Na Primavera, toda a árvore, todo
o arbusto, tudo na natureza sofre uma mudança vital, uma renovação de vida. Uma
tal renovação de vida, no homem, vem à existência por meio de um forte
sentimento. Se olhardes para dentro de vós mesmos, verificareis que sabeis
muito mais do que aquilo que sois capazes de sentir. No entanto é esta
capacidade de sentir que tem importância, não o conhecimento. A razão é que o
conhecimento não provoca a ação. O que provoca a ação é o sentimento. Por outro
lado, sentimento sem conhecimento não dará em resultado ação clara ou
propositada. Sob este ponto de vista podemos pensar no conhecimento como sendo
o lime ou ponto entre o sentimento e a ação, evitando o sentimento de se tornar
mera sentimentalidade, e dando unidade ou propósito à ação. Resumindo,
sentimento sem conhecimento é sentimentalidade; conhecimento, sem sentimento, é
falta de poder. Sentimento forte, combinado com claro entendimento, é
indispensável à verdade em ação.
O perfeito equilíbrio do conhecimento e do
sentimento encontra-se na intuição. É necessário recordar isto,
porque o intelecto, abandonado a si mesmo, somente desperdiçará suas energias
na sistematização e por este modo tornar-se-á divorciado da vida. A vida não
pode ser sistematizada — é coisa muito rica e flexível. Por isso é que é importante o como pensais,
sentis e viveis — e não aquilo em que acreditais; pois toda a crença
implica um sistema. E, no entanto, se me é dado falar-vos com toda a singeleza,
o que mais importa na opinião de todos vós é a crença. Vós vos preocupais,
principalmente, com os sistemas aos quais pertenceis — e muito menos com a
maneira de vosso sentir e pensar, com a vossa capacidade de sensibilidade, com
a vossa habilidade instintiva de escolher e discernir. Todos os sistemas são
invenções da mente, e não podeis chegar à mais alta realidade por meio de um
sistema particular, qualquer que ele seja, porque, em relação à vida, os
sistemas são externos, ao passo que aquilo de que necessitais para a vida é da
união entre o que é externo e o que é interno. A razão de haver desarmonia
dentro de vós — do vosso eu real — e a expressão de vós próprios, é que o intelecto e o
sentimento, não se acham em unidade e,
por esse modo, ao sentimento falta direção e ao intelecto introspecção.
A verdadeira função do intelecto, portanto, é formar um liame vivo entre o
sentimento interior e a ação exterior. Por isto é que tanto eu sou contra os
sistemas; pois a partir do momento que a mente começa a sistematizar, cessa de
ser uma ponte entre o sentimento e a ação e opera independentemente. O perigo de todos os
sistemas é o de que sois capazes de leva-los acima da plenitude e da riqueza da
própria vida. Um outro perigo é o de que a própria rigidez de qualquer sistema
torna fácil o adaptar as coisas a ele, em vez de se julgar cada coisa pelo seu
próprio mérito, tal como nos é apresentada no imediato fluir da vida. Um
sistema é um substituto para o apercebimento,
a atenção, a vigilância; e é justamente por tal apercebimento e discernimento serem
penosos e perturbadores que as pessoas preferem os sistemas. Pois
que o agir sem sistemas é ter que julgar independentemente e lutar por si
mesmo.
Aquilo que às vezes chamamos
intuição, é, pois, a união entre o verdadeiro sentimento e o verdadeiro pensamento
e, assim, é o liame real entre os mundos subjetivo e objetivo. Sem um tal liame
o verdadeiro sentimento jamais se pode externar a si mesmo e, semelhantemente,
sem verdadeiro sentimento, o intelecto jamais poderá atingir aquilo que é a
verdadeira função, isto é, trazer à harmonia os mundos interno e externo.
Tentar endireitar o mundo por meio de um sistema, é aplicar um remédio que, por
si mesmo, é externo, ao passo que a harmonia somente pode ser estabelecida no
que é externo se primeiro existir uma harmonia interna ou subjetiva. Voltando
ao ponto de partida, significa isto que é somente quando o verdadeiro sentimento interior flui para o
mundo exterior por meio do verdadeiro sentimento, que a harmonia pode ser
estabelecida no mundo exterior.
O que há a lembrar, portanto, é
que, só por meio do conhecimento, nada podereis alcançar — e sim apenas por
meio do conhecimento inspirado pelo verdadeiro sentimento. Assim, pois, precisais vos libertar do orgulho intelectual e vos tornar simples, diretos e livres. Podeis
possuir qualquer quantidade de conhecimento, mesmo avalanches dele, mas, se não
tiverdes a capacidade
de sentir, de ser sensitivos, de vos enamorardes da vida, de que vos
serve esse conhecimento? Sereis colhidos pelos seus sistemas e deles vos
tornareis escravos. Vós não o utilizais como instrumento. O conhecimento único
que é de algum valor é o conhecimento que
é fruto do sentimento, isto é, da experiência pessoal. Qualquer coisa que
venha do intelecto por meio de qualquer outra fonte é inútil para a Vida. Para
o verdadeiro entendimento, tendes que varrer todos os sistemas. Tendes que vos
movimentar com a continuidade do fluxo da vida e não vos deixardes colher pelas
águas retardadas. O intelecto, para dar frutos, necessita torna-se essa coisa
viva que denominamos intuição. Deve ser o principio diretor do impulso de vossa
vida, ajudando-a a mover-se no sentido de verdadeiramente avançar e não algo
que lhe coloque embaraços no trajeto. O que ele vos deve proporcionar, não é um
sistema, porém um instinto de direção. Deveis ser capazes de acompanhar o
refinamento da verdade em todas as suas circunvoluções, julgando
infalivelmente, momento a momento e, onde falhar o conhecimento, permitir o
verdadeiro sentimento atuar como vosso guia.
Krishnamurti em Acampamento de Ojai, 26 de maio de 1930