto amardes, então compreendereis a verdade; estareis
começando a conquistar e a modelar o eu pleno. Não posso demorar-me muito sobre
estes tópicos, somente neles posso tocar.
Não quero que aceiteis meu ponto
de vista nem que repitais o que eu digo como papagaios; de outro modo, em vez
da velha fraseologia, inventareis outra nova sem modificardes a face do vosso
entendimento. Isto não tem valor. Por favor, não repitais estas coisas enquanto
não houverdes compreendido o seu pleno significado, enquanto as não tiverdes vivido, enquanto este viver não arder
dentro de vós, enquanto ele não for capaz de destruir as coisas não essenciais
que existem ao redor de vós. Assim, repito: a verdade sendo um país sem
caminhos, sendo o todo, homem algum se pode aproximar dela por um caminho qualquer.
A verdade desafia toda a
competição. Se trouxerdes a verdade à competição, acontecerá o mesmo que a água
limpa na qual um fragmento de limpeza haja sido lançado. Tendes que tornar idôneos
a vós próprios, dignos da verdade e não reduzir a verdade ao vosso próprio
nível. A verdade não tem seu povo especial, nem indivíduos escolhidos, nem
favoritos, nem gente que possua a capacidade de a interpretar para vós. Por
favor, atentai nisto que vos estou dizendo, porque desejo que vos modifiqueis.
Naturalmente que, dentro de um ano, haveis de mudar, porém de que serve, se
estais com fome, o pensardes num festim que terá seu lugar daqui a muitos dias?
As vossas mentes e corações estão todas sendo edificadas sobre essa ideia de
que a verdade pode ser somente entendida por uns poucos, que ela tem seu povo
especial capaz de interpretá-la, que dá seu pleno significado, sua força, sua
potencialidade a outros. A verdade é o todo e um país que desafia toda
interpretação feita por outrem. Pelo fato de a verdade ser puramente um assunto
individual nada tem que ver com outrem. O homem que busca distinções em
espiritualidade, vantagens em espiritualidade, não é capaz de entender o pleno
significado da espiritualidade.
Como disse, a verdade é um
assunto puramente individual. Ela nada tem que ver com a massa e apesar disso a
massa é o indivíduo, o conjunto é composto de indivíduos. Portanto, não
encareis a verdade do ponto de vista da massa, porém contemplai-a antes do
ponto de vista do indivíduo. Não é de egoísmo que vos estou falando nem do
egocentrismo. Estou falando da purificação, da liberdade do indivíduo e, por
esse meio, da liberdade do mundo.
A verdade nada tem a ver com a
popularidade ou com o proselitismo. Ela é contrária à autoridade, contrária ao
hipnotismo, contrária à moral, contrária às religiões instituídas para as
massas, às religiões para o todo. Ela desafia todas essas coisas, porque a
verdade é um assunto pura e integralmente do indivíduo. A verdade desafia toda
a autoridade, quer se trate de autoridade moral, quer espiritual, a autoridade
dos eruditos ou a dos profetas; desafia toda a autoridade, seja ela qual for,
pois que a autoridade está sempre procurando dominar e, portanto, jamais pode
aproximar-se da verdade. E como tendes estado sobrecarregados deste jugo
durante séculos, atemorizai-vos de a desprezar, atemorizai-vos de permanecer
sós e ver, inquirir e buscar por vós próprios a verdade que não está dentro do
circulo da autoridade.
Ninguém vos pode conduzir à verdade. Nenhum
profeta, nenhum erudito, quantidade alguma de sacrifícios feitos pelos outros,
nenhuma salvação, nem a força de outrem — por mui espiritualmente avançado que
esteja — vos pode levar à verdade, pois tais coisas não são espirituais. A
espiritualidade de que vos falo é puramente do indivíduo e do eu. Como ninguém pode
vos aliviar vossa dor a não ser vós próprios, como ninguém pode proporcionar
pacificação ao turbilhão do eu exceto vós próprios, tendes que ter em vista o
eu que está dentro de vós; e este eu é muito maior, muito mais grandioso do que
as pessoas que já houveram atingido, do que os profetas que vos tem de levar
pela mão.
