Krishnamurti: A pergunta significa isto, por outras palavras: É o vosso ensino uma filosofia conducente ao aborrecimento-mundano?
— Sabeis qual a ideia do aborrecimento-mundano: o querer escapar deste mundo de manifestação para buscar a espiritualidade. Certamente, isto não é compatível com o que estou ensinando. Ao que estou dizendo, só se pode chegar por meio de consecução, através da ação neste mundo, não em outro. Portanto, isso nada tem que ver com o aborrecimento mundano que é estagnação, que é destruição, negação.
Pergunta: A fé e a devoção do povo que se encontra no mundo inteiro é frequentemente cega e passiva, porém conduz à piedade e ao êxtase. Não serve isso de verdadeiro alicerce para uma vida boa?
Krishnamurti: A pergunta foi respondida. Conduza à fé e devoção passiva e cega. Se a vós próprios amardes, no mais elevado sentido da palavra, o que vem a ser vida, amais e cultuais tudo que vos rodeia, em pessoas, religiões, indivíduos de qualquer espécie. Se tendes necessidade de prestar culto — o que é uma extraordinária fraqueza no homem — cultuai o homem que puxa o cavalo, o homem que carrega vossas coisas, que conduz peso nos ombros; cultuai o vosso empregado, não os vossos imaginários deuses e gurus.
“Não estabelece isso verdadeiro alicerce para a boa vida? Que é a boa vida? Quem vos pode dizer o que é a boa vida? Mais uma vez, pretendeis ser modelados pela autoridade da lei, pelo domínio de outrem. A boa vida pode somente provir de vós próprios — não das leis de outrem nem do culto a outrem.
Pergunta: Dize-nos que vossos ensinos se destinam aos homens e mulheres vulgares do mundo e não a nós, os teosofistas. Por favor, dai-nos vosso ponto de vista sobre isto.
Krishnamurti: Convém saber: qual a vossa opinião? — não a minha. Sois por acaso os poucos escolhidos? Então, sinto muito, porque não falarei aos escolhidos, pois que os escolhidos nada tem que ver com a verdade. Acaso não vos sentis tão famintos, tão sobrecarregados de tristeza como o homem do mundo? Não tendes vossos turbilhões, vossas tristezas, vossos desejos, vossas hipocrisias como o homem do mundo? Porque pretendeis separar-vos pelo nome? Que é um nome? Nada. É o que sois internamente que tem importância. E, mesmo então, não existe separação que se pareça com “mundo exterior” e “mundo interior”. O que digo é para todos incluindo os infortunados teosofistas. — Isto não é piada. Desejais estar separados e, então, esqueceis o mundo, esqueceis suas tristezas, seus clamores, suas lamentações. A partir do momento que esqueçais essas coisas pertencereis a congregação dos mortos. Não há interno nem externo. Há a vida, o todo, completa e integral, à qual todos pertencem. No pleno conhecimento desta unidade, no pleno amor sem distinção, reside a mais alta forma de espiritualidade e em nada mais.
Pergunta: Podeis por favor, dar-nos vossa opinião acerca da educação religiosa nas escolas?
Krishnamurti: Não me apraz usar o termo “religião”, porque, no meu ponto de vista, a religião é o pensamento endurecido do homem; ela não é ativa, criativa, e não liberta coisa alguma. Se, portanto, eu tivesse algo que ver com qualquer escola, não empregaria essa palavra, porém, antes, manteria constantemente, por meio dos professores o espírito de absoluta liberdade e intrepidez. Porque, a partir do momento que tenhais religião, tereis conformidade, autoridade, supressão do indivíduo. Ao passo que, se libertardes o indivíduo, sem terdes medo seja de que espécie for, será ele maior que todos os deuses. Tal homem não tem necessidade de religião por ser ele lei estrita para si próprio.
Pergunta: Não é a crença de qualquer espécie necessária para a boa vida? A crença na fraternidade humana não conduz às boas ações, à realização da unidade da vida?
Krishnamurti: A crença em outrem não é essencial, a crença em vós próprios, em vossa purificação, em vossas afirmações, em vossas lutas e em vosso atingir, em vossa integridade de percepção, essa é essencial. É natural. No fim de contas, ninguém vos pode dizer que tendes um nariz diferente daquele que possuis. Não se trata de crença nisto, vós o sabeis. Porém, a crença imposta pela autoridade, não vos pode conduzir à boa vida, é uma supressão por meio do medo.
“A crença na fraternidade humana não conduz as boas ações?” Necessariamente, não. Somente da crença na purificação do eu, que é o vosso eu, provém a verdadeira bondade, a verdadeira apreciação. A todo o instante estais buscando auxílio das coisas externas para a fortificação do eu.
Pergunta: A crença no valor do serviço à humanidade não nos leva à realização da unidade da vida?
Krishnamurti: Uma linda rosa, pela sua beleza, presta muito maior serviço, pelo fato de ser bela.
Pergunta: Dissesteis algo acerca do valor da autodisciplina. Podeis explicar isto um pouco mais plenamente, principalmente em vista de vossas ideias sobre o crescimento espontâneo em vez do crescimento disciplinado?
Krishnamurti: A verdadeira autodisciplina deve nascer do amor à vida, que é espontâneo — não imposto, reprimido, sem entendimento. A maioria das pessoas disciplinam-se a si próprias pelo temor da lei, da autoridade, da religião, do céu e inferno, de perder oportunidades, de falência. Estas coisas vos atemorizam. Isto não tem valor. Ao passo que, se estiverdes enamorados com vida, que é a interpretação do eu, começareis a disciplinar a vós mesmos com pleno entendimento. Esta é a autodisciplina verdadeira, que é espontânea, que constantemente está variando, que não é limitada pela moral das massas, pela lei, pelas circunstâncias inventadas pelo homem. Cada homem deve ser lei escrita para si mesmo. Cada homem deve buscar a verdade a seu modo individual, e não de maneira imposta. Pois a verdade reside no eu de todo indivíduo e todos esses meios superficiais são desnecessários para aproximar-se dela.
Krishnamurti em discurso na Loja de Adyar da Sociedade Teosófica, 1928