Penso que para compreendermos de
modo adequado, e formularmos adequadamente nossas perguntas, necessário é nos
aproximarmos de tais assuntos com um desejo oriundo de afeto. Explicarei o que
quero dizer com isto. De nada serve o criticar meramente e intelectualmente;
deveis vos acercar do objeto de vossa critica com uma grande dose de afeto —
não para mim, pessoalmente, porém, para com o assunto. Poemis de outra forma, se
vossa critica or meramente intelectual, não será de utilidade para a vossa vida
diária. Assim, os primeiros requisitos para o entendimento é o afeto pela coisa tida em vista — não pela
pessoa que representa a ideia, mas pela
ideia em si mesma. Sei de muitas pessoas que bondosamente me tem afeto,
etc., porém essa afeição com mente dispersiva não conduz à coisa alguma.
Fundamentalmente, não tem valor. Ao passo que, se examinardes, analisardes,
criticardes com afeto, então, essa ideia se tornará prática e poderá ser
traduzida na ação diária. Se houver
afeito para essa ideia central, então haverá amizade para com todos que se
aproximarem dela. Presentemente todos vós estais buscando à esta ideia
separada, individualmente, como entidades separadas, cada qual olhando o outro
por fora. Há espírito de contradição, antagonismo entre os indivíduos que se
aproximam da mesma ideia, todos se esforçando para realiza-la e compreende-la.
Porém, para vos aproximardes, compreenderdes e verificardes, tendes que vir imbuídos de afeto — não
com o sentimento da posse, não com o espírito de rivalidade de quem compreende
mais e quem compreende menos. A ideia é que deve tornar o fator dominante, não
os indivíduos; a realidade precisa tornar-se uma realização viva, perceptível,
entusiástica, ativa na conduta. Por esta maneira não nos perderemos a nós
mesmos por entre as teorias, filosofias, porém, achar-nos-emos altamente
concentrados em traduzir o nosso próprio entendimento na ação diária, a qual
será a conduta. A conduta não necessita de ter como fundo uma filosofia
altamente complicada. A verdadeira conduta é a conduta auto-realizada, não
baseada em qualquer filosofia, porém baseada em nossa própria experiência. Daí,
a conduta torna-se a revelação da nossa realização na atividade. Não se é julgado
pelas crenças, pelas filosofias que se adota, porém pelo que se é, — pela maneira pela qual se trata a
outras pessoas, pela maneira de nos comportarmos; e não pelo que se sustenta
intelectualmente coo sendo a nossa filosofia. Logo que nos esforçamos para
realizar a realidade central, viva, para a qual todos, embora desajeitadamente,
gravitamos, então nosso afeto, nosso pensamento, nosso inteiro entusiasmo se volta para tal
fim; deixamos de ser antagônicos para com os outros indivíduos que
se aproximam do
mesmo ideal.
Presentemente, dá-se um combate
entre indivíduos; mas não um combate com a concepção, com a efetiva percepção
da realidade. Daí, a energia é desperdiçada. Em lugar dos indivíduos
se ajudarem uns aos outros, tornam-se barreiras uns para com os outros. Se me
fosse dado sugerir-vos algo, diria: a conduta — que é tradução de nossos
sentimentos e ideias, de nossas concepções, emoções e pensamentos em atividade
— necessita ter suas raízes em alguma espécie de filosofia. Agora, para mim,
esta espécie de filosofia, de realidade viva, essa realidade é o PURO SER; e a
respeito disto virei a falar cada vez mais, reiteradamente. Toda a conduta
deve, por fim, conduzir a pessoa na direção desse PURO SER, de modo que as perguntas se venham a referir, não somente
a essa realidade última, porém ao meio prático de expressar essa realidade na
conduta. Por outras palavras, não nos deixemos perder em filosofias, no
questionar a cerca de uma coisa que somente por nós próprios pode ser realizada
por meio de nosso próprio julgamento, por meio de nossa própria percepção e
esforço. Podemos, porém, discutir o como regular e conduzir nossas vidas. De
outro modo estamos discutindo o absoluto sem valor prático nenhum para a nossa
vida.
Krishnamurti em Reunião de Verão, Eerde, 17 de julho de 1930