Uma vez mais, a verdade não é o
culto piedoso, pois que a piedade é mediocridade. A verdade nada tem que ver
com culto. Por que haveis de cultuar a outrem? Se, porém, tendes necessidade de
prestar culto, cultuai o palafreneiro que vai pelas ruas. Não vos recolhais a
templos para adorar certo deus decadente; cultuai o ser que experimenta
tristeza, que luta, que vagueia por todas as ruas. Buscais espiritualidade e a
verdade pelo imortalizar a outrem e não pelo criar a imortalidade dentro de vós
mesmos; e, assim, tendes inumeráveis deidades, deuses, religiões, cerimoniais —
todas essas coisas que são vãs quando comparadas com o eu real.
Na busca pela verdade não há nem
videntes nem livros sagrados, nem cerimônias, nem religiões, nem Cristos, nem
Budas. Existe somente o eu e no purificar
este eu, no libertar este eu, reside a liberdade do eu. Se colocardes seja o
que for ao lado disto, em confronto, o eu tem que negar todas as coisas para
chegar a atingir. Não pode ter conforto no abrigo da autoridade de outras
pessoas, na sabedoria de outras pessoas. Que valor tem para vós eu ser feliz e
vós infelizes? De que vale eu estar repleto e vós famintos? De que vale os
outros haverem atingido e vós não? De que vos vale cultuar a outrem se
estiverdes lutando? O culto, a piedade, somente levarão ao esquecimento do eu,
ao domínio, à repressão do eu e o eu pode somente atingir a grandeza pelo seu
crescimento, pelo seu preenchimento, pelo
seu frutuoso contato com a vida.
Assim, com tudo isto em mente, e
ainda com o mais que discutiremos pelos dias vindouros, se por isso vos
interessardes — não de modo meramente intelectual, não para saberdes se estais
certos ou errados — libertemos essa
energia que há de alterar todo o ponto de vista da vida. Com isto em mente,
deveis perguntar a vós mesmos o que é que estais buscando, o que quereis, para
que servem todas as vossas invenções.
Que estais buscando? Estais buscando
a espiritualidade que nada tem que ver com qualquer religião, com quaisquer
cerimonias, com quaisquer deuses? Estais buscando essa espiritualidade que é o
preenchimento do eu? Por obsequio, não penseis que vos falo com rudeza. Temos
que fazer face a esta questão; se o não fizermos agora teremos que faze-lo nos
anos vindouros.
Quereis meramente enfeitar a casa
que em redor de vós haveis edificado, inventar luz elétrica para fazer descer a
energia do exterior, com todas as inúmeras complicações que uma mente incerta
cria? Ou lançar-vos-eis à tarefa de destruir essa casa para atingir a
liberdade? Quereis meramente trepar os degraus de uma escada que está defronte
de vós, ou quereis libertar-vos de todos esses turbilhões?
Se responderdes a essas
perguntas, verificareis que o que está ao redor de vós é de vossa própria
criação. Nada tem que ver com a verdade, é invenção da mente, pois que a vida
está sempre buscando libertação, está sempre procurando liberdade no que se
refere às barreiras que criam tristeza; e uma vez que tenha sido atingida, essa
libertação não tem começo, não tem caminho, não tem fim.
Que estais buscando? Se estais
procurando o conforto, essa putrificante satisfação, então, naturalmente,
inventareis muitas coisas para vos sustentarem em vossa tristeza, porém jamais
desenterrareis a raiz dessa tristeza. Se, porém, estiverdes buscando a
tristeza, estais começando a destruir todas as limitações, não sois cultuantes
de coisa alguma, estais buscando essa perfeição do eu que é a perfeição do
todo.
O eu que está em todo o ser é
vida e a vida é pensamento em ação no começo e, à medida que cresce para sua
consecução final, é pensamento em existência. Discutiremos isso mais tarde;
porém, como disse antes, não aceiteis coisa alguma a não ser que vossos
corações, que vossas mentes estejam seguras, sem sombra de dúvida, e então,
alterai e destruí todas as coisas não essenciais que estão ao redor de vós e
tornai-vos livres. Então, estareis em pleno êxtase com a vida, em amor com a
vida, com toda a sombra que baila, com todo o choro, com todo o espoucar do
riso. Não traduzais isto por misticismo; a verdade nada tem que ver com tais
coisas. Ela é o todo e, para atender o conjunto não vos podeis aproximar dele
por um caminho qualquer. Tendes de possuir a uniquidade do eu em vós mesmos.
Krishnamurti em discurso na Loja de Adyar da Sociedade Teosófica, 1928