Disseram-me, ontem, muitas
pessoas, que eu tinha produzido um belo discurso e senti imediatamente um
aperto no coração, pois que essas palavras “um discurso muito bom” parecem-me
significar que o que eu havia dito os ajudará a reconciliar as coisas novas com
as velhas. Onde existir conciliação com
as passadas conquistas, não existe progresso. Falo muito seriamente sobre
todos estes pontos — mais seriamente, talvez, do que vós o desejais. E, assim,
a partir do momento em que uso certos termos familiares como “conhecimento”, “consciência”,
“alma”, todos os meus velhos amigos se refestelam e respiram confortavelmente,
pois que, voltam ao seu velho reino de ignorância. E depois vêm a mim e dizem:
que maravilhoso discurso fizesteis ontem!
Por favor, apercebei-vos de que a
vida é uma luta contínua, não um fruto maduro para ser colhido em felizes e
fáceis momentos. Não vos podeis refestelar na contemplação da vida como sendo
uma instituição confortável. Precisais de estar sempre a fazer contínuos
esforços na direção de mudar, para uma nova orientação de pensamento, pois que
a mente e o coração, sendo coisas vivas, não encontram lugar de repouso. Assim,
horrorizo-me quando alguém vem a mim e me diz: “que lindo discurso!”, pois que
isso me sugere que, realmente, eles não compreenderam o significado daquilo que
estive a dizer. Quisera antes que estivessem descontentes com o que eu houvesse
dito. Se simplesmente vos aperceberdes do significado daquilo que digo, jamais
ficareis contentes no sentido de repousardes confortavelmente em vossas ideias
preconcebidas. Quereis reconciliar. Naturalmente. É bom o sentar-se e
contemplar a vida com a mente fácil. Vós, porém, não viveis desta maneira.
Viveis e cresceis por meio da luta infinita, da incessante variedade, do
contínuo solevar a dúvida. A vida é descontentamento; porém, através de tal
descontentamento vem a alegria, pois que a alegria não tem lugar de repouso. É
uma coisa que sempre está se multiplicando, crescendo.
* * *
Toda a vida implica crescimento e
decadência e, pelo fato de existir a decadência, deve também existir a
renovação da vida. Mas uma tal renovação jamais pode provir de formas
decadentes. Pode somente provir do plantio de uma nova semente e isto é a obra individual. Cada indivíduo traz
consigo esta potencialidade de criar uma nova vida. Por isso é que tanta
atenção eu presto à individualidade e tenho por tão importante que no indivíduo
haja a coragem
de se libertar das gaiolas das instituições. Somente assim pode ele servir a vida.
Tome por exemplo a nossa civilização de hoje em dia. Olhe em redor e
verificareis que ela não ajuda o homem. Antes esmaga a sua existência pelo fato
de mecanizá-la. A civilização de hoje em dia não lhe está proporcionando um
ambiente no qual ele possa crescer e ser livre. Para remediar as coisas, portanto,
não tem utilidade alguma o meramente reconstruir a gaiola que a civilização em
redor dele construiu. Deve afirmar sua individualidade e pular fora dela.
Por esta maneira somente pode ele semear a semente do futuro e tornar possível
um novo sentimento e uma nova orientação de pensamento. Por isso é que o
esforço pessoal têm tão funda importância. O indivíduo, mediante a sua
individualidade, é o salvador da sociedade. A coisa grande, portanto, é ser uma
individualidade, ser absolutamente ele próprio. O que importa é o
que se é — não as instituições ou as crenças com as quais nos achamos
identificados.
A partir do momento que
reconheçais a verdade, verificareis que extremo dever é o de romper com ilusões
e criar um novo mundo — o vosso mundo
próprio. Portanto, não vos deixeis ficar contentes; não tenteis reconciliar. O
caminho para a verdade é o da eliminação, da negação, da dúvida. Para
encontrardes a verdade tendes que vos tornar sensíveis a novos ajustes.
Krishnamurti em Acampamento de Ojai, 28 de maio de 1930