Visão das Aspirações Espirituais da Índia
A liberdade externa e a interna,
não podem ser separadas. Maior que qualquer país é a vida; e é somente quando
um país se houver apercebido das mais profundas leis da vida e acomodado a elas,
que é, ou pode ser, realmente livre. Sob este ponto de vista, absolutamente não
existe país livre hoje em dia. Por toda a parte, aí há meramente gradações da
liberdade. Porém em todos os casos onde a liberdade política existe, aí também
será encontrada como co-existindo com ela uma certa liberdade da espécie das
gentis e irreais restrições que subjugam o criativo e espontâneo fluxo da vida.
O verdadeiro inimigo da liberdade é a tradição morta; o viver de segunda mão; a
escravidão da vida de hoje às fórmulas gastas de uma idade pretérita. E
dificilmente se encontrará um país no mundo sobre o qual a mão morta da
tradição pese tão severamente, como a Índia. É este o verdadeiro problema
indiano. Solvei-o, e tudo mais que conserva a Índia na retaguarda, hoje em dia,
se dissipará como os nevoeiros da manhã. A Lei da Vida não pode ser burlada. A
vida ou nação que não houver libertado a sua vida interna, não pode esperar
pela liberdade no sentido real da palavra. E mesmo que alcance aquilo pareça
ser a liberdade exterior, o fruto dela uma vez provado, verificar-se-á, apesar
de toda a sua externa formosura, ser cinzas e pó interiormente.
É esta uma dura lição, talvez mal
aceita. Porém a verdadeira esperança para a Índia, reside no fato de que, sendo
forçada pelas circunstâncias a aprender esta lição afim de alcançar o que
deseja, emergirá da prova purificada o mais plenamente possível, por meio da
severidade da luta através da qual precisa de passar. A alma da Índia é uma
grande alma acorrentada. Libertai-a, e surgirá um gigante entre as nações; pois
não resta dúvida que uma Índia regenerada faria e fará muito pela regeneração
do mundo inteiro. Possuímos uma esplêndida herança espiritual; ela, porém,
tornou-se cediça e sem proveito por falta da coisa única que pode manter
qualquer tradição fresca e proveitosa, que é o Espírito de real afeto e
consideração pelos outros. As mais potentes das sobrevivências trazidas de
nosso passado imemorial são agora — o que? Crueldades e egoísmos cristalizados,
o matrimônio infantil, as restrições desalmadas que impomos às viúvas, o nosso
tratamento em geral para com as mulheres, o sistema integral da intocabilidade;
que são estes senão assuntos nos quais o peso morto do costume esmagou em nós
os sentimentos vulgares da decência que deveriam suavizar e harmonizar a vida
dos seres humanos? E que é a própria casta senão um sistema de egoísmo organizado
— o desejo que tem todo o homem de sentir-se diferente dos outros e ser
consciente de possuir algo que os outros não possuem? Estas e muitas outras
coisas semelhantes, são a nossa herança de hoje em dia; e é sob o peso desta
herança que estamos gemendo. Porém — e eis a coisa de importância — elas não
constituem a totalidade dessa nossa herança, porém somente a sua parte morta.
Sepultada sob essa está a verdadeira herança da Índia, a parte viva, a herança
do passado. E esta não é outra senão esse gênio de Libertação, se assim posso chama-lo,
que se encontra na raiz da natureza indiana. Despojai de todas as excrescências,
a Alma da Índia, e encontrareis, ainda forte e vivo, um profundo desapego e um
profundo sentimento da Realidade dentro dela.
É esta a mais profunda alma da
Índia que deve hoje ser revivida; e esta é que, se pudesse ser revivificada e
lhe fosse dada liberdade de auto-expressão, efetuaria esse milagre de
regeneração de que falei atrás. Pois, a um tal Espírito nada é impossível; e,
uma vez liberto ele arrastaria tudo mais diante de si. Não somente traria a
liberdade política, como um de seus menores e mais naturais resultados, porém,
em um grande ato Auto-expressão, tornaria a Índia o que ela, sinto-o, está
destinada a ser — isto é, p centro espiritual e o dínamo do Mundo.
Que é necessário para este
despertar? Em primeiro lugar, verdadeira sinceridade e verdadeira capacidade de
encararmos as nossas faltas com franqueza, de frente; em segundo lugar a paixão
do descontentamento que deve surgir de uma visão assim esclarecida. E após
isto, deve manifestar-se o esforço resoluto, a todo o custo, de pormos a nossa
casa em ordem e, quando for necessário, afirmar as necessidades presentes,
colocando-as acima das velhas restrições. O tempo de arrastar uma cadeia que se
torna cada vez mais longa, já passou. Devemos despertar para a vergonha de possuirmos
lados de nossa vida diária que não podemos exibir ao olhar friamente apreciador
do indivíduo do exterior. Precisamos reconhecer quão fútil é buscar disfarça-los
com palavras, quando o olhar do Espírito-Mundial está calmamente, a todo
instante, contemplando-os e julgando-nos à sua luz. Para encurtar razões,
chegamos a vislumbrar a necessidade de trazer nossa Índia, novamente à harmonia
com a realidade. É somente quando houvermos começado a colocar isto em prática
e estivermos dispostos a continuar na mesma senda que pode chegar a sua
verdadeira libertação.
Em tudo isto muito há que
aprender de outras nações. Não sejamos demasiado orgulhosos para aprendermos.
Em refinamento e limpeza da vida física, em invenções que poupam trabalho, em
liberdade social, em organização construtiva, em cooperação honrosa, e num
sentimento impessoal do dever, há muitas lições que o Ocidente nos pode
ensinar; e, na proporção em que os nossos esforços para a Auto-imperfeição forem
sendo legítimos, estaremos prontos e contentes a aprender e, quando houvermos
aprendido, poderemos também ensinar.Pois que, há lições que uma Índia
espiritualmente redesperta poderia fazer partilhar, as quais se acham,
presentemente, fora do horizonte do pensamento Ocidental. Mais do que qualquer
outra nação poderíamos mostrar à humanidade a dependência do psíquico
relativamente a uma invisível e maior Ordem Espiritual. Mais, também, que outra
nação qualquer, poderíamos mostrar que a Felicidade reside, não nos bens
possuídos, porém na harmonia entre a vida exterior e a vida interna do
Espírito. Porém, para podermos ensinar, temos primeiro, que tornar valioso o
nosso direito a faze-lo; e isto somente poderemos consegui-lo por meio de uma
referência em grosso a todos os detalhes da nossa vida nacional, não conforme a
um qualquer conjunto de injunções imemoriais, porém com referência ao senso
comum e ao sentimento de justiça de hoje em dia. É este o primeiro passo na
direção da verdadeira Libertação, o qual, sinto-o, é necessário na Índia.
Jiddu Krishnamurti, 1929