Pergunta: Frequentemente, ao falardes, detendes-vos repentinamente, como se nos não quisésseis ofender. Será porque sintais, realmente, que, posto que aqui venhamos com um propósito sério, não estamos prontos a fazer frente ao que for necessário no caminho do sofrimento?
Krishnamurti: Às vezes hesito, porque, pessoalmente, acabei já com toda a transigência e, em meu ardor, desejo que outros o façam. Não os posso, porém, forçar a isso.
Pergunta: Que entendeis por libertação?
Krishnamurti: Voltamos a começar de novo! A libertação não é negativa. A libertação, do meu ponto de vista, é o resultado da vida em plena maturação. A libertação é a consumação de toda a vida altamente evoluída, altamente culta, altamente desenvolvida. A libertação é o produto da cessação de todos os desejos. Esta liberdade é o resultado natural que o desejo está sempre buscando, o despedaçar dessas barreiras que são colocadas pelo eu sobre o eu, em virtude da experiência. Vós me perguntais o que é a libertação. Eu somente vos posso dizer que é vida, que é mil e uma coisas, que vem à existência após haverdes passado através do processo de completa eliminação e estardes libertos por completo da ilusão.
Pergunta: Se qualquer de nós a atingisse agora, como mudaria ela para nós o mundo externo?
Krishnamurti: Tratai de atingi-la e depois poderemos falar a respeito. Vós me pedis que coloque algo que é infinito naquilo que é finito, traduzi-lo por meio de palavras para uma mente que é limitada. Se não possuirdes a experiência de certa coisa, eu não vos posso proporcionar o sabor dela por meio de minhas palavras por muito que eu lute, por muito que escreva, por mais que faça conferências e palestras a respeito. Uma experiência desta natureza é a resultante natural da evolução humana, da luta humana, da humana dor e prazer. É a consumação da vida individual, tanto como da vida universal. É impossível descrever a uma pessoa cuja mente é finita, algo que é infinito e que não pode ser descrito. E, se pudesse ser descrita, perderia a sua beleza. Se a pudésseis descreve não mais seria aquilo que estáveis descrevendo.
Pergunta: Dizeis que a vida é livre, porém, no geral, reconhecemos que a natureza tem certas leis. E a ciência moderna diz que talvez as leis do universo não sejam, realmente, as leis de todo o cosmos. Talvez as leis do nosso universo estejam mudando. Assim, eu quero saber se essa vida universal está, ao mesmo tempo, dando e experimentando com as leis da natureza.
Krishnamurti: Isto é certo. Eu encaro isto assim. Existe a manifestação e, na manifestação deve haver lei, porém, não há para aquilo que se manifesta. Para a vida é preciso que haja uma expressão e, na expressão é preciso que exista lei, porém, para essa vida que a si mesma se expressa, não pode haver lei. Eu sustento que para aquilo que é a vida em liberdade, que é espiritualidade em consumação não pode existir lei alguma, porque, se estiver sob o regime da lei, estará em limitação.
Pergunta: Vosso ponto de vista concorda perfeitamente com o que diz a ciência moderna. As leis que outrora tínhamos como universais são somente relativas; é um plano cheio de vida livre.
Krishnamurti: É certo. Por isto é que não podeis ter leis que vos conduzam à espiritualidade; um sistema, uma meditação estabelecida, para vos conduzir à espiritualização, à liberdade da vida. Aquilo que é livre, não podeis ir levando as mãos atadas. E, como esta vida está dentro de vós — esta vasta imensidade de vida está dentro dessa outra vida que está em limitação dentro de vós — para a esta chegardes precisais lutar para a vós mesmos libertardes da escravidão de todas as coisas. Se estatuirdes uma lei, um dogma, um conjunto de regras para a meditação, isto não vos levará a essa liberdade. Não que eu seja contra a meditação; ao contrário, eu não perderia um único momento de contemplação. Deveríeis estar em contemplação durante o dia inteiro, meditar durante todo o dia e não estabelecer apenas uma hora para meditação e depois esquece-la durante o resto do dia. Contemplai durante todo o dia. Porém, não podeis estatuir uma lei para a contemplação. Não podeis fazer leis para a espiritualidade. Trata-se de uma experiência interna que não pode ser traduzida por coisas finitas, para uma mente limitada. É uma experiência tão vasta, é uma vida tão imensa que, a não ser que a experimenteis, por vós próprios, permanecerá um mistério, uma coisa secreta, oculta, e não podereis discuti-la ou coloca-la em dúvida. Por isso é que tanto me preocupo com ela. Não para que investigueis aquilo que estou sentindo, ou o que é a libertação, mas para que desenvolvais vossa própria percepção, afim de internamente vos harmonizardes perfeitamente, e ficardes inteiramente livres, isentos de toda a ilusão. Isto é o que importa; e não o efeito que virá a ter sobre a vossa consciência, ou aquilo que hei de fazer quando houverdes atingido. Deveis vos preocupar de como atingir, de como ansiardes por tal e de como a buscardes.
Krishnamurti, no Castelo de Eerde, 19 de julho de 1929